A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a prática de crimes cibernéticos votará na manhã desta quarta-feira (4) o relatório final produzido pelo deputado federal Esperidião Amin (PP-SC), que recomenda propostas de leis para a regulação da rede mundial. Alguns destes projetos modificam o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), aprovado em 2014 e fruto de extensas discussões entre o governo e a sociedade civil. Se aprovados, eles devem ser encaminhados ao Plenário com prioridade.
O ponto que as organizações e entidades técnicas consideram mais problemático (e o único no qual os deputados não entraram em acordo durante os debates desta terça-feira) é a alteração do artigo 9º do Marco Civil da Internet, que trata da neutralidade da rede. A mudança permitiria que juízes bloqueassem aplicativos e sites no caso de conduta ilegal, como o que ocorreu com o Whatsapp nesta segunda-feira (2).
Veridiana Alimonti, advogada e coordenadora executiva do Coletivo Intervozes, classifica essa alteração como "uma semente" para a violação da neutralidade da rede. "É ela que garante que não haverá discriminação entre os pacotes de dados em razão dos conteúdos, de destino, origem, terminal ou aplicação, a não ser em caso de requisitos técnicos adequados em serviço de emergência".
É o que também afirma Flávia Guimarães, conselheira da associação de consumidores "Proteste" e representante do terceiro setor no Comitê Gestor da Internet (CGI). "É uma medida desproporcional e que não está adequada à finalidade do Marco Civil da Internet, que tem dois pressupostos de uso: a privacidade e a liberdade de expressão", disse.
O artigo também fere o princípio de "inimputabilidade da rede", previsto nos Princípios Para a Governança e Uso da Internet no Brasil (aprovados em 2009 pela CGI), no qual se afirma que o combate a ilícitos na rede deve atingir os responsáveis finais, e não os meios de acesso e tráfego de dados.
Resposta
Em nota de esclarecimento, os sub-relatores Sandro Alex (PSD-PR) e Rafael Motta (PSB-RN) afirmaram que a alteração seria aplicável apenas em casos de crimes graves, como “terrorismo, crimes hediondos, tráfico de drogas, pedofilia, tráfico internacional de armas, violação de propriedade intelectual, crimes contra a propriedade industrial e violação de direito de autor de programa de computador”.
Para Veridiana, a listagem de violação de direitos autorais reflete "um lobby muito forte no Congresso" para que se possa bloquear aplicações que serviam ao acesso a conteúdos protegidos por direitos autorais. "É desproporcional comparar crime hediondo com violação de direitos autorais", denuncia.
Ela afirma ainda que o argumento pode ser utilizado para retirar conteúdos online que sejam satíricos ou críticos, sob a alegação de violação aos direitos autorais. Ela alerta que casos como o que ocorreu com um esquete do humorista Rafucko satirizando o Jornal Nacional em 2013 (ele teve seu vídeo excluído do YouTube), podem ser cada vez mais comum.
"Esta combinação do incômodo de certos setores com um lei como esse de direitos autorais, somada ao fato de termos uma legislação restritiva, faz com que a possibilidade de bloquear aplicações nos coloque em uma situação de risco de censura online", disse.
O texto pondera que a lei seria aplicada somente sobre os softwares que não têm representação no Brasil. "Mas pessoas usam muitos apps que não são brasileiros", diz a advogada. Ela acredita que a proposta pode ser lida de forma "torta" na punição de crimes online. "Em vez de responsabilizar os usuários finais, o Legislativo insiste em responsabilizar a própria internet e a própria rede. Você retira um aplicativo e um site inteiro do ar, que tem conteúdos legítimos, por causa de alguns conteúdos que violam a lei. Isso compromete a estabilidade e confiabilidade da rede", disse.
"O ideal seria uma supressão desse item. Essa alteração no Marco Civil, neste momento, é muito inoportuna. Ele acabou de ser aprovado, o decreto que vai regulamentar questões nem foi editado ainda. Esses crimes já estão previstos no Código Penal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)", afirmou Flávia. Ela afirma que, caso não consigam a exclusão, o ideal é retirar a menção aos direitos autorais, como propõe a deputada Laura Carneiro (PMDB-RJ).
Projeto excluídos do relatório
Inicialmente, o relatório da CPI propunha oito projetos de lei, mas dois deles foram excluídos por pressão e mobilização de setores que debatem sobre a liberdade e a privacidade na internet. Um deles é o que determinava que provedores de internet retirassem do ar conteúdos ofensivos à honra em até 48 horas após a notificação pelos ofendidos.
A segunda proposta retirada pelo relator Esperidião Amin foi a que permitia que autoridades de investigação, como delegados e membros do Ministério Público, requisitassem do provedor de internet endereços IPs (que permitem a identificação da conexão) sem ordem judicial. Atualmente, o Marco Civil da Internet prevê que o endereço IP só poderá ser fornecido mediante decisão judicial.
Flávia Guimarães lembra que a aprovação do relatório na CPI não significa que as leis entrarão em vigor. "Temos que pensar que os projetos ainda não foram aprovados e fazer um trabalho para mudar aquilo que não foi alterado até agora. Certamente há possibilidade de pressionar os deputados", acredita.
Invasão de computadores
Outra proposta criticada é a que tipifica o crime de invasão de computadores. O projeto de lei alteraria o artigo 154-A do Código Penal, que prevê "a invasão de dispositivo informático alheio". Para Veridiana, o texto cria uma figura penal muito vaga, que criminalizaria qualquer pessoa que acesse indevidamente um sistema informatizado e exponha os dados ao risco de utilização.
"Outro exemplo: tem muitos hackers que fazem testes de segurança em sistemas, para depois alertarem sobre falhas de segurança", citou. "Todas essas medidas que são restritivas deveriam ser mais objetivas. É tudo muito subjetivo. Quando você vai tratar de restringir direitos, tem que ser muito mais cirúrgico", adicionou Flávia.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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