O uso da maconha não está legalizado no Brasil. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), consolidada nesta quarta-feira (26), em descriminalizar o porte da maconha para uso pessoal não significa a legalização da substância.
A descriminalização é quando um ato deixa de ser enquadrado como um ato ilícito criminoso, ou seja, sem punição no âmbito penal, mas ainda pode ser um ato ilícito de outra natureza com outros tipos de sanções.
A legalização, por sua vez, prevê que o ato passa a ser permitido por uma lei, que regulamenta a prática, estabelecendo restrições, condutas e regras para quem desobedecer a legislação.
Em relação ao uso da maconha, o que mudou é que agora o porte da cannabis sativa para uso pessoal não pode ser enquadrado como um crime, mas como um ato ilícito de natureza administrativa, com sanções de cunho educativo, como advertência sobre os efeitos das drogas e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. A droga também continua a ser apreendida, uma vez que ainda é ilegal.
O STF também determinou regras de transição para a aplicação do novo entendimento. Cabe ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a formulação e aprovação de um novo regulamento para que o usuário passe pelo processo de natureza administrativa. Até lá, os Juizados Especiais Criminais encaminharão os casos. A decisão da Corte, inclusive, não exclui que o usuário seja levado para a delegacia para procedimentos como a pesagem da maconha, até que um novo espaço seja elaborado.
O próprio presidente do STF, o ministro Luís Roberto Barroso, destacou que não houve a legalização. "Importante a gente falar também sobre o que não muda, ou seja, se for pego andando com uma quantidade pequena na rua. Se estiver fumando na rua, vai continuar sendo abordado pela polícia, levado para a delegacia, vai tomar esses esculachos, esses baculejos que a polícia faz. Isso aí é uma luta que continua", disse Barroso.
Casos ainda podem ser enquadrados como ato ilícito criminoso
O STF definiu 40 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas como critério objetivo para diferenciar o usuário de maconha do traficante. O advogado Cristiano Maronna, especialista em cannabis law, com ênfase em design regulatório, no entanto, afirma que, na prática, a diferenciação ainda é frágil.
“Apesar da presunção relativa de até 40 g de uso ser digna de aplauso, é uma presunção relativa que pode ser afastada quando houver circunstâncias como o modo de acondicionamento, a diversidade [de maconha], as circunstâncias da apreensão, a presença de balança e anotações sobre contabilidade de tráfico, mensagens de celular sobre venda e compra de drogas, [bem como a existência de contatos de usuários e traficantes]”, explica Maronna.
Soma-se a isso o testemunho policial e as provas sustentadas pelo agente de segurança. “O Supremo está permitindo que a insegurança e a injustiça, quando usuários são tratados como traficantes, permaneçam existindo. Isso é muito grave, porque justamente essas outras circunstâncias que compravam o tráfico estão ligadas, na verdade, ao testemunho policial e às provas ancoradas a ele”, afirma o advogado.
“Numa base epistemológica processual penal própria de um Estado de Direito, necessariamente, o standard probatório do crime de tráfico exige uma corroboração externa, não bastando apenas a palavra do policial ou testemunha policial e as provas ancoradas.”
Para Maronna, perdeu-se uma oportunidade para qualificar a investigação criminal e exigir standard probatório que, de fato, “comprove o tráfico de drogas além do mero testemunho policial”. Em suas palavras, “a montanha pariu um rato. A decisão de descriminalização é muito recuada. Do jeito que está, acaba tendo um impacto muito reduzido”.
Na mesma linha, Emílio Figueiredo, da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, afirma que pouco muda com o julgamento do STF. “Muda muito pouco. O sistema de Justiça Criminal vai continuar sendo um sistema racista, que tem por objetivo encarcerar, constranger e até exterminar determinadas pessoas e criar uma violência de Estado em determinados territórios”, diz.
“O que vai acontecer agora é que o policial vai ter um critério objetivo, que vai ter que seguir, junto com critérios subjetivos. Então, se a pessoa for flagrada até 40g e não tiver outros elementos, mas se a polícia quiser submeter essa pessoa à sujeição criminal, a polícia vai arrumar de colocar umas coisas em cima dessa pessoa. A gente sabe como a polícia brasileira trabalha”, destaca o advogado.
PEC das Drogas
Paralelamente à descriminalização do usuário pelo STF, tramita no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que criminaliza o porte de drogas independentemente da quantidade apreendida, o que confronta diretamente a tese dos ministros.
A PEC 45/2023 foi aprovada pelo Senado Federal em abril deste ano, e agora aguarda votação na Câmara dos Deputados. O presidente da Casa, o deputado Arthur Lira (PP-AL), criou uma comissão especial, nesta terça-feira (25), para analisar a proposta.
Se a PEC das Drogas for aprovada, uma nova ação deve ser enviada ao STF questionando a constitucionalidade da nova legislação. “Se a PEC for aprovada, vai ter que ter uma medida judicial no Supremo para suspender seus efeitos. Após a aprovação, o Supremo sendo provocado por alguma entidade a se manifestar sobre essa PEC, acredito que vai suspender os efeitos da PEC”, explica Figueiredo.
Edição: Rodrigo Chagas