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Em reunião, Bolsonaro confessa interferência na PF e intenção de "proteger a família"

Conteúdo é parte de processo contra o presidente no STF e foi tornado público pelo ministro Celso de Mello

Brasil de Fato | Brasília (DF) e São Paulo (SP) |

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Os militares têm ampliado gradativamente sua presença e seu apoio ao governo de Jair Bolsonaro - Fernando Frazão/Agencia Brasil

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) confessou, em reunião ministerial gravada no dia 22 de abril no Palácio do Planalto, a tentativa de interferência na Polícia Federal (PF) para não prejudicar sua família. O conteúdo é parte de um processo no Supremo Tribunal Federal (STF) e teve sigilo levantado na tarde desta sexta-feira (22), pelo ministro Celso de Mello.

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"A questão estratégica, que não estamos tendo. E me desculpe, o serviço de informações nosso, todos, é uma ... são uma vergonha, uma vergonha! Que eu não sou informado! E não dá pra trabalhar assim. Fica difícil. Por isso, vou interferir! E ponto final, pô! Não é ameaça, não é uma ... urna extrapolação da minha parte. É uma verdade", diz Bolsonaro em um trecho.

Em outra fala, o presidente detalha que as mudanças ilegais na PF são para proteger seus filhos. "É a putaria o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira."

::Leia na íntegra a transcrição da reunião ministerial::

Recados

Durante a reunião, ocorrida apenas dois dias antes de Sergio Moro anunciar sua demissão, Bolsonaro deu recados aos ministros: "Vocês não seriam ministro sem . .. sem eu ... duvido! Dificilmente alguém ia ser ministro se tivesse um Haddad aqui. Eu duvido!"

Ele se queixou de ministros que contribuem para a narrativa de que seu "ministério tá indo bem, apesar do presidente" . "Aqui eu já falei: perde o ministério quem for elogiado pela Folha ou pelo Globo!"

Segundo ele, nenhum de seus comandados pode receber elogios enquanto "o presidente leva porrada". "Vai pra puta que o pariu, porra! Eu que escalei o time, porra! Trocamos cinco. Espero trocar mais ninguém! Espero! Mas nós temos que, na linha do Weintraub, de forma mais educada um pouquinho, né? É ... de se preocupar com isso. Que os caras querem é a nossa hemorroida! É a nossa liberdade! Isso é uma verdade." 

Bolsonaro também relembrou à equipe suas prioridades. "Quem não aceitar a minha, as minhas bandeiras, Damares: família, Deus, Brasil, armamento, liberdade de expressão, livre mercado. Quem não aceitar isso, está no governo errado. Esperem pra vinte e dois, né? O seu Álvaro Dias. Espere o Alckmin. Espere o Haddad. Ou talvez o Lula, né? E vai ser feliz com eles, pô! No meu governo tá errado! É escancarar a questão do armamento aqui. Eu quero todo mundo armado! Que povo armado jamais será escravizado", disse o presidente.

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Ditadura fácil

O capitão reformado defendeu sua política armamentista ao considerar que "como é fácil impor uma ditadura no Brasil". "Como é fácil. O povo tá dentro de casa. Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme", afirmou.

Ele também minimizou a repercussão dada pela imprensa à sua participação em uma manifestação que pedia intervenção militar no Brasil, realizada em frente ao Quartel General do Exército, no dia 19 de abril. Ao comentar o caso, Bolsonaro chamou o quartel de "forte apache", e afirmou que o Ato Institucional 5 (AI-5) – o instrumento normativo mais severo da repressão da ditadura militar no Brasil – "não existe".

"Quando um coitado levanta uma placa de Al-5, que eu tô me lixando para aquilo, porque num .. . porque num existe AI-5. Não existe. Artigo um, quatro, dois: nós queremos cumprir o artigo um, quatro, dois, todo mundo quer cumprir o artigo 142 [, da Constituição, sobre a função das Forças Armadas]. E havendo necessidade, qualquer dos poderes, pode, né? Pedir as forças armadas que intervenham pra restabelecer a ordem no Brasil, naquele local sem problema nenhum."

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Baixo calão

Bolsonaro usou palavras de baixo calão para se referir a profissionais de imprensa e a antigos aliados de campanha. "A gente tá sendo pautado por esses pulhas, pô. O tempo todo jogando um contra o outro", disse o presidente após pedir que seus ministros não falem com a imprensa. "Tem que ignorar esses caras, cem porcento. Se não a gente não, não vai para frente."

Em outro trecho das gravações, o mandatário ataca os governadores de São Paulo, João Doria, e Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, antigos aliados que adotaram medidas de isolamento social em seus estados durante a pandemia do coronavírus. "O que esses caras fizeram com o vírus, esse bosta desse governador de São Paulo, esse estrume do Rio de Janeiro, entre outros, é exatamente isso. Aproveitaram o vírus."

"Então, pessoal, por favor, se preocupe que o de há mais importante, mais importante que a vida de cada um de vocês, que é a sua liberdade. Que homem preso não vale porra nenhuma", finalizou o presidente.

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O processo

Ao decidir por tornar público o conteúdo da reunião ministerial, o ministro Celso de Mello evocou "o postulado constitucional da publicidade como consequência natural do regime democrático".

“Não vislumbro, na gravação em causa, matéria que se possa validamente qualificar como sendo de segurança nacional nem constato ofensa ao direito à intimidade dos agentes públicos que participaram da reunião ministerial em questão, mesmo porque inexistente, quanto a tais agentes estatais, qualquer expectativa de intimidade, ainda mais se se considerar que se tratava de encontro para debater assuntos de interesse geral, na presença de inúmeros participantes”, escreveu o magistrado.

O processo que investiga se Bolsonaro fez interferências na Polícia Federal (PF) começou a partir de denúncias feitas pelo ex-ministro Sergio Moro.

Ao deixar o governo, em 24 de abril, o ex-juiz da Lava Jato declarou que o presidente insistiu, por diversas vezes, em nomear um comandante para a PF que fosse de confiança dele, para que ele pudesse ter acesso a inquéritos sigilosos. Bolsonaro nega.

:: Leia na íntegra o depoimento de Moro sobre suposta interferência de Bolsonaro na PF ::

Na ocasião, Moro também disse que o presidente o informou ter preocupação com investigações conduzidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Em 5 de maio, o ex-ministro prestou depoimento de quase 9 horas, no qual afirmou que Bolsonaro "relatou verbalmente no Palácio do Planalto que precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência".

Edição: Rodrigo Chagas