Na concepção iluminista de democracia, a liberdade e a cidadania só são possíveis se no direito há posse de bens. Na concepção de Locke, todo indivíduo é potencialmente cidadão, porque potencialmente proprietário. Na teoria liberal a cidadania é inadmissível sem a propriedade privada. Portanto, a democracia política liberal identifica-se com a liberdade do proprietário. Há na atualidade, uma herança ideológica do individualismo possessivo.
Lembre-se que nos séculos dezoito e dezenove, só podia votar e ser votado quem fosse grande proprietário. A maioria absoluta da população estava fora do processo político, inteiramente subalterna. No século vinte os despossuídos conquistaram o direito de votar, mas somente se fossem alfabetizados. Mulheres, também não podiam votar. Incluindo mulheres e analfabetos, nada mais que 5% da população eram eleitores. Na Revolução Francesa, a Assembléia Legislativa foi eleita em 1791 com um sufrágio censitário de dois graus: voto masculino e eleitor só com renda fixa. A resistência contra o voto feminino era tão forte que Olimpe de Gauges (1748-1793) foi guilhotinada porque reivindicava igualdade de direitos com os homens. O patriarcalismo impedia que as mulheres tivessem rendas, exatamente para que elas não tivessem nenhum poder ou direito.
Os votos de não possuidores eram controlados coercitivamente pelos possuidores. A literatura fictícia ou historiográfica está repleta de exemplos de coronéis urbanos e rurais que obrigavam seus empregados a votarem em quem fosse determinado por eles. No final do século vinte os analfabetos conquistaram o direito a votar.
Com o aumento da população urbana e evolução do sistema de comunicação, houve uma substancial mudança no modo de controlar os votos populares. Antes o controle eleitoral era feito por meio de relações interpessoais e, na atualidade, através dos meios de comunicação. As grandes redes de televisão, rádio e jornal são de propriedades de poucas famílias, sendo estas as mais afortunadas do país.
O empresariado faz a clientela econômica dessas redes de comunicação e impõe controle ideológico sobre elas. É visível a influência da mídia sobre o eleitorado despolitizado. Janio Quadros, em 1960, contou com a colaboração da mídia para passar a falsa idéia de que era um homem pobre, capaz de varrer com vassoura toda a corrupção reinante em sua época. Fernando Collor de Mello, descendente de família governamental e abastada de Alagoas, obteve a colaboração da mídia para projetar sua imagem como o “caçador de marajás” e salvador dos “descamisados”.
A democracia é oriunda de mobilizações populares e nada deve ao liberalismo econômico. As grandes conquistas democráticas e sociais foram com lutas pacíficas e cruentas. Redução de jornada de trabalho custou inúmeras vidas de homens e mulheres; direito a férias anuais; descanso semanal remunerado; emancipação progressiva da mulher; proteção às crianças e outros benefícios. Nada disso foi uma concessão humanitária da burguesia, mas fruto de lutas, com a força das massas trabalhadoras. O direito de greve não é uma dádiva do capitalismo, mas a força do trabalhador assalariado que o fez ser exarado em leis e constituições.
No presente, o foco da luta é para preservar as conquistas sociais e buscar a progressiva diminuição do abismo entre ricos e pobres; melhorar distribuição de renda e por meio de novo sistema tributário; aperfeiçoamento do sistema judiciário, que amparado por leis, privilegia a classe dos possuidores e age com rigor contra os despossuídos.
*Antônio de Paiva Moura é docente aposentado do curso de bacharelado em História do Centro Universitário de Belo Horizonte (Unibh) e mestre em história pela PUC-RS
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