Entrevista

“Até coxinhas farão ato contra Temer”, diz Stedile

Dirigente do MST avalia que um eventual governo Temer seria "o pior dos mundos" para os movimentos populares do campo

Rio de Janeiro (RJ) |
Stedile: "Seja qual for o resultado do impeachment, o tema da reforma política vai voltar para a agenda prioritária"
Stedile: "Seja qual for o resultado do impeachment, o tema da reforma política vai voltar para a agenda prioritária" - Mídia Ninja

Um eventual governo Temer provocará o aumento da luta de classes, das mobilizações, das greves e dos enfrentamentos. Esse é o cenário visualizado por João Pedro Stedile, da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras (MST), caso o processo de cassação do mandato da presidenta Dilma Rousseff seja aprovado no Senado. O plenário da Câmara dos Deputados aprovou por 367 a 137 a admissibilidade do processo de impeachment neste domingo (17). Agora o Senado dará a palavra final sobre a questão.

Se o impeachment for consumado no Senado, João Pedro Stedile descarta a possibilidade de Temer permanecer como presidente da República até 2018. “É provável que o governo Temer tenha uma vida muito curta. Se ele assumir, é possível que sejam organizadas mobilizações de todos contra ele, até dos coxinhas. A principal pauta deles é a corrupção, e o PMDB é o partido mais corrupto do país”, afirmou ao Brasil de Fato. Stedile ressalta que qualquer desfecho para o processo de impeachment trará o tema da reforma política para o centro das discussões. Os movimentos populares defendem a convocação de uma Assembleia Constituinte.

Stedile também alerta sobre o risco de prejuízos aos trabalhadores tanto em políticas públicas quanto em direitos trabalhistas. Diminuição de férias e de recursos para saúde e educação são descritos no programa Agenda Brasil que reúne as propostas do PMDB para governar o país. “Setores organizados da classe trabalhadora não vão aceitar a perda dos direitos pacificamente”, afirmou.

Brasil de Fato - O que podemos esperar do governo Dilma, caso o impeachment seja derrotado no Senado?

João Pedro Stedile - É possível que a direita invente outros mecanismos ou invista no processo que está no Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Esse segundo caso poderia resultar na cassação da chapa Dilma/Temer e seriam convocadas novas eleições gerais. Mas avalio que a direita e o poder econômico não estão dispostos a arriscar, porque eleições gerais devolveriam ao povo o direito de escolher.  

Qual é o projeto dos partidos de direita, como PSDB e PMDB?

A direita tem o grande objetivo de afastar a presidenta para colocar em prática novamente o seu programa neoliberal. A volta do neoliberalismo significaria a eliminação das conquistas sociais, a retirada de direitos trabalhistas e, principalmente, a diminuição dos recursos que hoje são destinados à saúde e à educação. Esses recursos seriam aplicados em outras áreas com o objetivo de atender aos interesses das elites. Exatamente por isso eleições gerais seriam mais complicadas para a direita: os candidatos direitistas não têm coragem e nem argumentos para defender publicamente o programa neoliberal.

Se o governo vencer essa batalha, qual é o possível cenário?

Esse governo Dilma, que acompanhamos até aqui, acabou. A partir de maio, mesmo derrotando os setores que querem o impeachment no Senado, será um novo governo. Dilma até tentou no ano passado se reconciliar com a direita, colocando o PMDB em novos ministérios, e não deu certo. O Ministério da Fazenda sendo comandado por Joaquim Levy e Nelson Barbosa é prova disso. Em um governo Dilma pós-impeachment a reformulação ministerial seria comandada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, nessa recomposição, os ministérios seriam ocupados por nomes notáveis da sociedade, e não mais somente por alianças partidárias. Essa mudança forçaria o governo a resgatar o programa para o qual foi eleito.  

O quanto isso é possível e não apenas vontade dos movimentos populares?  

É possível na medida em que essa mudança é a única saída possível para o governo. Se não fizer isso, Dilma vai se isolar ainda mais e abrir brecha para a direita voltar com outros processos de impeachment. Desde 2014, os movimentos populares adotam somente pautas defensivas: contra o golpe e contra a privatização do pré-sal, por exemplo. A derrota do golpe possibilitaria que os movimentos avançassem na luta com novas propostas.

Quais seriam essas propostas?

Quando esse processo de impeachment acabar, os movimentos populares vão apresentar a “Carta do Povo Brasileiro”. Nossa intenção é justamente inverter a lógica da famosa “Carta ao Povo Brasileiro”, publicada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em 2002. Nessa carta, vamos traçar um plano de emergência para, pelo menos, barrar o avanço da crise econômica. Entre as iniciativas, estará a proposta para que o governo priorize a construção de habitações populares. O governo contratou a construção de 70 mil casas esse ano. Isso não é nada. Precisamos chegar a um milhão de novas moradias. Essa é apenas uma das nossas ideias.

Agora, o que acontece se o impeachment for aprovado no Senado?  

Se houver impeachment e assumir Michel Temer (PMDB) e Eduardo Cunha (PMDB) será um caos do ponto de vista político. Porque todo aquele discurso de que precisa trocar o governo porque o PT era corrupto não vai mais funcionar. Ora, o PMDB é o partido mais corrupto da história do Brasil. Então, a corrupção aumentaria muito. No entanto, mais que isso, a missão de Temer é aumentar a exploração aos trabalhadores para que os empresários tenham mais lucro. Na cabeça deles, com o empresário tendo mais lucro a economia vai crescer. Mas isso não acontece na realidade.

Como seria o eventual governo Temer?

Vários projetos que prejudicam a classe trabalhadora estão para ser votados atualmente no Congresso. Com uma vitória do impeachment, esses projetos seriam aceleradamente aprovados. Outro dia, o jornal Valor Econômico publicou uma matéria em que um empresário afirma que é um absurdo o trabalhador ter 30 dias de férias. Esse empresário defende que o Brasil deveria fazer como a China, que só concede 13 dias de férias ao trabalhador, ou como nos Estados Unidos e no Japão, em que as férias são acordadas empresa por empresa. É isso que eles querem implantar no Brasil, acabando com os direitos previstos na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

Que outras propostas de Temer significariam prejuízo aos trabalhadores e trabalhadoras?

Hoje, a lei obriga o governo a aplicar 13% de toda a receita em saúde e 11% em educação. Eles querem tirar a obrigatoriedade desses percentuais, ou seja, aplicar apenas o que o governo quiser. Por que querem isso? Justamente porque querem privatizar a saúde e a educação. Esse dinheiro será deslocado para outras áreas. Isso não é uma hipótese. São exatamente essas palavras que estão escritas no programa de governo do PMDB.

Como a sociedade vai reagir a essas mudanças nas políticas públicas?

Sem dúvida, vai aumentar a luta de classes, as mobilizações, as greves e os enfrentamentos. Porque os setores organizados da classe trabalhadora não vão aceitar a perda dos direitos pacificamente. Então, é provável que o governo Temer tenha uma vida muito curta. Se ele assumir, é bem provável que sejam organizadas mobilizações de todos contra ele, até dos coxinhas. A principal pauta dos coxinhas é a corrupção e o PMDB é o partido mais corrupto do país. Seja qual for o resultado do impeachment, o tema da reforma política vai voltar para a agenda prioritária e os movimentos populares defendem a convocação de uma Assembleia Constituinte.

Como ficaria o MST e a luta no campo?

Para a luta de classes no campo, um eventual governo Temer seria o pior dos mundos. Não que o governo Temer tenha coragem de organizar a repressão --até porque a repressão no campo aos movimentos populares é feita pela Polícia Militar, que está sob a coordenação de governos estaduais. Mas a consolidação de um governo de direita e golpista autorizaria as forças conservadoras que atuam nos estados. Isso é a vontade deles, mas não necessariamente é o que vai acontecer. Isso vai depender dos movimentos populares se organizarem e não permitirem a repressão. Ou seja, independentemente dos cenários, vai ter luta.

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