Contaminação

Barcarena: atingidos por mineradora terão acesso a resultados de exames toxicológicos

Justiça determinou entrega de exames em 48 horas. "Eles sabem que todo mundo está contaminado", afirma moradora

Brasil de Fato | Belém (PA) |

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O vazamento de rejeitos de bauxita ocorreu em 18 de fevereiro de 2018, após fortes chuvas na região - Pedrosa Neto/Amazônia Real

Em fevereiro deste ano, o vazamento da bacia de rejeitos tóxicos da mineradora norueguesa Hydro Alunorte, em Barcarena, no nordeste do Estado do Pará, completa dois anos. 

A população atingida pela contaminação das comunidades e rios da região ganhou, na Justiça, o direito de acessar os exames realizados nos moradores para detecção de metais pesados. Em julho de 2018, foram coletadas 315 amostras de sangue e fios de cabelo pelo Laboratório Central de Saúde Pública do Pará (Lacen), vinculado à Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa).

O juiz Raimundo Rodrigues Santana, da 5ª Vara da Fazenda Pública e Tutelas Coletivas, atendeu a um pedido antigo da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), motivado pelas rasuras e pela ilegibilidade dos resultados entregues à população comunidades de Jardim Cabano, Burajuba, Vila do Conde, Vila Nova, Itupanema, Bom Futuro e Murucupi.

Para Angela Vieira, moradora do município de Barcarena e uma das atingidas pelo transbordo da bacia de rejeito em fevereiro de 2018, a Hydro Alunorte junto com o Governo do Estado tentam encobrir os resultados dos exames que comprovam, não apenas, o transbordo de fevereiro de 2018 -- negado inicialmente pela mineradora -- como também a recorrência dos crimes ambientais no município.

::Secretaria do Meio Ambiente no Pará omite denúncias contra mineradora Hydro Alunorte::

"Não querem arcar com o que eles fizeram"

"Eles sabem que todo mundo está contaminado. Deu altíssimo o grau de contaminação nas pessoas. Todos que fizeram e que já chegaram a receber os exames. Inclusive, a doutora que entregou os exames disse que eles tinham que passar por tratamento. Eles sabem que deu contaminação, que estão contaminadas todas as pessoas que fizeram. Eles não querem arcar com o que eles fizeram dentro das comunidades."

Vieira alimenta a expectativa de que essa decisão judicial seja um apenas primeiro passo para que toda a comunidade atingida faça exames para constatar a contaminação por metais pesados. Ela explica que, mesmo sem o exame, é possível ver os impactos da mineração na vida das pessoas, seja por meio de doenças ou da pobreza que se instala no município.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 46,4% da população de Barcarena vive com até meio salário mínimo e a maioria tinha no rio Murucupi -- e outros na região, também afetados pela mineração -- sua principal fonte de alimentos e de renda.

"Nós somos pobres e eles são ricos. O que fala mais alto é o dinheiro. Eles fizeram, eles têm que pagar pelo que eles fizeram, porque todo mundo aqui era bom de saúde e hoje vive nessa situação, contaminado."

Para Samuel Amorim, membro do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), a negligência na entrega dos exames é, apenas, mais um fato que comprova a responsabilidade da empresa pelos danos causados aos moradores do município. Ele confirma que os poucos resultados que foram entregues constataram alto nível de metais, tanto nos exames de sangue, quanto nos de cabelo.

A ação movida pela Cainquiama cita também o descumprimento plano de orientação e atendimento aos pacientes com alterações comprovadas pelos exames, que teria sido pauta de reunião entre a Sespa e a prefeitura de Barcarena.

Eles têm que pagar pelo que eles fizeram, porque todo mundo aqui era bom de saúde e hoje vive nessa situação, contaminado.

A associação pede ainda que seja assegurada a presença de profissional capacitado para a entrega dos resultados. A comunidade denuncia que os exames teriam sido entregues aos pacientes por uma médica ginecologista contratada pela  Hydro Alunorte. 

"Como pode uma ginecologista estar entregando um exame que era para um médico especialista nesse assunto para falar sobre essa questão de poluição, de contaminação em si. Era o que estava acontecendo, devido a algumas reclamações das comunidades, das lideranças é por isso que foi embargada a entrega dos exames", questiona Amorim.

A Hydro Alunorte nega que contratou profissionais da área médica para a entrega dos referidos exames e disse que não tem relação com o processo.

Consultado pelo Brasil de Fato, o governo do Estado do Pará não se posicionou sobre as denúncias da população atingida.

Edição: Rodrigo Chagas