Em 1963, quando o Brasil vivia uma turbulência política que culminaria com o golpe, Antonio Trindade (Eduardo Moscovis) se encantou com as propostas de reforma do presidente João Goulart e saiu em busca da terra bíblica de Evilath, o paraíso na terra. Com a promessa de que a construção de Brasília possibilitaria uma vida melhor, com trabalho e dignidade, Antonio saiu de Minas Gerais com a mulher, Nancy Emediato (Simone Iliescu), e os três filhos para tentar a sorte e realizar o sonho de, finalmente, viver bem.
Esta é a trama de O Outro Lado do Paraíso, filme de André Ristum que estreia nesta quinta-feira (2) nos cinemas. Baseado no livro homônimo e autobiográfico do jornalista mineiro Luiz Fernando Emediato, a história é narrada por Nando (Davi Galdeano), o filho de 12 anos que é obrigado a acompanhar os pais nesta aventura. Cheio de amor, admiração, orgulho e, muitas vezes, tristeza, o menino relata a busca alucinada do pai por um futuro melhor, os laços de solidariedade que se costuraramm entre os trabalhadores e dentro da comunidade de Taguatinga, onde moraram.
Antes de decidir que se mudariam para a capital nacional, Antonio Trindade vivia na estrada à procura de trabalho, e sua mulher se sentia muito solitária. Em Brasília, Nancy tem a impressão que, enfim, tinha encontrado seu porto seguro, um lugar seguro que traria tranquilidade para toda a sua família. A vida ali seria simples porém feliz, onde sempre poderiam contar com a ajuda dos vizinhos, da igreja e dos companheiros de trabalho de Antonio.
A filha adolescente, Suely (Camila Márdila, de Que Horas Ela Volta) logo se apaixonou por Ricardo (Iuri Saraiva), um jovem soldado que se encantou pela moça. Já Nando, ainda contrariado com a mudança, continuava a sofrer a ausência de seu primeiro amor, que havia deixado em Minas. Mas quando o menino conhece Iara (Maju Souza), filha de sua professora Iolanda (Adriana Lodi), sua vida também começa a ganhar outras cores. Brota no garoto dois novos amores: a paixão pelos livros e pela atrevida Iara. É exatamente aí que nasce seu desejo (futuramente realizado) de tornar-se escritor.
Mas quando a vida parecia entrar nos eixos, a chegada dos generais ao poder faz com que os sonhos de todos comecem a ruir. E o pequeno Luiz Fernando vê o pai derrotado e abatido desistir de procurar pelo tão almejado paraíso na terra.
Sonhos e memórias
O segundo longa-metragem de André Ristum apresenta a dura realidade política e social do Brasil de meados dos anos 1960 pelo olhar inocente de uma criança que, no futuro seria o autor de Um Projeto Para o Brasil, Trevas no Paraíso, Geração Abandonada, Verdes Anos, entre outras obras. O Outro Lado do Paraíso mostra a importância de pessoas como Jorjão (Flavio Bauraqui), um sindicalista que luta por condições dignas de trabalho, e Marina (Stephanie de Jongh), uma alfabetizadora de adultos discípula de Paulo Freire, pessoas que, assim como o pai de Nando, também sonhavam com um mundo mais justo para todos.
Trata-se de um filme de memórias pessoais baseado em fatos reais. Porém, o longa vai além disso: de maneira simples e aparentemente sem pretensão, além de resgatar um período importante e terrível da história do país, ele faz uma emocionante metáfora sobre o sonho. “Contado assim, parece um romance de formação, um menino candidato a escritor descobrindo o amor e a vida enquanto o pai inquieto divide-se entre a obsessão bíblica de achar a terra prometida e a luta política pela libertação, ainda que não fosse comunista. Para mim, é algo maior. É preciso ver o filme para entender, no final, a metáfora do sonho. E perceber com algum espanto que, assim como em 1964, o Brasil está hoje diante do mesmo abismo. O paraíso existe ou é possível de ser construído? Como? Existe saída para nosso impasse secular? É disso que esse filme trata. De possibilidades e impossibilidades. Da maneira mais simples possível, encontrada magicamente pelo diretor André Ristum”, afirma Emediato.
Para a produção de O Outro Lado do Paraíso foi construída uma cidade cenográfica de cerca de 20 mil metros quadrados nos arredores de Brasília e foram utilizados efeitos de computação gráfica para reconstruir parte da capital federal como ela era no final dos anos 1960, quando ainda estava em construção. Além disso, imagens históricas também compõem o filme: cenas do documentário Brasília – Contradições de Uma Cidade Nova, de Joaquim Pedro de Andrade, e registros inéditos feitos por Jean Manzon no dia do golpe, 1° de abril de 1964, com tanques de guerra e soldados espalhados pelas ruas da capital. A trilha sonora composta por Patrick De Jongh tem participação especial de Milton Nascimento, que toca sanfona, violão e cavaquinho e interpreta, com vocalizes, a canção original.
O longa-metragem ganhou o prêmio de melhor filme do júri popular no Festival de Gramado e outros sete prêmios no Festival de Brasília, o Troféu Câmara Legislativa, incluindo Melhor Filme na escolha do público, Melhor Ator (Davi Galdeano), Melhor Atriz (Simone Iliescu) e Melhor Roteiro. Ainda recebeu os prêmios de Melhor Filme, Melhor Atriz (Maju Souza) e Melhor Filme pelo Júri Popular Jovem no Festival Latino-americano de Trieste, na Itália, e o Premio Radio Exterior de Espanha para o longa metragem que melhor reflete a realidade latino-americana, no Festival Latino Americano da Catalunha, em Lleida, na Espanha.
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