Exemplo

"Minha luta é para que negros e negras tenham mais direitos"

Luana Tolentino é agraciada com Medalha da Inconfidência

Belo Horizonte |
Luana é professora de história na rede pública de BH
Luana é professora de história na rede pública de BH - Arquivo pessoal

No dia 21 de abril o governo estadual irá homenagear uma das atuais referências dos movimentos negros e feministas de Minas Gerais. Luana Tolentino entra para o grupo das poucas mulheres negras a receberem a Medalha da Inconfidência. A homenagem é também pela sua história de vida. ​Atualmente Luana é professora de história na rede pública, mestranda em Educação pela Universidade Federal de Ouro Preto e colaboradora dos sites Viomundo e Geledés, mas para chegar aqui ela batalhou muito, como a maioria das meninas e moças negras no Brasil.

Dos 13 aos 18 anos, foi empregada doméstica, e dividia o trabalho com leituras de obras de Jorge Amado, Graciliano Ramos e Lima Barreto. “Esses escritores expressam de maneira magistral a situação de opressão e exploração a que eram e são submetidos pobres e negros no Brasil. Lia e ficava indignada. Queria fazer parte daquelas histórias no sentido de mudar algo”, lembra.

Brasil de Fato - O que você sentiu ao saber da indicação da Medalha da Inconfidência?

Luana Tolentino - Soube da indicação do meu nome através de um telefonema da assessora do governador Fernando Pimentel. Passei dois dias me sentindo perdida, anestesiada, não sei dizer direito. Não tenho o perfil das pessoas que geralmente são agraciadas com a Medalha da Inconfidência. Quem as recebe são sempre juristas, empresários e políticos. Quase todos do sexo masculino.  Ainda não sei dizer o que essa medalha significa pra mim. Além disso, não acho que ela seja só minha. Ela também é parte do novo Brasil que estamos construindo, com mais direitos, mais oportunidades e novos protagonistas.

Como você chegou até aqui?

A minha trajetória não é muito diferente da maioria das mulheres negras. Nasci em um bairro periférico e sou filha de pais que tiveram pouco acesso à educação formal. Aos 13 anos conheci o emprego doméstico. Para conseguir concluir o curso superior tive que batalhar muito. Experimentei todo tipo de humilhações.  Como eu já disse em outra oportunidade, às vezes tenho a sensação de que sou toda quebrada por dentro, mas suportei porque sempre tive a convicção de que podia seguir outros caminhos. Começar de novo nunca foi um problema para mim. Nos momentos mais difíceis, eu metalizava: ‘vai, Luana. Olha pra frente. Caminha.’ E assim é até hoje.

Não tem nada que eu faça hoje na minha vida que não tenha desejado muito. Desejei estudar, escrever e ser professora. Sou muito feliz por ter conseguido chegar até aqui. O meu trabalho, a minha luta é para que principalmente mulheres, homens e crianças negras tenham mais direitos e mais oportunidades, para que elas não precisem ter uma caminhada tão difícil e dolorosa como a que eu tive. Além disso, tive a sorte de ter pais que sempre apoiaram minhas escolhas e pude contar com o apoio e o incentivo de muitas pessoas.

O que te levou a ser uma militante?

Os meus caminhos foram sendo delineados muito cedo. Quando eu era criança adorava ver os gols do Zico na televisão. Ficava emocionada com a precisão com que ele cobrava as faltas. Ficava emocionada também quando, logo após o gol, a câmera focava na geral do Maracanã lotado e mostrava toda aquela gente comemorando. Então eu pensava: que bom que o Zico faz os pobres felizes! Com 8, 9 anos de idade eu já tinha noção do que era ser pobre. Sabia que aquelas pessoas da geral tinham uma vida difícil, e me sentia feliz ao vê-las felizes.

Durante a minha adolescência li muito os livros do Jorge Amado e Graciliano Ramos e Lima Barreto, escritores cujas obras expressam de maneira magistral a situação de opressão e exploração a que eram e são submetidos pobres e negros no Brasil. Lia e ficava indignada. Queria fazer parte daquelas histórias no sentido de mudar algo. A literatura foi fundamental na minha formação.

Quais sonhos você nutre ainda hoje?

Do ponto de vista profissional, desejo seguir carreira acadêmica e colaborar, propor alternativas para a melhoria da educação básica no Brasil. E desejo também um Brasil melhor para todo mundo. Sei que vai demorar um pouco, mas não é impossível. Basta pensar que hoje o Brasil é muito diferente daquele que eu lia nas páginas dos livros do Jorge Amado e do Graciliano Ramos. 

 

Saiba mais:

Medalha da Inconfidência

Criada em 1952 pelo governador Juscelino Kubitscheck, a Medalha da Inconfidência é a maior honraria concedida pelo estado de Minas Gerais e entregue a personalidades que contribuíram para o desenvolvimento de Minas Gerais e do Brasil. O governador Fernando Pimentel preside em 21 de abril, em Ouro Preto, a 65ª solenidade de entrega da Medalha da Inconfidência.
A escolha dos homenageados é feita pelo Conselho da Medalha, formado por representantes de órgãos públicos e entidades civis, e regida pela Lei nº 882, de 28 de julho de 1952.

 

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