Música

Em novo álbum, Beyoncé desperta para questão racial

Lemonade, sexto álbum de estúdio da cantora, se afirma importante peça de representatividade para negras e negros

Redação |
Frame do novo álbum-filme de Beyoncé, lançado no último sábado (23).
Frame do novo álbum-filme de Beyoncé, lançado no último sábado (23). - Reprodução

A cantora estadunidense Beyoncé causou rebuliço na internet com sua mais nova produção, o álbum-filme Lemonade, lançado neste sábado (23). Desde 2013, quando vazou um álbum visual sem divulgação prévia, a cantora vem fazendo de cada lançamento um grande evento. Desta vez, seu sexto álbum de estúdio alcançou status de arte entre alguns críticos e público fiel ao apresentar-se de forma mais conceitual e, além disso, trazer um teor político, colocando em pauta questões acerca da representatividade de negras e negros nos Estados Unidos e no mundo.

Os versos que declama no vídeo, como "I tried to change, closed my mouth more/ Tried to be soft, prettier/ Less...awake" ("Eu tentei mudar, me calar mais/ tentei ser mais branda, mais bonita/menos... desperta", em tradução livre), já revelam uma Beyoncé que "acordou" para a questão racial e vem afirmando cada vez mais sua origem negra. Em Lemonade, suas referências vão desde Billie Holliday, Nina Simone e Malcom X, às mães de jovens como Trayvon Martin e Michael Brown, assassinados pela polícia estadunidense em Ferguson.

Opinião

Mas essa autoafirmação também gerou críticas. Em janeiro, quando a cantora apresentou a canção "Formation" durante o intervalo da final do Superbowl, horário mais nobre da televisão nos EUA, ela foi duramente criticada. No palco do evento, música, coreografia e figurinos carregavam uma série de referências à história do movimento negro, como os Panteras Negras, e faziam alusões à recente onda de violência no país. 

Para a rapper brasileira Yzalú, "colocar um pessoal vestido de Black Panthers no Superbowl, onde a maioria do público é branca, é um tapa na cara". Segundo ela, artistas como Beyoncé ou Rihanna fortalecem a cultura negra, mesmo dentro de uma forte lógica mercadológica. "Houve um momento em que você não poderia falar que você era negro, não poderia dizer que você tem orgulho de ser negro. Hoje, esses artistas vêm dando o recado: 'Nós nos orgulhamos, nós temos uma cultura. E essa cultura está viva'", disse.

Já a tese de que o último movimento da cantora em direção às denúncias raciais seria uma forma de apropriação das lutas é refutada por Djamila Ribeiro, mestre em Filosofia Política e feminista negra. "As críticas da militância aconteceram mais no Brasil, onde ainda temos uma visão muito ortodoxa de uma esquerda que ainda não entendeu a questão racial. A partir do momento em que ela [Beyoncé] é negra, ela não está se apropriando, mas faz parte desta história de luta", argumentou.

Segundo ela, muitos cobram uma postura de militante de uma cantora que, na verdade, é uma artista que está inserida em uma lógica capitalista. "Mas qual artista que não está? Então, eles fuzilam a Beyoncé e ninguém fala do [Kendrick] Lamar, que também está e é garoto propaganda da Calvin Klein", questiona.

Neste caso, Djamila acredita que a questão de representatividade se sobressai à indústria cultural. Ela pontua que "independente de ser uma mulher rica, ela é uma mulher negra" e sua imagem é de grande impacto para meninas e jovens negras que se sentem representadas em contextos de pouca presença de negros na mídia, sobretudo no Brasil. 

Mesmo assim, a pesquisadora pondera: "A representatividade tem um limite, isso é inegável. Não basta ser negro ou negra e reproduzir lógica de opressão. Mas isso não quer dizer que ela não seja importante. E reconhecer os limites é diferente de ignorar sua importância", disse. Ela exemplifica com o voto da deputada Tia Eron (PRB-BA), que votou a favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, na Câmara dos Deputados. "Não quer dizer que não é importante ter pessoas negras nos espaços de poder. Mas também não basta ser negra e corroborar com toda aquela lógica que nos oprime. Mas no caso de Beyoncé, ela é uma artista que resolveu se posicionar. E eu acho importantíssimo quando o artista questiona seu tempo, para além de entreter", afirma.

O mesmo afirma Yzalú, para quem a cantora estadunidense "chegou em um patamar" em que pode se desvencilhar dos desejos da indústria para falar do empoderamento negro e feminino. "E é extremamente propício para o momento que a sociedade vive nos EUA e também no Brasil, que consome muita música americana", afirmou.

"Se ela usou toda essa influência para fazer este trabalho... ótimo. A gente precisa de representatividade e ela é uma figura forte para a mulher negra, que vem a cada dia nadando contra a maré para levantar sua voz. Uma mulher negra como a Beyoncé, a Rihanna e outros nomes simplesmente ascede uma chama de esperança para a gente. Precisamos de referências. Quanto mais a Karol Conká, da Flora Mattos, da Tassia Reis, Preta Rara, Luana Hensen, para mim é bom também. Isso é o que chamam de sororidade, né? Uma vem e puxa a outra. É cada vez mais importante nós mulheres negras estarmos coligadas, conectadas", disse a rapper.

Foto interna: Wikimedia Commons.

Edição: Simone Freire.

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