A criminalização dos movimentos sociais em Goiás foi tema de uma audiência pública realizada na manhã desta quinta-feira (16), na sede da Assembleia Legislativa do Estado (AL-GO). Lideranças e militantes debateram o aumento da violência contra os movimentos populares, em especial aqueles ligados à causa agrária. Atualmente, Goiás tem três presos políticos, por determinação do Poder Judiciário. O MST atribui as prisões às manobras patrocinadas por mandatários do agronegócio.
Durante o evento também foi divulgado o Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno, que será lançado oficialmente esta noite, na Universidade Federal de Goiás (UFG), com a presença de João Pedro Stédile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). O Comitê foi criado para apoiar e defender a luta dos movimentos sociais e irá denunciar todos os casos em que forem constatadas violações aos Direitos Humanos, em especial as que forem relacionadas a grupos socialmente vulneráveis.
“Este é um momento em que vivemos um retrocesso em diversas áreas. (...) A lógica conservadora quer criminalizar ainda mais a pobreza, por isso precisamos ficar atentos, organizados e articulados, para que isso não seja uma brecha para outras perseguições”, disse Ângela Cristina Ferreira, membro do recém-criado Comitê.
As instituições que compõem a entidade temem que a postura do Judiciário de Goiás crie precedentes para empoderar policiais, gestores, promotores de Justiça e operadores do direito em geral, para enquadrar os grupos populares como organizações criminosas em outras regiões do país. “Isso é um risco seríssimo e a criminalização dos movimentos afeta sobretudo a questão agrária”, destacou o superintendente regional do Incra em Goiás, Gilson Filho.
A prisão de militantes da causa agrária tem sido um dos motores da aglutinação dos grupos de esquerda em Goiás, que hoje lutam não só pela volta de Dilma Rousseff à presidência, como também pela liberdade dos três militantes que atualmente estão encarcerados. “Estamos enfrentando uma barra porque meu pai não é nenhum criminoso. Ele está apenas lutando por um pedaço de terra, como todos os brasileiros devem fazer”, disse Loraine Borges, filha do agricultor Luiz Borges, preso em abril, em Rio Verde (GO).
A audiência foi puxada pela deputada Isaura Lemos, presidenta do PCdoB de Goiás, e também contou com a presença da deputada estadual Adriana Accorsi (PT). Além do MST, participaram membros de diversos movimentos e entidades, entre eles: Central Única dos Trabalhadores (CUT); Delegacia do Desenvolvimento Agrário de Goiás; Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura do Centro-Oeste; Centro Popular da Mulher; movimento “Juristas pela Democracia-Goiás”; além de sindicatos, pesquisadores e profissionais de políticas públicas.
Entenda o caso
No dia 14 de abril deste ano, três juízes de comarcas do interior de Goiás expediram mandados de prisão contra os pequenos agricultores Luiz Batista Borges, Diessyka Santana e Natalino de Jesus, do acampamento Padre Josimo (GO), e contra o geógrafo José Valdir Misnerovicz, conhecido por sua militância em defesa da reforma agrária.
Ao comparecer à delegacia para depor, Luiz foi preso no município de Rio Verde (GO), onde se encontra até hoje. Já Valdir foi preso no dia 31 de maio, quando estava em viagem à Veranópolis (RS), numa operação conjunta das Polícias Civis de Goiás e do Rio Grande do Sul. Transferido em seguida para Goiânia, ele se encontra atualmente no Centro Penitenciário de Goiás (Cepaigo). Os outros dois militantes, Diessyka e Natalino, estão exilados pelo Movimento.
Eles são alvo de um processo judicial que busca enquadrar o MST como organização criminosa, com base na Lei nº 12.850/2013. Os mandados se relacionam à ocupação de uma parte da usina Santa Helena, em recuperação judicial, onde há mais de 1.500 famílias ligadas ao MST. "A criminalização da pobreza e dos movimentos sociais alimenta o monstro do poder punitivo do Estado", afirmou o advogado do MST e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) Allan Ferreira, para quem há uma deturpação intencional da referida legislação.
Nessa quarta-feira (15), um outro militante da causa agrária, Lázaro Pereira da Luz, foi preso no município de Itapaci, a 240 km da Capital, em circunstâncias ainda não devidamente esclarecidas. Ele está sendo acusado de ocupação de terra (tecnicamente chamada de “esbulho possessório”), porte ilegal de arma e organização criminosa.
"Essa criminalização, que não é novidade, se baseia numa distorção da legislação penal. É uma estratégia política para tentar acabar com os movimentos sociais. (...) As acusações que pesam sobre o MST não têm qualquer elemento de materialidade. O MST não foi criado pra cometer crimes, e sim pra implementar a reforma agrária", salientou o advogado.
Estatísticas da violência
Durante a audiência foi destacada ainda a preocupação do MST com a escalada da violência. “Nunca se prendeu nem nunca se matou tanto no Brasil, e a polícia age sob a pressão de latinfundiários e grileiros”, disse Allan Ferreira.
A declaração dele encontra justificativa nos números. Segundo dados apresentados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2015, foram registrados no país 1.217 conflitos no campo, sendo 998 deles conflitos de terra. Apesar de o número ser menor do que o registrado no ano anterior (1.286), a estatística de assassinatos no campo subiu de 36 para 50 no mesmo intervalo de tempo.
“Desse total, 47 foram foram somente na região da Amazônia. (...) Este é um momento em que precisarmos nos unir para lutar contra o aumento do processo de criminalização”, destacou Fábio José da Silva, representante da CPT no evento. Os dados apresentados por ele compõem a publicação “Conflitos no campo no Brasil - 2015”, editada pela Pastoral e lançada oficialmente durante a audiência.
Visão conservadora
Durante a audiência, a mesa debatedora destacou que os militantes de Goiás têm uma dificuldade histórica em dialogar com as forças de segurança e com o poder público em geral. “Aqui a questão fundiária sempre foi tratada como caso de polícia. O que significa um estado que coloca a Secretaria de Segurança Pública para discutir a reforma agrária? Isso é um absurdo e precisa ser cada vez mais denunciado”, criticou Gilvan Rodrigues, do MST de Goiás.
Ele destacou ainda que discutir a questão da terra como tema de segurança pública desvirtua a imagem do Movimento. “É importante dizer que a ocupação de terras no Brasil é legítima e está garantida pela própria Constituição Federal, que diz que áreas que não cumprem a sua função social têm que se destinadas à reforma agrária”, lembrou.
O governo
Em nota, a assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária de Goiás (SSPAP-GO), que acusa os militantes presos de terem cometidos crimes, “destaca o empenho das forças policiais goianas e reafirma que não haverá condescendência com nenhum tipo de crime cometido em Goiás, onde os direitos individuais e coletivos precisam ser respeitados na forma da Lei – assim como a manutenção da ordem pública – e onde a polícia atua no enfrentamento ao crime, seja ele contra a vida ou contra o patrimônio público ou privado, entre outros tipos. A polícia goiana trabalha de forma rigorosa na defesa da paz social e da população”.
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