Minas Gerais

Coluna

A escala do esquema

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Aécio quis ser ator principal do golpe e foi coadjuvante

"Quem não conhece o esquema do Aécio?”, pergunta Sérgio Machado a Romero Jucá. Na verdade, trata-se de um desses jogos de linguagem em que se afirma por meio de uma pergunta retórica. A resposta, que não precisa ser dada porque evidente, é: todo mundo conhece o esquema do senador mineiro. Aécio consagra, em cinco citações nominais no diálogo vazado, seu papel na história recente do país. Quis ser ator principal do golpe e foi coadjuvante. Sua grandeza, mais uma vez, está na pequenez de sua estatura política. E não se trata de juízo de adversário.

Parecem ser do conhecimento de todos, sobretudo dos amigos e parceiros, os estratagemas operados por Aécio Neves, o que responsabiliza as autoridades a dar ciência ao país do que parece ser uma afronta continuada contra as instituições. Não se trata de uma acusação pontual, mas da denúncia de uma sequência de atitudes condenáveis, um “esquema”. Também não parece ser algo passível de interpretação, mas da afirmação explícita de um comportamento repetido e contumaz, que é objeto não apenas de reconhecimento, mas de escárnio.

São muitas as frentes que vêm sendo, ao longo dos últimos anos, apontadas como desvios do comportamento republicano (para usar uma palavra, não uma atitude, ao gosto tucano) do senador mineiro. Todas as denúncias foram arquivadas, deixadas de lado, engavetadas, negadas sem contestação mais rigorosa. Imantado pela imprensa familiar, por relações fortes com o Judiciário e por uma poderosa máquina de propaganda, Aécio deixou de aproveitar até mesmo as chances dadas pelas circunstâncias para se explicar de vez. 

No entanto, agora, a citação nominal e indiscutível de um aliado, que se apressa até mesmo em profetizar que Aécio será “o primeiro a ser comido”, cria uma situação insustentável para o Ministério Público, o STF e a Polícia Federal. Se o próprio governo conspirador deu fé à tagarelice dos corruptos, ao ponto de afastar Romero Jucá do ministério, por que o senador mineiro ganharia anistia prévia dos mesmos deslizes? Afinal, o que está em jogo a partir de agora não são descaminhos pessoais, mas a sustentação de modos genéricos de corrupção.

Mesmo no contexto de alta ilegitimidade do governo Temer, há uma exigência em vigor na cidadania brasileira que prescinde de partidos e ideologias. Uma atitude que aponta para a única superação possível da crise por que passa o país: o resgate das instituições. Por isso, em vez de falar desse ou daquele investigado ou acusado, merece atenção especial a constituição, plasmada no tempo, de operações ordenadas de corrupção, de estratégias repetidas de crimes, de práticas voltadas para a eternização de delitos e manutenção de máquinas de poder. É o que parece diferenciar Aécio Neves de seus pares: a escala do esquema.

O senador mineiro pode não ser o mais voraz na busca de recursos de fontes públicas para financiar projetos políticos pessoais, mas parece ser o mais constante. Talvez não seja o mais ambicioso na mescla entre público e privado, mas é o menos reticente em seus gestos, que vão do chão aos céus. Quando se trata de obras questionadas, seu patamar vai à escala das cidades (administrativas) e das arenas de futebol. No tocante ao uso de recursos constitucionais da saúde para outros fins, maquiou com a água da Copasa investimentos denegados aos mineiros, conforme inquérito do Ministério Público.

Todas essas ações, somadas às citadas no diálogo entre Jucá e Machado, entre elas a indicação de ilicitudes na campanha de Aécio para a presidência da Câmara, configuram um método. É, no entanto, obrigatório que se reconheça que não se trata de uma invenção do tucano, embora ele tenha dado às suas ações uma feição bastante peculiar, uma personalidade, o que avulta, acima de tudo, é exatamente a existência de um esquema, a primazia de um esquema, a égide de um esquema.

Como todo fogo amigo, o vazamento da conversa já começa a deixar digitais salientes, o que é problema dos sócios do crime. Eles que se comam entre si, não importando quem vai primeiro. Para o país e suas instituições, se tornou obrigatório, desde já, cumprir a missão indicada pelos fatos, sob o risco de que a Justiça e todos os outros órgãos de controle se sintam confortáveis em, a partir de agora, fazer parte do esquema.