FUTEBOL

Distribuição das cotas de TV tornou Campeonato Inglês mais competitivo

Leicester subiu à primeira divisão em 2014

Belo Horizonte |
Tottenham e Leicester disputam o título da Liga Inglesa
Tottenham e Leicester disputam o título da Liga Inglesa - Marcos Pereira / Divulgação

A quatro rodadas do fim da Premier League 2015-2016, dois times de médio porte disputam o título da principal competição de futebol da Inglaterra. O Leicester City, que subiu à primeira divisão em 2014, lidera com 73 pontos e pode ser campeão antes da última rodada. Cinco pontos atrás, o vice-líder Tottenham ainda tem chances de levantar a taça. Ambos pagam folhas salariais menores do que os multicampeões Chelsea, Arsenal, Manchester United e Manchester City. Lá, entretanto, a distância entre os pequenos e os grandes é menor do que em países como Espanha e Brasil. Para Emanuel Leite Jr., pesquisador e jornalista, isto interfere no rendimento das equipes menores. Em entrevista ao Brasil de Fato MG, ele explica que um dos fatores centrais para o equilíbrio é o modo como as cotas de TV são repartidas entre os clubes profissionais. Emanuel é autor do livro “Cotas de televisão do Campeonato Brasileiro: apartheid futebolístico e risco de espanholização”.

Brasil de Fato – O desempenho do Leicester prova que a Premier League, se comparada a outros campeonatos nacionais, é mais competitiva? 
Não apenas o desempenho do Leicester. Quando me perguntam isso, eu sempre costumo chamar a atenção que o nível de competitividade de um torneio vai além da possibilidade de um azarão ser campeão. A competitividade também se observa na forma como um time pequeno e com orçamento muito menor consegue fazer bons jogos e em alto nível contra equipes gigantes, com orçamentos surreais. Ou quando você vê jogos espetaculares, como foram Everton 3 x 4 Stoke City ou Everton 2 x 3 West Ham, ou seja, entre equipes médias e pequenas. Outro exemplo é que, este ano, vemos clubes tradicionais - todos campeões nacionais algumas vezes - ocupando as três posições da zona de rebaixamento: Sunderland, Newcastle e Aston Villa (este, por sinal, campeão europeu em 1982).

Isso tem a ver com o modelo de distribuição das cotas de TV na Inglaterra?
Disso não tenho a menor dúvida. Você consegue imaginar um Leicester subindo após dez anos fora da elite e recebendo apenas 38 milhões a menos que o então campeão Manchester City ou o clube que viria a se sagrar campeão, Chelsea? Isso aconteceu na temporada 2014/15, aquela em que o Leicester entrou no mês de abril ainda como lanterna. No Brasil, o Leicester estaria no mesmo patamar de um Santa Cruz, América-MG ou Figueirense, que em 2016 devem receber algo como 
R$ 26 milhões enquanto Corinthians e Flamengo vão receber R$ 170 milhões só de TV aberta. O Leicester, no Brasil, jamais iria brigar pelo título. Ou um West Ham, que este ano também surpreende e briga por uma vaga na Liga dos Campeões.
Não custa lembrar que, a partir da próxima temporada, com a entrada em vigor do novo super contrato de TV, todos os clubes da Premier League vão ser ricos ou super ricos. Por lá, a imprensa esportiva já espera que clubes intermediários possam contratar ainda mais grandes jogadores, elevando ainda mais o nível técnico do campeonato. Não é à toa que dirigentes de grandes clubes de outras ligas europeias têm demonstrado tanta preocupação com os efeitos deste novo poderio financeiro dos ingleses.

Por que a divisão de cotas de TV no Brasil é tão desigual, com boa parte dos recursos concentrados nas mãos de apenas dois clubes?
Como expressão de manifestação cultural que é, o futebol mantém uma relação intrínseca com o meio social em que se encontra inserido. Mais do que qualquer outro esporte, o futebol traz em sua essência a capacidade única da representação simbólica, ajudando-nos a compreender seu meio. O futebol reflete, portanto, a sua realidade social, política e econômica. No Brasil, não seria diferente. Nós, infelizmente, vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, econômicas, raciais e de gênero. Vivemos um país dominado por uma elite excludente, que vê no processo de inclusão de um excluído não algo benéfico ao todo social, mas como uma ameaça aos seus poderes e privilégios estabelecidos. O futebol brasileiro, portanto, apenas é um reflexo desta lógica excludente e segregadora que ainda persiste em existir no nosso país. É por isso que eu denominei a realidade do futebol nacional de “apartheid futebolístico” e em meu livro eu explico que se trata de uma analogia justamente ao que Cristovam Buarque tão bem definiu por “apartheid social”. Assim como em nossa sociedade, na qual, lamentavelmente, ainda temos uma classe de “incluídos” e excluídos, no futebol brasileiro também existem esses grupos antagônicos. E como tal, há uma luta constante entre aqueles que pretendem manter seus privilégios (os incluídos) e os que querem ter acesso aos recursos, para, assim, terem condições mínimas para que haja uma competição (os excluídos). É dentro deste contexto da lógica excludente da elite nacional que eu vejo o que se passa na distribuição dos recursos das vendas dos direitos de transmissão televisiva do Campeonato Brasileiro.

Na sua opinião, qual seria o melhor modelo a ser aplicado no futebol brasileiro?
O melhor modelo seria a busca pelo ideal da utopia. Ou seja, a busca pelo igualitarismo absoluto. Dividir 100% igual entre todos. Como é feito, por sinal, com o dinheiro faturado pelas vendas dos direitos de transmissão da Premier League para todos os mercados internacionais. Pelas vendas das transmissões das próximas três temporadas, contando a partir de 2016/17, a liga inglesa vai arrecadar £ 3,2 bilhões. Pouco mais de £ 1 bilhão por ano. E todo esse dinheiro é dividido igualmente pelos 20 clubes do campeonato: o que dá algo em torno de £ 53,3 milhões para cada clube, por temporada. Mas isso é uma utopia. Trabalhemos, então, com o mundo real. E o que seria isso, diante do contexto atual? O que a própria Premier League adota para a divisão das vendas dos direitos internos. Que é a busca pela igualdade. Como sempre friso e destaco em meu livro, igualdade não se confunde com igualitarismo absoluto. Igualdade é estabelecer critérios razoáveis para que haja uma distribuição dos recursos que não sejam injustas. E como é na Inglaterra? 50% divididos igualitariamente entre todos os clubes; 25% baseados na classificação final da temporada anterior (o campeão recebendo 20 vezes mais o valor que recebe o último clube da lista); 25% variáveis de acordo com o número de jogos transmitidos na televisão. É assim que eles vão dividir o £ 1,712 bilhão por temporada (do total de £ 5,136 bilhões pelas próximas três temporadas), permitindo que cada clube da Premier League seja rico ou super-rico apenas com a arrecadação das vendas dos direitos de transmissão para o Reino Unido, uma vez que o campeão deverá receber algo em torno de £ 150 milhões, enquanto o lanterna entre £ 99 e 100 milhões. Ou seja, um modelo mais justo. A disputa egoísta dos grandes pela concentração do poder fere o espírito desportivo em seu âmago. Isso porque a enorme e injustificável desigualdade nas receitas televisivas são o prenúncio do fim da competitividade desportiva. Uma relação que se perfaz injusta. Afinal, devemos entender igualdade como justiça. E, desde os gregos antigos, igualdade se confunde com democracia.

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