A presidenta Dilma Rousseff, através de atos administrativos publicados no Diário Oficial da União (DOU), homologou nesta segunda-feira (2) duas terras indígenas (TI) nos estados de São Paulo e Mato Grosso.
Foram homologadas a Terra Indígena Piaçaguera, localizada no município de Peruíbe (SP), ocupada pelo povo Guarani Ñandeva, e a Terra Indígena Pequizal do Naruvôtu, do povo Naruvôtu, que ocupa áreas dos municípios de Canarana e Gaúcha do Norte (MT).
O anúncio já havia sido feito na tarde da última sexta-feira (29), durante o encerramento da primeira reunião do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), pela assessoria do ministro da Justiça, Eugênio Aragão.
A homologação é o último procedimento de demarcação e é feito por decreto pela Presidência da República.
Declaração
Além das homologações, o Ministério da Justiça declarou de interesse social, para fins de desapropriação, a Reserva Indígena Aldeia Kondá, que fica no município de Chapecó (SC) e foi criada para abrigar indígenas Kaingang; e assinou uma portaria que declara a Terra Indígena Taunay-Ipegue, em Aquidauana (MS), de posse do povo Terena.
No Mato Grosso do Sul, a comunidade recebeu "com alegria" a notícia da declaração, como conta o advogado Terena e pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luiz Henrique Eloy.
"Esta portaria declaratória já era esperada há muito tempo. Desde 2013, há uma intensa mobilização e, diante dessa pressão, o Ministério Público entrou com uma ação ao ministro da Justiça pedindo para que ele se posicionasse", disse Eloy.
Ele adiciona que a região é muito representativa por abrigar a aldeia que é considerada a mais antiga do povo Terena. "Tem todo um simbolismo para o povo, e é ali que estão os principais anciões que praticam as atividade culturais, os cânticos e as rezas tradicionais", conta.
A comunidade indígena reinvidica a posse da terra Taunay-Ipegue desde a década de 1980, mas os estudos técnicos, feitos pelo antropólogo Gilberto Azanha na década de 1990, só foram reconhecidos pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2004. Desde então, eles aguardam a publicação.
Eloy considera que a declaração tem um efeito político interessante. "É o Estado reconhecendo que ali, de fato, é terra indígena, que não nasce a partir dessa portaria. É o Estado reconhecendo uma situação pré-existente. Esse efeito declaratório é importante", afirmou.
Adiantamentos
Desde a semana passada, o Governo Federal submeteu diversos atos administrativos de reconhecimento dos direitos territoriais indígenas que corroboram a tese de que está havendo um adiantamento dos processos diante da possibilidade de afastamento da presidenta, trazida com a votação da Comissão do Impeachment no Senado.
Na semana passada, foi declarada a Terra Indígena Riozinho, localizada nos municípios de Juruá e Jutaí (AM), de posse permanente dos grupos indígenas Kokama e Tikuna. No dia 19 de abril, estudos de identificação e delimitação de quatro terras indígenas foram aprovados pela Funai.
Na quarta-feira (27), houve a primeira reunião do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), instância consultiva que tem por objetivo fomentar a participação dos próprios indígenas na construção de uma política indigenista brasileira. O conselho, idealizado em 2007, é composto por 45 membros, sendo 28 representantes dos povos e organizações indígenas, dois de entidades indigenistas e 15 do Poder Executivo Federal.
Eloy enxerga neste movimento do governo uma tentativa de reaproximação, mesmo que tardia. "Dilma só recebeu as lideranças indígenas depois de dois anos que tomou posse. Houve um distanciamento não só com os movimentos indígenas, mas com os movimentos populares como um todo. Agora ela tenta se aproximar, ainda de forma tímida, pois há muita coisa que deve ser feita. Mas acredito que é uma resposta à pressão política que ela está sofrendo", afirmou.
Para ele, a presidenta é "refém" de um Congresso extremamente conservador. "As lideranças falaram para a presidente, em um encontro em dezembro, que ela está sentindo na pele tudo o que nós povos indígenas estamos sentindo", contou.
Já a advogada do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS) do Instituto Socioambiental, Juliana de Paula Batista, afirma que, mesmo com estes atos, o país ainda está "em mora" com os povos indígenas há mais de 20 anos. "Não vejo isso como um processo de aceleramento. Em 1973, o Estatuto do Índio já previa que todas as terras indígenas seriam demarcadas em cinco anos. Depois, no ato das disposições constitucionais transitórias, também previram este prazo de cinco anos para demarcar todas as terras indígenas. O que temos agora é a efetivação do que está na Carta Constitucional de 1988", disse.
Ela pondera que, além da demarcação e homologação, agora é necessária a desintrusão de possíveis invasores dentro das TI demarcadas. "Não é possível, juridicamente, que dentro de uma terra indígena se permita a ocupação de não-índios, de fazendeiros ou agricultores", disse. Os pequenos agricultores, nestes casos, devem ser reassentados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Temer acena revisão das demarcações
Segundo reportagem da Agência O Globo, o vice-presidente Michel Temer (PMDB), que pode assumir a presidência por 180 dias a partir do próximo dia 11, foi alertado sobre a rapidez das demarcações em uma reunião com Frente Parlamentar do Agronegócio na quarta-feira (27). Temer demonstrou assombro com a rapidez que o governo imprimiu ao assunto. E o peemedibista teria acenado aos deputados que revisará todas as desapropriações.
Eloy afirma que o movimento indígena está "atento" e se posiciona, como APIB, contra um processo de ruptura democrática. "A gente sabe que ele tem compromissos com os ruralistas. E do ponto de vista jurídico, é possível. Todo ato jurídico é passível de anulação. Mas ele terá que apontar qual o vício jurídico daquele ato para anular, não será simplesmente rever estes decretos", argumentou.
Juliana assegura que não é dado ao administrador público o poder de retardar processos de demarcação que estão finalizados. "Em tese, é um ato jurídico perfeito. As demarcações têm sido feitas com base na Constituição, no Estatuto do Índio e no decreto 1775, que regulamenta a demarcação de terras indígenas. Não há porquê se rever demarcações feitas dentro da legalidade. Existe um cumprimento de um rito legal. Não é favor, presente. Não é revanchismo. É uma obrigação legalmente imposta", disse.
Ela explica que o direito dos indígenas é originário, ou seja, anterior a qualquer outro e a qualquer outra pessoa. "Estando ou não demarcadas as terras, eles já têm esse direito. A demarcação vem só declarar que aquela terra já é indígena. É obrigação do Poder Executivo demarcar terras indígenas. É uma atividade vinculada. Não é um ato discricionário. Não é como se eu tivesse um dinheiro e pudesse escolher entre construir uma escola ou uma ponte. A demarcação de terras indígenas não tem margem de escolha. Ela deve ser feita, verificada que é tradicionalmente ocupada", disse.
A assessoria da Vice-Presidência foi procurada, mas até o fechamento da reportagem não retornou com uma resposta sobre o assunto.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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