Maria Eunice Vargas vai à feira uma vez por semana. Ela precisa comprar alimentos frescos para sua família, seu marido e dois filhos. Há cerca de dois anos, ela optou por levar pra dentro da sua casa apenas aquilo que considera saudável. Por isso, compra somente alimentos orgânicos.
"Para mim, o mais importante de comprar alimentos é saber de onde eles vêm, como foram produzidos", determina a dona de casa, enquanto faz compras na feira de orgânicos que ocorre toda quarta na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em Recife. Maria Eunice é recifense de nascida, mora no bairro da Vázea, e trabalha como representante de vendas em uma empresa de beleza.
Maria Bocão, como é conhecida Maria Elisabete Gomes da Silva, cuida de suas hortaliças, frutas e legumes, que leva para vender em feiras como a que frequenta Maria Eunice.
"Os fregueses adoram nossos produtos, e até já me disseram: 'Dona Maria, eu chego em casa e coloco esse seu coentro na vasilha e uso durante 15 dias. Esses que compro no mercado, depois de cinco dias já estão apodrecendo'. Porque o do povo aí tem muito produto químico e o nosso não", conta com orgulho a agricultora familiar. Maria Bocão vive com seu marido no Assentamento Chico Mendes 3, no município de Pau D'alho, na zona da mata pernambucana, onde preside a Associação de Moradores.
Hoje, são 23.141 famílias assentadas pela Reforma Agrária no estado de Pernambuco. Ainda poucas, perto das outras 20 mil que vivem em acampamentos, à beira de estradas e em áreas ocupadas. Mas o suficiente para demonstrar ao estado e à sociedade a importância de se destinar terras para a agricultura familiar.
"A agricultura familiar responde à 70% dos alimentos consumidos pela população, principalmente sem uso do veneno. A Reforma Agrária torna possível a segurança alimentar e soberania do país", afirma Doriel Barros, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura, Fetape Pernambuco.
A entidade é uma das organizadoras da Feira de Agricultura Familiar no município de Águas Belas, que acontece uma vez por ano. Com cerca de 60 famílias da região, a feira busca mostrar a importância da agricultura familiar e do assentamentos para transformar vidas. "Muda a vida de quem produz, que pode viver no campo com qualidade, e de quem consome, que tem alimentos saudáveis e seguros", completa Doriel.
Ali são comercializados tanto os alimentos plantados pelas famílias como produtos derivados, como geleias, manteiga, artesanatos e até remédios naturais. Há também a venda de animais, como caprinos e ovinos. Estas e outras feiras são realizadas no estado de Pernambuco o ano todo por entidades de organização do agricultor familiar.
Terra pra plantar e viver
O Brasil é o segundo país que mais concentra terras no mundo, ficando atrás apenas do Paraguai. Claudeilton Luiz Oliveira, da coordenação nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), explica que a distribuição desigual de terras no país é comum desde o tempo colonial, onde algumas famílias receberam grandes extensões de terra que têm passadas de pai pra filho até hoje.
Apesar de muitos serem posseiros, ou seja, ocupam e dão utilidade para uma terra que não é de sua propriedade, muitos pequenos agricultores acabaram por ficar sem ter propriedades de terra. E com o avanço do agronegócio acabam expulsos do campo e têm seu direito de acesso à terra retirado.
"O sentido da Reforma Agrária para o camponês é tido como algo fundamental. Não tem como pensar no campesinato sem pensar nas terras, a vida e a produção de alimentos no campo só é possível sobre a terra", reforça Claudeilton.
Segundo a Superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de Pernambuco, 57% dos latifúndios cadastrados no órgão são classificadas como improdutivas. Movimentos denunciam que cada uma dessas propriedades já poderiam ter sido adquiridas pelo Incra para a Reforma Agrária.
No entanto, ao longo de seus mais de 40 anos de existência, o INCRA assentou apenas 20 mil famílias sem terras em Pernambuco, chegando a fechar alguns anos sem ao menos uma desapropriação ou assentamento.
Qualidade de vida
A Reforma Agrária tem um papel importante na economia brasileira. Segundo o dirigente de brigada do MST em São Lourenço da Mata, Luciano Costa Rêgo, uma família que vive no campo trabalha as três esferas da economia: gerar renda, para a família se manter; a questão ambiental, pela produção agroecológica e a recuperação das matas ciliares; e a questão social pois as famílias ficam juntas, estruturadas.
Ele afirma que a ideia da Reforma Agrária é resgatar de volta para o campo quem nasceu e foi criado ali, mas por questões do capital acabou sendo obrigado a ir para a cidade. Esse é o caso da Maria Bocão, lá do início da matéria.
Ela nasceu e foi criada no engenho, até que seu pai faleceu e a família foi para a cidade. Alguns anos depois, já com seu marido e filhos, Maria conseguiu voltar para o campo. "Na cidade, tudo que a gente quer tem que comprar. Não tinha dinheiro, vivia tudo morrendo de fome, passando necessidade. Agora que estamos no campo nós plantamos, temos uma boa comida e vivemos de barriga cheia", comemora.
Além de sustentar sua família, Maria produz feijão verde, milho, alface, rúcula, coentro, macaxeira e muitos outros alimentos, que vende em feiras no municípios da região. "Se não fosse a Reforma agrária eu tava sem terra pra produzir, e se o campo não planta, a cidade não janta. E os fregueses acham bonito nosso trabalho, se alegram pela nossa luta", orgulha-se.
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