Nesta sexta-feira (10), o vice-presidente para a Economia da Venezuela, Tareck El Aisami, anunciou a reabertura da fronteira terrestre com o Brasil. O passo fronteiriço entre a cidade brasileira de Pacaraima (Roraima) e o município venezuelano de Santa Elena de Uairén (Bolívar) estava fechado desde 23 de fevereiro, quando o governo brasileiro tentou forçar a entrada de dois caminhões com 200 toneladas de suposta ajuda humanitária.
Os principais organismos de cooperação internacional, Nações Unidas e Cruz Vermelha, além de não respaldar a ação, condenaram o uso político da ajuda humanitária.
“Ingressar à força qualquer tipo de material humanitário, desde o ponto de vista do direito internacional, isso poderia ser considerado um ato de agressão, que logramos evitar”, avaliou o vice-ministro de Relações Exteriores para América Latina, Alexander Yánez.
Ajuda humanitária
Antes e depois do episódio do dia 23 de fevereiro, o Poder Executivo venezuelano tem trabalhado para ampliar a cooperação com diversos países para enfrentar a crise econômica induzida.
Por isso, ainda no dia 15 de fevereiro, Rússia, China e Cuba enviaram um carregamento de 933 toneladas de medicamentos à Venezuela. Já em março, a Cruz Vermelha duplicou seu orçamento para projetos no território venezuelano, chegando a US$ 19 milhões e 2500 colaboradores; e em 16 de abril, enviou 14 geradores elétricos para hospitais públicos venezuelanos e kits médicos para 10 mil cidadãos.
Na semana passada, uma equipe da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) assinou um acordo de cooperação técnica com o governo venezuelano para a produção de sementes agroecológicas. Isso, após visitar os depósitos dos alimentos distribuídos pelo sistema CLAP (Comitê Local de Abastecimento e Produção).
Grupo de Trabalho com Brasil
Apenas quatro dias após o fechamento da fronteira, em 29 de fevereiro, autoridades venezuelanas, como o ministro de Assuntos Sociais, Aristóbulo Istúriz, participaram de uma reunião com o governador de Roraima, Antonio Denarium (PSL), para tentar reabrir a ponte. Mais tarde, foram realizados novos encontros na embaixada venezuelana, em Brasília, com a presença de deputados, senadores, banqueiros e empresários do setor de telecomunicações.
Esses esforços deram origem a um grupo de trabalho bilateral, no final de abril. A visita do senador Telmário Mota (PROS-RR) à Caracas para reunir-se com o presidente Nicolás Maduro e o ministro de Relações Exteriores Jorge Arreaza, demarcou a disposição de parte dos parlamentares brasileiros na normalização das relações.
Relação comercial Brasil e Venezuela
Esse interesse é diretamente motivado pela relação econômica entre as duas nações. Segundo dados do Ministério de Indústria e Comércio, em 2018, o Brasil exportou US$ 576,9 milhões em produtos para a Venezuela, correspondendo a um aumento de 22,84% em relação ao período anterior. O superávit no mesmo ano foi de US$ 406 milhões na balança comercial a favor do Brasil.
Nos primeiros meses de 2019, houve uma queda de 48% no volume de exportações brasileiras para o país vizinho, e o superávit, comparado ao mesmo período no ano anterior, foi de US$ 54,8 milhões.
Outro aspecto da relação entre os dois países é a questão energética. Cerca de 80% do estado de Roraima é abastecido pelo sistema de eletricidade venezuelano e foi afetado pelos apagões que assolaram o país, durante o mês de março.
Cinco usinas termelétricas foram acionadas para garantir o abastecimento de energia elétrica em Roraima, depois de a Venezuela ter interrompido o fornecimento de energia ao estado. Aproximadamente 1 milhão de litros de óleo diesel são gastos por dia para manter o fornecimento no estado.
As autoridades venezuelanas reconhecem a importância do intercâmbio entre o norte de Brasil e o sul da Venezuela. No entanto, destacam que a conveniência é mútua. “Fala-se de uma crise humanitária na Venezuela, mas o fechamento da fronteira terrestre com Brasil gerou uma depressão da economia do norte de Roraima. O que diz muito sobre a capacidade aquisitiva do povo venezuelano. A medida afeta as duas nações, por isso essa decisão do governo venezuelano beneficia fundamentalmente o povo”, destaca o vice-ministro Yánez.
Apesar da pressão de alguns parlamentares, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) insistia em manter uma postura hostil à retomada da diplomacia.
“A participação do governo central brasileiro nessas negociações foi praticamente inexistente. Inclusive, houve denúncias daqueles que representavam o Brasil nas nossas reuniões de que haviam recebido ligações de assessores da presidência desestimulando a participação nas mesas de trabalho”, denuncia o vice-ministro.
Desde o anúncio da reabertura da fronteira, a administração de Nicolás Maduro destaca que procurará manter laços diplomáticos respeitosos com o governo Bolsonaro, apesar das diferenças políticas e ideológicas, mas reafirma que o fortalecimento da relação bilateral depende muito mais do Estado brasileiro.
“Se o governo do Brasil tem disposição de respeitar os princípios fundamentais do direito internacional, nossa soberania, a paz pode ser reconstituída uma relação ganhar-ganhar. Nós queremos ser otimistas, esperamos que o governo brasileiro revise sua postura, dado que Venezuela, por seu potencial energético também é importante para o seu país. Mas faremos valer nossos direitos, exigiremos respeito à nossa soberania e ao governo constitucional do presidente Nicolás Maduro”, finaliza o diplomata Alexander Yánez.
Edição: Rodrigo Chagas