Via crucis

Governo dificulta concessão de auxílio emergencial, sem data para ser liberado

‘Gestão Bolsonaro não precisaria de PEC para conceder benefício’, aponta Rede Brasileira de Renda Básica

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Governo diz projetar o pagamento do dinheiro para este mês de março, mas ainda não há data específica para que se possa sacar a primeira parcela - Carolina Antunes/PR

Aguardado pela população mais vulnerável desde o início do ano, o auxílio emergencial ainda deve demorar dias ou semanas para chegar ao bolso dos trabalhadores que amargam os prejuízos da crise sanitária e econômica.

Após receber aval final do Senado nesta quinta (4), o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186, conhecida como PEC Emergencial, precisa ser analisado pela Câmara dos Deputados, que agendou a discussão da pauta para a próxima terça-feira (9) e a votação para quarta (10).

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Em caso de alterações na Câmara dos Deputados, a proposta precisa retornar ao Senado para nova avaliação, sendo promulgada somente na sequência, mas a via crucis dos que aguardam ansiosamente pelo auxílio não termina nesse ponto.

O governo Bolsonaro diz projetar o pagamento do dinheiro para este mês de março, mas ainda não há data específica para que se possa sacar a primeira parcela, pois o calendário também será definido por meio de uma Medida Provisória (MP). Esse último texto será o dispositivo que irá definir os valores, a quantidade de parcelas e a abrangência do benefício.

Governo cria embaraços

A leitura de diferentes organizações civis é de que o governo cria embaraços para atrasar o percurso político que precede o pagamento do benefício. 

O presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira, afirma que a gestão não precisaria se utilizar de uma PEC para liberar o benefício. “A solução encontrada pra pagar o auxílio que está na PEC é a de abertura de créditos extraordinários, e isso poderia ser feito independentemente de uma PEC neste momento, realça Ferreira.

Diferentes atores políticos e sociais apontam que a gestão Bolsonaro poderia ter assinado uma MP diretamente para tratar do tema. Competência privativa de presidente da República, a edição de medidas provisórias é prevista constitucionalmente para situações de relevância e urgência.

“O que eles procuraram fazer, e isso está claro, é introduzir [no texto da PEC 186] dispositivos que estão mais alinhados ao desejo do campo liberal no que se refere a gastos e despesas do Estado”, atribui Ferreira, ao lembrar as medidas de ajuste fiscal que acompanham a concessão do auxílio prevista na PEC 186.

A declaração do dirigente é uma referência ao conjunto de cortes previstos pelo governo Bolsonaro para a máquina pública como condição para o benefício. Mas as críticas das organizações civis não encerram por aí. O segmento também se queixa da proposta lançada pela gestão, que prevê quatro parcelas de R$ 250 entre os meses de março de junho.  

Elisa de Araújo, da ONG Conectas Direitos Humanos, uma das entidades da campanha “Renda Básica que Queremos”, sublinha que a ideia está aquém das necessidades da população.

“A gente avalia como tenebroso isso que o governo se propõe a fazer de uma rodada do auxílio com R$ 250 por quatro meses. Duzentos e cinquenta reais hoje não pagam nem metade do valor da cesta básica, que, pelo Brasil, está entre R$ 450 e R$ 650".

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Uma pesquisa Datafolha publicada em agosto de 2020 mostrou, por exemplo, que 53% dos recursos do auxílio de R$ 600 pago no período foram utilizados pelos trabalhadores para a aquisição de gêneros alimentícios.

O levantamento considerou beneficiários que receberam ao menos uma parcela. O público pesquisado também utilizou o dinheiro para pagamento de contas (25%), despesas domésticas (16%) e remédios (1%), entre outros itens.

Sobre a amplitude do benefício, por exemplo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem dito que pretende atender um número menor que o alcançado no ano passado. Enquanto em 2020 foram 68 milhões de beneficiários, agora o limite considerado seria de 40 milhões de pessoas.

Organizações sociais criticam a redução e também o período de quatro meses apontado pelo governo para esta segunda rodada do auxílio. Em 2020, as parcelas começaram no primeiro semestre e foram liberadas até dezembro, sendo reduzidas a R$ 300 na metade do caminho.

A argumentação da gestão é de que não seria financeiramente possível abrir o caixa do Estado para novas parcelas sem desidratar outros segmentos. 

A diminuição gerou ampla reação no ano passado e segue preocupando os especialistas em 2021. Cálculos da ONG Ação da Cidadania apontam, por exemplo, que o contingente de pessoas acometidas pela insegurança alimentar no país é de cerca de 10,3 milhões, dado considerado relevante para se medir a necessidade dessa população diante da crise socioeconômica.

 “A ausência do auxílio coloca muita gente na fome. Sabemos que em quatro meses a população não vai estar vacinada. Só iremos sair da crise aguda, tanto sanitária quanto econômica, quando se tiver pelo menos 70% da população vacinados. Em quatro meses, na melhor das hipóteses, a gente vai ter vacinado apenas os grupos prioritários”, argumenta Elisa de Araújo.

Edição: Poliana Dallabrida