Os teatros municipais do Rio de Janeiro têm hoje um modelo de gestão que privilegia as empresas privadas ao invés das companhias teatrais. Dos nove teatros municipais existentes na cidade, apenas dois são geridos pela Secretaria Municipal de Cultura, enquanto os outros são administrados através da “residência artística”. Nesse modelo, uma chamada pública é aberta para concorrência de todos as companhias teatrais, empresas privadas ou organizações sociais (OSs) interessadas, tornando difícil a ocupação dos espaços culturais pelas pequenas companhias artísticas.
Uma das exigências para se candidatar à gestão de um teatro da rede municipal é de que o capital social ou o patrimônio líquido do prestador de serviços seja igual ou superior a 10% do valor do espaço cultural que será administrado. Essa soma é muito alta e faz com que a concorrência seja inviável para uma companhia teatral de pequeno porte, por exemplo.
O Teatro Municipal Serrador, Sala Brigitte Blair, na Cinelândia, é exemplo de um desses espaços hoje geridos por uma OS. Fechado desde 2013, o teatro, que pertence à atriz Brigitte Blair, foi reinaugurado em janeiro deste ano, quando passou a ser alugado pela Prefeitura do Rio. De acordo com a Secretaria Municipal de Cultura, a revitalização custou R$ 600 mil e durou seis meses.
“Falar que isso é residência artística é uma apropriação indevida do termo porque pressupõe que o critério de seleção seja a qualidade artística do projeto. Isso não é verdade, pois o edital impede as pequenas companhias de, ao menos, terem a oportunidade de concorrer com suas propostas. Os critérios não são artísticos, mas sim financeiros”, afirma Moacir Chaves, diretor da companhia Alfândega 88, que ocupou com atividades artísticas o Teatro Serrador enquanto o local esteve fechado, entre 2013 e 2015.
Empresas querem lucrar
O diretor destaca ainda que o problema não está em uma empresa privada gerir um espaço cultural público, mas sim que tenha interesses comerciais. “Essas empresas não podem entrar nos espaços públicos visando lucro. Se não, acontece como no Maracanã: a população não consegue frequentar, fica caríssimo”, acrescenta.
Procurada pelo Brasil de Fato, a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Cultura afirmou que a residência artística foi o modelo escolhido para oferecer à classe artística a oportunidade de gerir os espaços culturais. Nesse sentido, o processo de seleção é aberto para quem quiser concorrer. Quanto aos altos valores de capital social exigidos pelos editais, a assessoria afirmou que acredita serem justos e não exorbitantes.
Para Aderbal Freire Filho, um dos mais consagrados diretores de teatro no Brasil, o modelo ideal é aquele em que a companhia e os atores assumem a gestão dos teatros. “Na França, na Alemanha e em todos os grandes teatros do mundo funciona assim. Os artistas têm que assumir os teatros e terem meios para difundir e aprofundar o conhecimento, a arte, a experimentação, os estudos. Esse é o papel do teatro público. De forma nenhuma deve visar o lucro. É necessário um artista que conheça o potencial do espaço para colocar em ação toda sua capacidade de criação”, afirma o diretor, que na década de 1990 ocupou o Teatro Glaucio Gill com a inovadora companhia Centro de Demolição de Construção do Espetáculo (CDCE).
Utopia fora dos planos
Por outro lado, para o teatrólogo Amir Haddad, fundador do grupo Tá na Rua, os grupos de teatro que assumem a função de gerir os espaços culturais mal conseguem montar, produzir ou apresentar seus próprios espetáculos. “Acho que a iniciativa privada especializada em terceirizações não seria capaz de fazer um planejamento administrativo que ajudasse a parte artística do teatro a implantar suas políticas culturais. A utopia não está em seus planos”, afirma.
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