Nova Delhi, na Índia, é a capital com o ar mais poluído do mundo. Por aqui, costuma-se dizer que passar um dia na cidade é tão tóxico quanto fumar 50 cigarros. O cálculo é baseado na quantidade de Material Particulado 2,5 (PM 2,5) na atmosfera, que chega a superar em 40 vezes o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em todo o país, a poluição atmosférica é responsável por cerca de 2 milhões de mortes precoces por ano.
O PM 2,5 é composto por partículas sólidas e líquidas muito finas, resultado do acúmulo de poeira, de fumaça de incêndios ou da queima de combustíveis fósseis.
A ideia dos “50 cigarros” está no imaginário popular há pelo menos dois anos e resulta de dados do Índice de Qualidade do Ar (AQI), que mede a quantidade de PM 2,5. A contagem vai de 0 a 500 pontos – a partir de 301, o quadro é considerado “perigoso”.
Nos dias de maior poluição da história de Nova Delhi, em novembro de 2017, os marcadores superaram os 1000 pontos, atingindo um nível de insalubridade sequer cogitado pelas agências internacionais que utilizam o AQI como referência.
Especialistas apontam que existe, de fato, equivalência entre os números. Membro do Fórum de Ciências de Nova Delhi, o pesquisador D. Raghunandan ressalta que os danos causados pelo material particulado são similares aos do cigarro de nicotina.
“Aqui temos doenças respiratórias frequentes, aumento nos casos de asma… os sintomas são quase iguais”, compara. “Os vasos sanguíneos que chegam ao coração têm mais chance de entupir se você fuma, e a mesma coisa acontece se você inspira PM o dia todo. Há evidências científicas disso”.
O início do inverno, entre outubro e novembro, é a época em que a poluição atinge os piores níveis, porque a intensidade dos ventos diminui e as emissões industriais, e o uso de calefação se tornam mais frequentes. Com menos vento, o material particulado desce muito próximo do chão, tornando-se ainda mais visível a olho nu.
Outras causas da poluição são a incineração de lixo, o uso de aerossóis e a poeira da construção civil.
Neste momento, a estação fria está chegando ao fim. Com isso, a poluição atmosférica diminui e se torna equivalente a 15 ou 20 cigarros por dia.
Os vilões
Os 20 milhões de carros que circulam diariamente em Nova Delhi são responsáveis por cerca de 40% da poluição atmosférica da região. Raghunandan lembra que a cidade fica próxima ao deserto do Rajastão, por isso há muita poeira nas ruas, o que agrava o problema. A cadeia de montanhas do Himalaia, ao norte, também dificulta a dispersão do material particulado.
A solução, para o pesquisador, seria aprimorar o transporte público, que hoje é 100% movido à eletricidade ou gás natural e, por isso, menos poluente. “Estima-se que hoje em Delhi há 40 mil ônibus nas ruas, mas urbanistas dizem que seriam necessários 55 mil. Então, precisamos de mais 15 mil”, observa.
O metrô da cidade transporta cerca de 4 milhões de passageiros por dia e costuma estar lotado. Os famosos tuk-tuks, triciclos com capacidade para três passageiros, são mais de um milhão e não utilizam combustíveis fósseis. Quanto às bicicletas, 11% dos moradores dizem pedalar diariamente, segundo o último censo – a cidade praticamente não tem calçadas é considerada uma das mais hostis do mundo para pedestres e ciclistas.
Raghunandan afirma que, por muito tempo, os agricultores que vivem ao norte foram considerados culpados pela poluição em Nova Delhi, porque costumam queimar a palha que sobra da colheita de arroz para preparar o solo para o cultivo de trigo justamente entre novembro e janeiro.
Porém, quando começa a plantação de trigo, em janeiro, os níveis de poluição continuam a aumentar, o que demonstra que esse não é o principal motivo da poluição atmosférica.
Paliativos
Enquanto o carro continua sendo o meio de transporte preferencial na cidade, o mercado oferece alternativas. Hoje existem bares em Nova Delhi que permitem que o cliente escolha uma essência e passem alguns minutos respirando ar purificado e aromatizado. Quinze minutos custam em média o equivalente a R$ 25,00.
Arti Kumari, atendente do bar Oxy Gym, na região sul da cidade, explica que não se trata de oxigênio medicinal, mas de uma aromaterapia: “Quem tem algum tipo de obstrução nasal, infecção ou dor de cabeça pode vir e relaxar por 15 minutos, escolhendo entre essências diferentes. A cidade está tão poluída que essa se tornou uma opção interessante”.
Para o membro do Fórum de Ciências de Nova Delhi, não são as máscaras nem os purificadores de ar que vão resolver o problema. “Não há como fugir da poluição. Se essas medidas são vistas como soluções, nada será feito para reduzir a poluição em si. Então, o que realmente precisamos fazer é pressionar o governo para aprimorar o transporte público”, reafirma Raghunandan.
O governo local autorizou a compra de mais cinco mil ônibus para este ano e alega que tem feito campanhas de conscientização, além de aprovar medidas para punir os maiores poluidores. Desde 1989, motoristas são obrigados a fazer uma checagem anual para comprovar que a emissão de poluentes está dentro dos limites recomendáveis. No final do ano passado, foi introduzido um rodízio para tentar reduzir o número de carros nos horários de pico, mas ainda não há como calcular os resultados dessa medida.
Edição: Leandro Melito