Comunicação pública

Alterações de Temer na EBC provocam protesto em Brasília

Governo exonerou presidente da Empresa e revogou ato no mesmo dia porque teria desagradado o STF

Brasília (DF) |
Membros do Conselho Curador, funcionários e entidades protestam em frente à sede da EBC em Brasília nesta sexta (2)
Membros do Conselho Curador, funcionários e entidades protestam em frente à sede da EBC em Brasília nesta sexta (2) - Renato Cortez/Mídia Ninja

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) voltou a ter destaque entre as polêmicas que circundam o governo de Michel Temer. Na noite da última quinta-feira (1), o Executivo federal editou uma medida provisória e dois decretos que tratam da exoneração do presidente da EBC e de outras alterações consideradas controversas que incluem a extinção do Conselho Curador e modificações na estrutura do Conselho de Administração.    

Entre outras coisas, a EBC deixa de ser uma responsabilidade da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República e passa a ser vinculada à Casa Civil.

Publicadas no Diário Oficial da União (DOU) dessa sexta (2), as mudanças foram interpretadas por funcionários e diversas entidades como um desmando do governo. A Medida Provisória (MP) 744, por exemplo, que extingue o Conselho Curador, estaria em desacordo com o artigo 223 da Constituição Federal, que prevê a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal de comunicação.  

Composto por 22 membros, o colegiado conta com representantes da sociedade civil, de funcionários da EBC e do governo, com a função de acompanhar e fiscalizar a programação das emissoras. O grupo também é responsável pela aprovação do plano de trabalho e da linha editorial da Empresa.

Para a presidenta do Conselho, Rita Freire, a mudança aponta para a extinção do sistema de comunicação pública, constantemente confundido no debate público com a comunicação governamental.  

“A MP determina que o governo é quem irá escolher conteúdos e diretrizes editoriais para a Empresa, ou seja, acaba com o caráter de comunicação pública da EBC e transforma ela numa empresa de comunicação governamental. O Brasil precisa ter uma comunicação voltada pra sociedade, que não está centrada no interesse comercial nem no interesse de um governo. (...) É preciso destacar que comunicação pública sem a gestão da sociedade não é comunicação pública”, salientou a dirigente.

Em protesto pela extinção do Conselho, os membros do colegiado realizaram um ato na tarde desta sexta-feira (2) em frente à sede da Empresa, em Brasília, em conjunto com funcionários da EBC e representantes de várias entidades.

Estiveram presentes integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), do coletivo Intervozes, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal (SJPDF) e representantes parlamentares.  

Presidência               

Criada em 2008, a EBC tem estado no centro de um jogo de forças desde o início do processo de impeachment, quando o então presidente interino, Michel Temer, exonerou, em 17 de maio, o diretor-presidente da Empresa, Ricardo Melo. Ele havia sido nomeado pela presidenta Dilma Rousseff poucos dias antes.

A mudança provocou a reação de funcionários e diversos expoentes da opinião pública porque a lei de criação da Empresa estabelece a vigência do mandato por quatro anos,  determinando que os ocupantes só podem ser destituídos por decisão do Conselho Curador da EBC ou por razões legais. Além disso, o mandato do presidente não coincide com o mandato do chefe do Executivo federal, de forma a evitar ingerências indevidas nos veículos públicos. 

A disputa chegou à seara judicial e, em 1º de junho, o ministro do Supremo Dias Toffoli garantiu o retorno de Ricardo Melo ao cargo, com a expedição de uma liminar. “Essa decisão continua valendo até que o pleno do Superior Tribunal Federal (STF) julgue o caso, por isso fui surpreendido com a notícia da exoneração na madrugada de hoje, precisamente à 0h40min”, disse Melo em coletiva de imprensa concedida na tarde dessa sexta-feira (2).

Na manhã do mesmo dia ele ingressou com um novo mandado de segurança junto ao STF e, poucas horas depois, o governo voltou atrás da decisão, revogando o decreto que nomeava como novo diretor-presidente Laerte Rimoli, que é assessor direto do deputado afastado de Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Entre outras coisas, Rimoli atuou na campanha do tucano Aécio Neves (MG) e coordenou a comunicação da Câmara Federal na gestão de Cunha. 

Assim, Melo retornou ao cargo no final da tarde. Informações extraoficiais dão conta de que a anulação do decreto ocorreu porque teria desagradado o STF, já que infringia a decisão de um ministro do Supremo. 

“Sou um defensor da democracia e do Estado democrático de direito e por isso acho que precisamos abrir essa discussão para a sociedade, para que as pessoas entendam a importância da EBC. (...) Não estou aqui defendendo o meu mandato, e sim a comunicação pública. Se a sociedade não comprar essa bandeira, não adianta”, afirmou.

Na ocasião, Melo também rechaçou as críticas de que haveria controle político na Empresa. “Quem parece querer aparelhar a EBC é o novo governo, que implantou mudanças justamente para concentrar tudo nas mãos do Poder Executivo, tirando inclusive o poder da sociedade”, rebateu, acrescentando que 94% dos funcionários da EBC são concursados. Em 2008, ano de criação da Empresa, esse contingente correspondia a 54%. 

Críticas

As novas medidas tomadas pelo governo Temer repercutiram entre entidades e movimentos organizados. Em nota publicada nesta sexta-feira (2), o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) repudiou as atitudes do governo e qualificou as medidas como um “ataque inaceitável contra a EBC”.  

“Trata-se de uma clara demonstração do caráter autoritário de um governo que violou a soberania popular e a Constituição para chegar ao poder e, por isso, não tem qualquer compromisso com o respeito às leis. Acabar com o instrumento de participação da sociedade na Empresa de Comunicação Pública – que era constituído por artistas, intelectuais e representantes do movimento social brasileiro – é uma violência e mostra que o governo golpista não pretende estabelecer qualquer diálogo com a sociedade. Aliás, em poucas horas, fica clara a prática de cerceamento à liberdade de expressão por parte da gestão Temer”, disse a entidade. A bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) no Senado também lançou nota de repúdio contra as decisões. 

Para o coordenador-geral do Sindicato dos Jornalistas do DF, Jonas Valente, o momento pede uma aglutinação dos profissionais da área em torno do ideal comum de defender a comunicação pública, independentemente de divergências políticas. 

“Isso não significa defender partido ou gestão. Aliás, muito pelo contrário: a independência dos trabalhadores sempre foi reivindicada, inclusive quando se criticavam gestões anteriores, e deve continuar sendo assim, independentemente de qual foi o ataque e de qual é o governo. Neste momento, a unidade dos profissionais passa pelo combate intransigente a essa medida provisória, pelo resgate do caráter público da EBC e pela sua melhoria. Os trabalhadores têm que se engajar nessa luta”, disse o dirigente.

Reação parlamentar

 A troca de comando da EBC e as alterações na estrutura da Empresa tiveram ressonância também entre parlamentares da oposição no Congresso. O deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ), que é coordenador da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom), disse que “a destruição da EBC é um novo ataque à democracia, à liberdade de expressão e à  comunicação pública”. Ele informou que a Frentecom vai se reunir para traçar estratégicas de combate às novas medidas do governo Temer.

Presente no ato realizado em Brasília na tarde desta sexta-feira (2), a deputada Erika Kokay, que também integra a Frentecom, classificou as alterações como “um pagamento de contas”.

“É o governo golpista devolvendo com pedaços do Estado e da nossa democracia o empenho dos vários segmentos que o ajudaram a derrubar a Constituição pra construir este golpe que estamos vivendo, construído nos subterrâneos da república e da democracia. Para a grande mídia, por exemplo, não interessa uma comunicação pública também, então, atacar a EBC é estratégico”, analisou a deputada.

O governo

O Brasil de Fato procurou a assessoria de imprensa da Presidência da República e da Casa Civil para tratar das críticas às novas medidas relacionadas à EBC, mas o governo informou que não iria se manifestar.

A Medida Provisória 744 e os decretos que alteram a estrutura da EBC foram assinados pelo presidente da República em exercício, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele ocupa o cargo até a próxima semana porque Michel Temer está em viagem à China para participar do encontro dos países-membros do G-20.

A EBC 

Criada em 2008 pela Lei nº 11.652, a Empresa Brasil de Comunicação foi instituída como forma de regulamentar e estabelecer o sistema público de comunicação no Brasil, em sintonia com os ditames da Constituição Federal, que garante o direito à comunicação. 

Com uma atuação tentacular, a Empresa é a cabeça de uma rede de 23 emissoras públicas espalhadas pelo Brasil, incluindo a TV Brasil, a Radioagência Nacional, a Nacional de Brasília AM e a rádio MEC AM do Rio de Janeiro. Além disso, articula mais de 40 emissoras parceiras, além de portais de notícias cuja audiência média é de 3,8 milhões de usuários.  

A TV Brasil, por exemplo, tem 32 milhões de telespectadores e é a maior exibidora de programação infantil e cinema nacional da TV aberta. A emissora traz programação de todas as regiões brasileiras e produz conteúdos que abordam as mais diferentes temáticas, incluindo direitos indígenas, LGBTTs, direitos dos jovens, etc.  

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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