Enquanto o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), perde apoiadores dentro da base aliada do seu governo e vê cair sua popularidade diante da crise política acentuada pela pandemia do novo coronavírus, o coro em torno do lema "Fora, Bolsonaro" ocupa espaço nas casas da população brasileira e nas redes sociais.
Seguindo a linha das insatisfações populares demonstradas durante os panelaços, quase que diários no último mês, a avaliação da conduta do governo Bolsonaro é unitária entre os oposicionistas. Em relação às condições para um impeachment do presidente, no entanto, não.
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Dentro do grupo formado por Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), este último é o único que se posiciona frontalmente a favor do impeachment diante das condições políticas e jurídicas dadas.
De acordo com Juliano Medeiros, presidente do PSOL, há “diversos” crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro, inclusive crimes comuns, que poderiam servir de base para um processo de impeachment, a começar pelos crimes cometidos contra a saúde pública, durante a epidemia da covid-19. Do ponto de vista político, no entanto, o apoio na sociedade e no Congresso Nacional é escasso. Ainda assim, o partido defende a abertura do processo.
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Diferente é o que defende Luciana Santos, presidenta do PCdoB. Para ela, a análise do ambiente político é predominante na decisão de apoiar ou não um impeachment. Ela reconhece a posição do PSOL de que o capitão reformado precisa ser interditado, mas avalia que o impeachment é inexequível na atual conjuntura.
Para Santos, Bolsonaro é um "outsider" dentro do próprio governo: “As próprias contradições que existem na base política: institucionalmente, o papel das Forças Armadas no governo mostram que é evidente que há contradição ali. O Braga Netto [ministro da Casa Civil] é, na prática, quem tem feito a parte gerencial”, afirma a presidenta do PCdoB.
Na mesma linha, Carlos Siqueira, presidente do PSB, concorda que não há condições para um impeachment agora, “porque impeachment no Brasil, e eu creio que no mundo inteiro, vem da rua para o parlamento e não o inverso". "Enquanto isso for apenas da cabeça de políticos, não acontece”, estima.
Siqueira entende que as condições são essencialmente “políticas”, sobrepondo-se às jurídicas. Ele cita o impedimento de Fernando Collor, no final de 1992, e que foi absolvido das acusações anos depois pelo Supremo Tribunal Federal, e de Dilma Rousseff, em agosto de 2016.
“Um impeachment é um instrumento político para destituição do presidente quando ele perde, por completo, a legitimidade. Claro que sempre se usa o argumento jurídico, porque há previsão [legal]. Mas o impeachment é um instrumento político com base jurídica, e essas condições lamentavelmente não existem e dificilmente existirá nos próprios meses em função do que vive toda a humanidade.”
Oportunidade
Somando-se ao PSB e PCdoB, Gleisi Hoffmann, dirigente do Partido dos Trabalhadores, afirma que “impeachment não é factível”. Para ela, o Brasil precisa de uma solução mais rápida e eficaz para a crise causada pela pandemia, por exemplo. “Não temos nada contra a palavra, não brigamos com ela, mas por enquanto nós mantivemos uma cautela até para não misturarmos a questão da crise política com a questão da crise do coronavírus.”
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Em uma coletiva de imprensa no início de abril, Lula afirmou que é necessário provar legalmente que existe crime de responsabilidade. “Eu não quero ser irresponsável como eles foram com a Dilma, sem crime de responsabilidade. Mas provando que ele tem [crimes,] nós precisamos afirmar corretamente qual é o crime que ele cometeu, porque nem tudo que eu acho que é crime é crime do ponto de vista jurídico.”
Juliano Medeiros têm conhecimento das posições adotadas por seus colegas de oposição, mas acredita que é um erro questionar a viabilidade do impeachment agora em decorrência da pandemia de covid-19. “É importante, sim, defender a vida e combater a epidemia. Esse raciocínio de alguns setores da oposição pode nos levar a uma paralisia. Em outras palavras, pode nos levar a perder a oportunidade de derrotar Bolsonaro, porque nós estamos tão comprometidos com o combate à epidemia e seus impactos que a gente abandona a nossa prerrogativa de fazer política contra o governo.”
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O que pensam juristas sobre um possível impeachment?
Se há crimes de responsabilidade, por que o Congresso Nacional pode recusar e arquivar denúncias? Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), explica que o crime de responsabilidade é o que ele chama de “híbrido”, uma vez que é jurídico e político ao mesmo tempo. Isso significa que o parlamento pode escolher livremente o que é crime de responsabilidade? Não, responde Serrano, que exemplifica.
Se um promotor, por exemplo, observa um sujeito cometendo um crime, ele é obrigado a oferecer a denúncia. Se o juiz conclui que um sujeito cometeu um crime, é obrigado a condenar, ou seja, não há outra opção. “Agora no parlamento é político porque há a opção, mesmo havendo crime de responsabilidade, caracterizado na Constituição e na lei, o parlamento pode deixar de aplicar a sanção de improbidade por uma razão de conveniência e oportunidade, ou seja, uma razão estritamente política.”
Para explicar seu ponto de vista, Serrano invoca Ronald Dworkin: um pensador do Direito do século 20, para quem o impeachment, no presidencialismo democrático, é uma bomba atômica em uma guerra, ou seja, é utilizado em situação de absoluta emergência.
Segundo ele, a situação de emergência está dada. “Acho que essa postura de Bolsonaro na questão do coronavírus caracteriza o crime de responsabilidade, uma vez que há um atentado à Constituição na medida em que ele põe em risco a vida e saúde das pessoas segundo uma opinião ultra majoritária no ambiente científico”, afirma Serrano.
Acho que essa postura de Bolsonaro na questão do coronavírus caracteriza o crime de responsabilidade. Ele põe em risco a vida e saúde das pessoas segundo uma opinião ultra majoritária no ambiente científico.
Há um atentado à Constituição, explica Serrano, quando Bolsonaro vai na contramão das orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do próprio Ministério da Saúde, como o isolamento social. “Ao não adotar, ele coloca em risco a vida das pessoas e a saúde por conta de uma pretensão política de poder, o que é algo muito grave, um interesse particularista se sobrepondo ao interesse público mais intenso que há que é a preservação da saúde e da vida”, afirma Serrano, para quem, por esta razão, há o elemento jurídico do crime de responsabilidade e, por isso, defende a abertura do processo.
Do outro lado, Gisele Cittadino, professora de História do Direito e de Teoria da Justiça, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o elemento político do impeachment é mais importante. Para ela, não há dúvida de que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade e que o Congresso Nacional tem todas as condições jurídicas para aceitar um pedido.
O cenário de pandemia, no entanto, se impõe, segundo Cittadino. “É o caso no meio de um drama como esse que o país vive, em que morrem centenas de pessoas, abrir um processo de impeachment contra o presidente da República? Isso não seria agravar ainda mais as condições do país? A oportunidade política me parece inconveniente”, afirma.
É o caso no meio de uma drama como esse que o país vive, em que morre centenas de pessoas, abrir um processo de impeachment contra o presidente da República? Isso não seria agravar ainda mais as condições do país?
Outro fator que Cittadino coloca, e que classifica como o mais grave, é a possibilidade de reforçar “uma tradição política brasileira que desrespeita a soberania popular”. Para ela, se o país não tivesse um histórico de impeachments a presidentes, “não veria problema algum”.
Todos os últimos presidentes foram acusados de crimes de responsabilidade: Collor teve 29 denúncias, somente um foi recebido e despachado. Itamar Franco, que substituiu o “Caçador de Marajás”, recebeu quatro processos, todos arquivados. Para Fernando Henrique Cardoso, foram 24, e Lula, 37, também arquivados. Das 48 denúncias contra Rousseff, somente uma foi aceita e deliberada. Contra Michel Temer, são 28.
“Seria um novo trauma na história política brasileira, ou seja, a gente admite os processos eleitorais, mas chega num determinado momento em que o sujeito perde apoio popular, e aí a gente vai e faz um processo de impeachment”, afirma Cittadino, para quem o país tem uma história política “profundamente autoritária e que não reconhece a soberania popular”. “Aqui a excepcionalidade adquire um caráter de normalidade”, conclui.
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Quais são as ações contra Jair Bolsonaro até o momento?
Em apenas uma semana, em março, três pedidos de impeachment foram protocolados contra o presidente na Câmara dos Deputados. Um deles foi feito pelo deputado federal, ex-aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Alexandre Frota (PSDB-SP).
Ele defende que foram pelo menos cinco crimes de responsabilidade: convocação para manifestação no dia 15 de março, configurando crime contra a segurança nacional, crime contra a administração pública, por proibir a participação do jornal Folha de S. Paulo de uma cobertura de um evento público e atacar as jornalistas Patrícia Campos Mello e Vera Magalhães, quebra do decoro do cargo e crime contra a saúde pública acentuado pela pandemia do novo coronavírus.
O pedido foi solicitado pelo deputado da Assembleia Legislativa do Distrito Federal, Leandro Grass (Rede). No documento, ele cita a convocação para manifestação no dia 15 de março, os ataques à jornalista Patrícia Campos Mello, quebra de decoro quando Bolsonaro divulgou em suas redes sociais o episódio do “golden shower” e a determinação da comemoração do golpe de 1964 às Forças Armadas.
Políticos do PSOL também entraram com um pedido de impeachment ao defenderem que Bolsonaro incorreu contra a Constituição ao incitar manifestações contra o Congresso Nacional e o STF e romper o isolamento social.
Em carta conjunta, Rede Sustentabilidade, Unidade Popular, Consulta Popular, PCB, PRC, PDT e PV declaram que estão estudando ações judiciais contra Bolsonaro e sua postura diante do combate ao Coronavírus, com o "intuito de salvaguardar vidas em nossa cidade, bem como mobilizando-nos em diversas ações de natureza política."
Os partidos ressaltam que a atitude do presidente incentiva a população a descumprir o confinamento, o que pode aumentar exponencialmente o número de infectados e de mortos e levar o sistema público de saúde ao colapso. De acordo com os diretórios, "o discurso criminoso e irresponsável do presidente custará vidas, principalmente dos mais pobres, vulneráveis e moradores das periferias."
Na sociedade civil, Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo passaram a defender a bandeira “Fora Bolsonaro”. Também em carta conjunta, os movimentos afirmam que tirar Bolsonaro da Presidência da República “é fundamental para enfrentar o coronavírus, salvar a vida dos brasileiros e pavimentar o caminho para superar as crises econômica, política e social”.
Edição: Rodrigo Chagas