Reparação

Senado pode votar política para pessoas atingidas por barragens nesta terça (7); entenda o que está em jogo

Apesar de Brasil não ter nenhuma legislação sobre o tema, tramitação se arrasta no Congresso desde 2019

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Moradores observam mar de lama que tomou conta de Brumadinho (MG) em 2019, sirenes de alerta da Vale não tocaram e mais de 270 pessoas morreram - ©Douglas Magno / AFP

A Comissão de Infraestrutura do Senado deve votar, nesta terça-feira (7), o projeto de lei que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB). O texto está parado na Comissão desde abril do ano passado e sua aprovação tem potencial de reverter um cenário temeroso: a falta completa de legislação sobre o tema. 

No PL 2788 estão contemplados os direitos das famílias atingidas e as responsabilidades das empresas. Atualmente, a legislação brasileira nem sequer define o conceito de pessoas atingidas por barragens. Não há diretrizes para a definição de direitos em casos de rompimentos ou outros desastres e acidentes e nem regras para coibir abusos. 

"Infelizmente, hoje, no Brasil e no mundo, a cada novo desastre causado por uma grande empresa da mineração, assim como a cada nova hidrelétrica que se construiu, os atingidos são obrigados a se organizar em movimentos populares e conquistar, naquele caso concreto, o reconhecimento de quem vai ter algum direito e quais serão os tipos de indenização ou reparação que eles vão ter em cada caso, em cada situação, em cada estado, em cada cidade", alerta o advogado popular, Leandro Scalabrin, membro do Coletivo Nacional de Direitos Humanos do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

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Scalabrin diz que a única legislação existente na história prevê políticas e compensação apenas para proprietários de terra e data da década de 1940. Os danos ao meio ambiente, às comunidades tradicionais e aos trabalhadores e trabalhadoras não estão contemplados. Ele também destaca que o Brasil não possui um órgão governamental responsável por essa questão. 

"Nós não temos nada e é isso que a legislação vem enfrentar", afirma ele. "Além de não termos um conceito e de não estarem previstos quais são os direitos que essas pessoas têm, também não temos um órgão de governo responsável. Esse trio é o que marca a destruição do nosso povo atingido", completa.” 

Histórico 

O PL foi apresentado em 2019 como uma resposta aos desastres de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. Os dois casos entraram para a história como as maiores tragédias socioambientais do Brasil e expuseram falhas nas garantias de segurança por parte das empresas da mineração.  

Em novembro de 2015, a barragem do Fundão rompeu no Complexo Industrial de Germano, município de Mariana. O empreendimento era gerido pela empresa de mineração Samarco, controlada pela Vale e pela australiana BHP Billiton. 

Uma avalanche imediata de cerca de 40 milhões de metros cúbicos atingiu rios, córregos, destruiu a vegetação e arrastou construções. Segundo o Ibama, mais de 11 mil pessoas foram prejudicadas e milhares de processos por indenização foram abertos.  

Pouco mais de três anos depois, em janeiro de 2019, ocorreu o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, gerenciada pela Vale. Nenhum sinal de alerta foi acionado e 276 pessoas morreram soterradas, a maior parte trabalhadores da empresa.  

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Um volume de 11,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos e lama destruiu grande parte da vegetação local e matou diversos animais. A avalanche atingiu o rio Paraopeba, afluente do São Francisco, tornou a água imprópria para consumo das comunidades, matou peixes e sufocou a flora local. 

Ainda que os dois maiores desastres ambientais do país tenham causado centenas de mortes, destruído biomas e impossibilitado modos de vida passados há gerações, a tramitação da legislação se arrasta há quase quatro anos. 

Leandro Scalabrin afirma que a falta de leis sobre o tema abre espaço para a negligência. "Justamente por não ter uma lei acontecem essas violações. Essa omissão gera um padrão de violações de direitos humanos causadas por essas empresas."

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Ele aponta também o desequilíbrio de forças entre as grandes corporações e as comunidades. "Existe uma assimetria. Nós estamos falando de Davi lutando contra Golias", alerta. 

"Enquanto os atingidos não têm lei e não têm órgão de governo que os defenda, as empresas têm agências nacionais que regulam seus direitos, participam de licitações e usufruem de contratos de concessão por 30 anos. Elas têm concedido o direito de desapropriação de terras e moradias, conseguem judicializar, colocar a polícia para despejar famílias. Vão à Bolsa de Valores e captam bilhões de reais, acessam fundos públicos. Essa é a luta que está colocada nos territórios", conclui Scalabrin. 

Desde sábado (4), o MAB deu início a uma mobilização em Brasília pela reparação das vítimas atingidas por barragens em todo o Brasil. A jornada de lutas reivindica a implementação do PNAB e pressiona para aprovação do PL e sanção presidencial. A votação na Comissão de Infraestrutura está marcada para começar às 11 horas da manhã e será transmitida pelos canais online da casa.

Edição: Thalita Pires