Em territórios palestinos ocupados por Israel vivem hoje cerca de 5 mil brasileiros que têm também a nacionalidade palestina. Segundo o mais recente relatório do Conselho de Cidadãos Brasileiros na Palestina (CCBP), quatro deles estão entre os 6.900 palestinos detidos nas prisões de Israel.
Outro brasileiro-palestino preso por forças israelenses, Raed Issa Abdel Aziz, de 22 anos, foi solto em janeiro, após dois anos e três meses de prisão por “entrar em contato com representantes do Hamas na Jordânia” e por “atirar pedras contra o Exército israelense”, de acordo com o CCBP.
A brasileira-palestina Ruayda Rabah, que recebeu uma delegação de movimentos sociais brasileiros em 2015 em Kobar, um vilarejo próximo à cidade de Ramallah, é membro do CCBP, que tem se ocupado de acompanhar os casos dos cidadãos brasileiros-palestinos que estão detidos em cárceres israelenses. Nisso, o Conselho trabalha em cooperação com a Embaixada do Brasil na Palestina – o Escritório de Representação do Brasil junto à ANP.
O relatório do CCBP sobre os presos brasileiros-palestinos foi elaborado também por Ruayda, que visitou as famílias dos jovens detidos e acompanha seus casos. A história que ela e algumas das famílias visitadas pela delegação começaram a contar ainda não teve desfecho.
Brasileiros encarcerados
Entre os brasileiros-palestinos encarcerados há um adolescente: Sultan Hijaz, de 17 anos, foi detido no fim de 2015, numa batida conduzida por soldados israelenses em sua casa, em Mazra Sharquiya, durante a madrugada. Sultan foi acusado de “atirar pedras” contra soldados. Pelo tribunal militar a que são submetidos os palestinos em territórios ocupados por Israel, o jovem foi condenado, no início de março, a 10 meses de prisão, e sua família deve pagar uma multa de aproximadamente R$ 3 mil. Até a condenação, Sultan ficou detido por quatro meses.
Em novembro de 2015, o Parlamento israelense (Knesset) aprovou uma lei que intensificava a punição aos condenados por atirar pedras contra soldados israelenses, prevendo uma sentença mínima de três anos de reclusão e outras penalidades. Quando alguém é detido pelas forças israelenses, a família deve enviar informações detalhadas sobre todos os membros para pedir permissão para visitar a pessoa na prisão. As autoridades israelenses, então, decidem qual dos parentes – e apenas um – poderá fazer a visita. Entretanto, durante as audiências, apenas a mãe, em geral, pode comparecer, conta Ruayda.
No caso de Sultan, aquela foi a única oportunidade de encontro com sua mãe, Yusra, até que lhe fosse permitido visitar o filho em 6 de janeiro de 2016, dois meses após sua detenção. Yusra relatou ao CCBP que a experiência é “humilhante” e lhe causa “medo”. Em uma audiência, em 25 de dezembro de 2015, ao entrar na sala, Yusra atravessou um detector de metais cujo alarme soou; em seguida, foi “agressivamente” revistada. O motivo do alarme não foi encontrado, até que ela se lembrou de um metal decorativo em sua roupa íntima, pelo que se sentiu exposta. Mesmo depois da revista exaustiva de seu corpo e seus pertences, Yusra foi impedida de abraçar o filho por oficiais israelenses, que a acusaram de tentar lhe dar uma faca.
Entre os presos está também Islam Hamed, personagem de uma recente campanha no Brasil por sua libertação. Hamed foi preso pela primeira vez aos 17 anos de idade. Sua terceira detenção, em outubro de 2015, aos 32 anos, ocorreu logo após ser solto de uma prisão palestina. De acordo com o CCBP, as autoridades israelenses ainda não fizeram acusações. Mãe de Islam, Nadia Hamed também recebeu os movimentos sociais brasileiros na vila em que vive, Silwad. Ela teme novamente pela saúde do filho, que protestou por sua detenção com uma greve de fome no ano passado.
O relatório do CCBP também aborda os casos de Mujahed Hamed, de 23 anos, em Silwad, e de Yussef Barghouthi, de 22 anos, em Der Abu-Mishal – ambas localidades próximas a Ramallah. Contatada por e-mail, a Embaixada de Israel no Brasil não respondeu à pergunta sobre a situação dos quatro brasileiros detidos até a publicação deste artigo. Já o Ministério de Relações Exteriores do Brasil afirmou, igualmente por e-mail, que tanto a Embaixada brasileira em Tel Aviv quanto o Escritório de Representação do Brasil em Ramallah “acompanham atentamente os casos dos brasileiros detidos em sua jurisdição”, posição que o relatório do CCBP também destaca.
Os funcionários consulares brasileiros visitam os detidos e suas famílias e comparecem a audiências, explica o Itamaraty, para “buscar garantir que os nacionais tenham seu direito de defesa respeitado e que as condições de detenção sejam adequadas.” Além disso, os funcionários verificam as denúncias de abusos “por meio de contatos com a chancelaria local ou com a embaixada [israelense] em Brasília.”
Prisão, resistência e aproximação com o Brasil
Segundo o CCBP, as prisões israelenses “funcionam como empresas”. “Elas contornam o boicote que fazemos aos produtos israelenses, obrigando as famílias dos detidos a comprar os produtos de necessidades básicas na prisão, onde os preços são exorbitantes”, diz Ruayda. As famílias são proibidas de levar cobertores ou calçados e só podem entregar roupas de algodão e de três em três meses, o que é insuficiente no período de inverno rigoroso, diz a organização.
O Serviço Prisional de Israel (IPS) não distingue em sua página oficial entre suas instalações em território israelense ou território ocupado palestino – exibindo um mapa sem fronteiras delineadas. A ONG palestina Addameer (Associação de Apoio aos Prisioneiros e Direitos Humanos) e a organização israelense de defesa dos direitos humanos B'Tselem, ambas baseadas em Jerusalém, recebem informações tanto do IPS quando do Exército israelense, que também detém palestinos em suas instalações por curtos períodos – por exemplo, entre janeiro e setembro de 2015, foram mais de 110 palestinos detidos por mês, de acordo com a B'Tselem.
O embaixador da Palestina no Brasil, Ibraim Alzeben, que também acompanha a questão, disse por e-mail que “a luta pela libertação [dos detidos] é um tema cotidiano e encabeça a lista das nossas prioridades tanto oficiais quanto cíveis e populares.” O embaixador afirmou que o fato de Sultan, Islam, Mujahed e Yussef “também serem brasileiros nos dá mais razão da justiça da nossa causa, que ultrapassa as fronteiras da Palestina, para convertê-las em causas da humanidade.”
Engajada nas atividades do CCBP, Ruayda acompanha as famílias dos detidos e coordena atividades culturais, educacionais e políticas. Em maio de 2015, por exemplo, brasileiros-palestinos e israelenses decidiram se reunir em Ramallah pela primeira vez, com resultados esperançosos. Mas a continuidade da aproximação foi suspensa no segundo semestre, com o segundo encontro cancelado, quando eclodiu o novo ciclo de violência na Palestina ocupada e em Israel.
“A maior resistência que o povo palestino pode conduzir é, apesar de tudo, ainda estarmos de pé. Ainda vivemos, saímos, jogamos bola, trabalhamos, bordamos, fazemos nossas comidas típicas, nossas reuniões familiares, os casamentos de rua – e com ou sem barreira, buscamos a noiva porque vai ter casamento,” diz Ruayda. “É esse o lado bonito da resistência, e isso deve ser transmitido. As pessoas têm que viver.”
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