Hoje nós temos o nosso espaço aqui com muita luta, fé e respeito a nossas florestas
Iran Xukuru é uma das “sementes-guardiãs” do povo indígena Xukuru de Ororubá, no Agreste de Pernambuco. "O trabalho que a gente faz é a regeneração pelo caminhar. Eu caminho, aprendo, ensino e ao aprender eu tô ensinando. A gente chama de metodologia de envolvimento comunitário. Então a minha metodologia é caminhar para a pedra, conversar com o olho d'água, ver passarinho cantar. O ver no sentido de escutar. E aí quando você escuta, você começa a aprimorar essa cultura de sutileza, de você ser corpo membrana no mundo", afirma.
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O território Xukuru está localizado entre os municípios de Pesqueira e Poção, no agreste pernambucano, a cerca de 200 quilômetros da capital Recife. São 25 aldeias e aproximadamente 10 mil pessoas que resgatam, no dia-a-dia, um sentido de bem viver em que gerações não se separam do meio ambiente.
“O território tinha duzentos e oitenta e um fazendeiros, que tinham cinco, seis fazendas aqui dentro do território. Inclusive, nesse espaço, era apenas para trabalhar, apenas para ser mão de obra, né? Depois houve o processo de reconquista, as fazendas voltaram a ser a aldeia. E essas aldeias são espaços de produções familiares e estão abertos. Hoje nós circulamos em todo o território”, conta o professor Edgar Xukuru
A retomada da agricultura sagrada, “modo de vida” do povo Xukuru, tem como local de poder o Centro de Agricultura Xukuru de Ororubá (Caxo), composto por estruturas como a Casa de Sementes Mãe Zenilda, Barraca do Bem Viver, Terreiro Sagrado da Boa Vista, além de área de sistema agroflorestal e roçado agroalimentar.
“Nós temos dois espaços: um de dez hectares - onde durante 30 anos serviu de criação de gado - e a monocultura do capim. Agora, estamos gerando a partir das plantas nativas, mas também diversificando com várias outras espécies de plantas frutíferas, medicinais, ornamentais e deixando a natureza evoluir espontaneamente”, destaca Edgar.
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A partir de saberes ancestrais indígenas e de uma ciência sustentável, o Caxo possui cinco proibições para que a regeneração do território de 27 mil hectares seja efetivada: “o gado, a caça recreativa, a 'pega' de passarinho, a queimada e o desmatamento”, explica Iran Xukuru
Há 12 anos, João Batista Alves faz parte do mutirão do Bem Viver. Ele conta como vem sendo o processo regenerativo no território, que se iniciou com o processo de retomada da Terra Xukuru, liderado pelo cacique Xicão, ou Mandaru, nos anos 1990.
“Antes da liberação da terra nós éramos uma semente que estava adormecendo. Graças a Deus e o empenho da luta e da inteligência de Xicão essas sementes germinaram para ficar e multiplicar. E, hoje, nós temos o nosso espaço aqui com muita luta, fé e respeito a nossas florestas”.
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No manejo e na produção do povo Xukuru, há uma relação constante da 'Agricultura do Sagrado', com a observação dos sinais da natureza, de resgate da ancestralidade e de contato com os chamados “encantos”.
“Cuidar da natureza, para nós, enquanto Xucuru, é sagrado. É dos encantados e precisa ser cuidado e preservado. Então, aqui a gente entende que para desenvolver a agricultura é preciso cuidar das matas, das pedras e das águas. Inclusive, o nosso cacique Xicão sempre falava que as matas são os cabelos da terra, as águas são o sangue da terra; e que as pedras são os ossos da terra. E que nós precisamos cuidar e preservar, porque são a morada dos nossos encantados e ancestrais”, sintetiza Iran.
Edição: Douglas Matos