Militantes do Movimento Cultural das Periferias, trabalhadores da cultura e estudantes secundaristas participaram de uma audiência pública para tratar da Lei de Fomento Cultural às Periferias em São Paulo. A sessão foi realizada na noite desta segunda-feira (30) na Galeria Olido, no Largo do Paissandu, no centro da capital paulista. O PL 624/2015 já foi aprovado em primeira votação na Câmara de Vereadores e, com a realizaçao desta nova etapa, já pode voltar ao plenário da Casa.
A lei é um projeto que nasceu da articulação de coletivos que atuam em bairros das zonas leste e sul. Se aprovado como está, a prefeitura terá de implementar um programa de fomento que irá direcionar entre R$ 100 e R$ 300 mil a projetos de coletivos culturais. Cerca de 70% do orçamento total do programa irá para regiões periféricas, onde também se concentram a população de menor renda, 23% para regiões intermediárias e 10% para bolsões de pobreza na região central.
“É muito importante que a gente aprove essa lei para que a gente possa escrever, colocar a nossa leitura da cidade nas páginas dos livros da cidade. Qualquer biblioteca do Brasil conta a história da ocupação do Municipal pelo movimento modernista. Do mesmo jeito que a gente não quer tirar nada, nenhum recurso do Teatro Municipal, nós queremos que os 170 milhões - ou os tantos mais - estejam nas periferias. Queremos escrever uma outra configuração na cidade”, afirmou Josué Mavayalunga, do Sacolão das Artes, durante sua fala na audiência que foi acompanhada pela secretária de Cultura, Maria do Rosário Ramalho, e os vereadores Nabil Bonduki (PT) e Reis (PT).
Etapas
R$ 14 milhões já haviam sido previstos para o programa no orçamento desse ano, cuja lei tramita desde 2015. No entanto, o recurso foi contingenciado e agora precisa ser liberado. Tanto Bonduki, que ocupava o cargo de secretário municipal de Cultura até abril, quanto a atual secretária Maria do Rosário, afirmaram que o projeto tem apoio do Executivo, incluindo o próprio prefeito, Fernando Haddad.
“A prefeitura está arrecadando menos do que esperava. Então uma parte do orçamento está congelada e as emendas do orçamento também estão. Então isso [liberação de verba] dependeria de um esforço que o prefeito teria que fazer junto com a Secretaria de Finanças de tirar de algum lugar que está liberado e poder passar para o fomento à periferia”, afirmou a secretária. “Mas nossa proposta é que a lei seja aprovada o mais rápido possível e que a gente consiga fazer um edital e pagar a primeira parcela ainda esse ano”, afirmou.
Defesa
Os coletivos argumentam que a maior parte do orçamento da cidade é destinada a regiões ricas e que, por isso, estão “defendendo o óbvio”. “Defender o óbvio é defender uma cidade mais justa, igualitária. Uma cidade onde homens e mulheres; pretos, brancos e índios; homossexuais e heterossexuais tenham a participação e representação igualitária. É entender que não precisava nem de uma lei dessas tramitando na Câmara de Vereadores”, afirmou Jesus dos Santos, integrante do Movimento Cultural das Periferias.
“O que a gente faz como cultura extrapola [as atribuições] a Secretaria de Cultura. O que a gente faz também é saúde, educação, direitos humanos. Na cultura a gente repara tudo isso, todas as políticas públicas que são negadas para a gente”, acredita o poeta Luan Luando.
Empoderamento
Além de garantir recursos para a continuidade de iniciativas culturais, a lei vem sendo considerada um importante marco da articulação entre os diversos coletivos existentes nas periferias da cidade e do amadurecimento do movimento cultural periférico. “Hoje o sujeito político capaz de puxar a transformação, e que está produzindo essa transformação nas periferias, é esse movimento. A Lei de Fomento às Periferias, mais do que ser uma lei, demonstra a nossa capacidade de escrever uma lei. Acho que nós derrubamos o principal estigma da periferia que era o da incapacidade”, afirmou José Socó, da Comunidade Cultural Quilombaque, de Perus.
“Hoje nós estamos aqui fazendo uma coisa que diz assim: nós temos capacidade. Sabemos ler, sabemos escrever, sabemos discutir orçamento. Hoje é a liberdade. As dificuldades, de onde vai vir o dinheiro, etc, fazem parte. Só que com essa força, com essa identidade, com essa raiz não tem dificuldade que pare a gente”, completou.
Protagonismo
“A política não é só feita por eles que estão nas estruturas de poder, a política é feita pelo povo. (...) A lei de fomento é só o começo. É vergonhoso para um governo, é vergonhoso para os administradores dessa cidade saber que a maioria do orçamento, em todos os setores - não só na cultura não! - está nas regiões mais ricas da cidade. Esse mapa nos mostra que o governo governa para as pessoas mais ricas. A gente luta para descentralizar”, disse o poeta Luan Luando.
Edição: Simone Freire.
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