Minas Gerais

MACHISMO

O país da violência doméstica

Por que o Brasil ainda é um lugar tão violento para as mulheres?

Brasília |
O horizonte da política atual não aponta para a emancipação das mulheres para quebrar o ciclo de violência
O horizonte da política atual não aponta para a emancipação das mulheres para quebrar o ciclo de violência - Tomaz Silva / Agência Brasil

Na semana em que se observa o Dia Internacional de Combate à Violência contra as Mulheres, celebrado no dia 25 de novembro, a trajetória desse problema segue alarmante no Brasil. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o total de mulheres vítimas de feminicídio foi de 1.206 apenas em 2018. O levantamento, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), aponta que quase 60% das mulheres assassinadas tinham entre 20 e 39 anos. Entre as vítimas, 61% são mulheres negras e 70,7% tinham até o ensino fundamental de escolaridade. Em 88,8% dos casos, o autor foi o companheiro ou ex-companheiro.

A cada hora, são registrados 536 casos de agressão física a mulheres no Brasil. O número de mulheres que sofreram espancamento chega 1,6 milhão. Todos esses dados, divulgados no início do ano pelo Instituto Datafolha, a pedido do FBSP, remetem à violência doméstica, já que 76,4% das mulheres conheciam o autor e a maior parte aconteceu dentro de casa. Essa assustadora estatística tem se mantido nos mesmos patamares ao longo da última década, apesar dos avanços na legislação, como a aprovação de da Lei Maria da Penha, em 2006. E o que explica o Brasil ser um lugar tão violento para as mulheres é justamente a cultura da violência doméstica e familiar.

"O Brasil é um país onde a violência doméstica ainda é muito presente. Apesar de todos os esforços que a gente teve no período democrático, pós-ditadura militar, na ideia de igualdade entre homens e mulheres, [a violência] ainda é uma realidade muito presente nos lares. Por muito tempo prevaleceu a ideia de que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher, que o Estado não tinha o que intervir, que era um assunto privado, que não era algo de políticas públicas", afirma Priscilla Brito, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFemea).

Segundo ela, a construção desse entendimento ainda é recente e o país ainda não consolidou uma rede permanente de assistência e atendimento de mulheres vítimas da violência. "Na concepção da Lei Maria da Penha, todo o marco legal que a gente construiu em torno da violência, era que fosse um problema que demandasse uma política pública permanente, que tivesse uma rede de acolhimento, que as delegacias das mulheres tivessem diálogo em sintonia com o trabalho feito pela assistência social, pelas casas abrigo, com o próprio serviço médico. Uma política complexa para lidar com um problema complexo. Essa ideia simplista de que mudando a legislação você muda a realidade é um entrave hoje", explica.

Retrocesso

Com a descontinuidade do atual governo federal na elaboração e monitoramento dos planos de políticas para as mulheres, além da drástica redução do orçamento previsto para essas políticas, o país corre o risco de retroceder na agenda de enfrentamento à violência contra a mulher. Priscilla Brito teme, por exemplo, o avanço de pautas meramente punitivistas e que podem criar um ambiente de criminalização das próprias mulheres.

"No Congresso Nacional, tem sido de menos política pública e mais legislação punitiva, inclusive contra as mulheres. Tem vários projetos no sentido de punir a mulher que mente ou que é interpretado como se ela tivesse mentindo, punir a mulher que apresenta denúncia falsa de violência sexual", revela.

Para a assessora técnica do CFemea, o horizonte da política atual não aponta um processo de emancipação das mulheres, que quebre o ciclo de violência. "É uma perspectiva mais voltada para a segurança pública, para o armamento e para o Judiciário, e menos para a construção da autonomia das mulheres, com políticas públicas adequadas. A política tem que apoiar as mulheres para que elas conquistem autonomia, autonomia econômica, autonomia para romper com o ciclo de violência, que ele não se perpetue", completa.

A falta de dados e estatísticas padronizadas também inviabiliza um planejamento de política pública. Além do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que faz um corte de violência contra as mulheres, mas não é específico, se soma aos dados do Disque 180, canal do governo federal para receber denúncias de violência contra as mulheres. Em 2018, por exemplo, foram mais de 92 mil ligações para a central de atendimento à mulher. Não há uma análise mais detalhada dos números, a não ser uma classificação por tipo e origem das denúncias. Além disso, as secretarias de segurança dos estados padronizam de forma diferente os dados relacionados à violência contra a mulher.

"Falta uma padronização do recolhimento desses dados, com informações sobre identificação racial e de classe dessas vítimas. Isso poderia auxiliar no planejamento para prevenção da violência. O homicídio é a última etapa dessa violência, ocorre depois que essa mulher já sofreu outras violências", afirma Priscilla Brito, do CFemea.

Edição: Elis Almeida