Coluna

O caminhoneiro boêmio

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Levava sempre nas viagens um violão, que dedilhava todas as noites acompanhando a cantoria dos companheiros nos postos de gasolina.
Levava sempre nas viagens um violão, que dedilhava todas as noites acompanhando a cantoria dos companheiros nos postos de gasolina. - Pixabay
Um caminhoneiro alegre era o Tonhão

Um caminhoneiro alegre era o Tonhão. Levava sempre nas viagens um violão, que dedilhava todas as noites acompanhando a cantoria dos companheiros nos postos de gasolina das estradas onde pernoitavam.

Todo mundo gostava dele. Mas quando chegava em casa, numa pequena cidade do interior paulista, era um tédio.

Gostava de ficar com a família, adorava a mulher, mas quando a noite chegava, o programa era ficar vendo televisão.

Às nove da noite, as ruas ficavam vazias, só uns poucos boêmios ficavam fora de casa, e nem era nas ruas, era em bares, bebendo, cantando, declamando poesia...

O Tonhão gostava da companhia deles, mas a mulher chiava, dizia que ele estava no mal caminho, bebia e ficava até tarde na farra.

Os tais boêmios gostavam quando ele chegava das suas viagens, e logo a mulher ficava insistindo para não chegar tarde em casa.

Mas ele ia a um bar, se embalava na música e na cerveja e chegava lá pela meia-noite. A mulher estava dormindo, mas no dia seguinte era uma briga danada.

Uma vez, pouco antes do Natal, fazia uma semana que estava em casa, com a mulher controlando suas saídas, e num final de tarde, ela viu o Tonhão conversando com um daqueles boêmios.

A mulher ficou ruminando, prevendo o que ia acontecer.

Depois de jantar, o Tonhão falou que ia dar só uma voltinha na praça e voltar logo, e ela foi logo avisando:

⸺ Se for pra chegar em casa de madrugada, nem precisa voltar. Pode ir embora.

Ele saiu determinado a voltar cedo, sem beber nada. Mas na praça encontrou o Zico, apreciador e cantor das músicas de Nelson Gonçalves e Lupicínio Rodrigues.

Ele acabou topando acompanhar o amigo “só numa música”, e tomar “só um copo” de cerveja.

Animou... Veio mais uma música, mais uma cerveja... e mais uma, e mais uma... Quando viu era quase uma hora da manhã.

Foi embora preocupado, e à uma hora em ponto entrou em casa devagarinho, silencioso pra não acordar a mulher. Tirou a roupa, deitou ao lado dela e dormiu.

De manhãzinha, sentiu um chacoalhão. Abriu os olhos e viu a mulher furiosa, perguntando:

⸺ Que hora você chegou?

⸺ Dez horas ⸺ ele respondeu, sabendo que a mulher dormia bem antes.

Ela gritou mais brava:

⸺ Mentiroso! Pensa que eu não ouvi? Quando você entrou o relógio da igreja estava batendo uma hora! Uma hora, ouviu

Ele disse calmamente:

⸺ Uai... O que é que você queria? Que ele batesse o zero também?
 

Edição: Michele Carvalho