Quais os limites éticos da polarização político-ideológica do atual contexto brasileiro? Qual a importância do diálogo em tempos de intensa proliferação de ódio nas redes sociais? Como a difamação via internet afeta a vida prática de quem é vítima do problema? Essas e outras reflexões são o substrato do novo livro do jornalista e cientista político Leonardo Sakamoto, que esteve em Brasília nessa quinta-feira (30) para o lançamento da obra.
“O que aprendi sendo xingado na internet” (Ed. Leya, 2016) é resultado da própria experiência do autor, uma das figuras públicas brasileiras que hoje são vítimas da intolerância e da difamação gratuita no mundo virtual. As agressões sofridas nos últimos tempos deram a tônica pra que ele organizasse as reflexões no livro, que, mais do que lançar luz sobre o tema, constitui uma espécie de guia com orientações sobre como trocar a beligerância pela tolerância no espaço virtual.
Ao discorrer sobre a questão, Sakamoto reflete sobre diversos pontos que atravessam a temática do discurso de ódio nas redes, incluindo a necessidade de não classificar a internet a partir de uma ótica maniqueísta. “Ela não é boa nem má. É uma plataforma de construção da realidade. O que ocorre é que algumas plataformas podem levar a uma desumanização se você não tomar cuidado, porque elas têm ferramentas que muitas vezes impedem a geração de empatia entre as pessoas”, disse.
No tatame das disputas político-ideológicas, tem sido frequente a confusão entre discurso de ódio e liberdade de expressão. “Tanto nos Estados Unidos como aqui se vendeu a ideia de que a liberdade de expressão é um direito absoluto, e isso não é verdade. Ela tem limites, que é justamente quando ataca outros direitos, como as liberdades individuais, por exemplo. Aqui no Brasil ainda tem o fato de isso se confundir com liberdade de imprensa, que também se confunde com liberdade de empresa, mas nenhuma dessas liberdades existe absolutamente. Todas elas são limitadas pelo dano que podem causar a outros direitos”, analisou o jornalista.
Perenidade da difamação
Outro ponto salientado durante o debate foi a capilaridade das informações falsas na internet e a consequente dificuldade de reparar o dano causado às vítimas, fazendo com que as difamações sejam dolorosas.
“A mentira tem sempre muitos compartilhamentos. No meu caso, já tive que repassar algumas mensagens de ameaça para a Polícia Federal, por uma questão de segurança pessoal. As pessoas que fazem isso querem matar a nossa credibilidade exatamente porque a gente vai conquistando leitores, aí elas querem matar a gente em vida. Para isso, precisam nos converter em pessoas más, através de boatos e mentiras, que têm cauda longa. E depois, mesmo usando os mesmos canais, é impossível reparar o dano, inclusive porque as pessoas que reproduziram o erro não querem fazer a verdade circular, então, o dano dura muito tempo”, disse Sakamoto.
Pegando carona no mesmo raciocínio, o deputado federal Jean Willys (PSOL-RJ), que participou do debate, destacou os efeitos reais da difamação na vida de quem precisa lidar cotidianamente com o problema.
“A Câmara Municipal de Feira de Santana [na Bahia] simplesmente aprovou uma moção de repúdio a mim por um projeto que nunca apresentei. Segundo eles, eu quero modificar a Bíblia para tirar as partes que seriam homofóbicas. Qualquer pessoa que faça sinapses vai ler essa notícia e vai rir, porque é uma estupidez. Parece até coisa do [site] Sensacionalista, mas a verdade é que essa calúnia está circulando há dois anos na internet. Então, não estamos falando de meros xingamentos que servem ao riso. Estamos falando da vida prática das pessoas que são vítimas do ódio e da mentira nas redes sociais”, desabafou.
Ele também ressaltou que há diferença entre o desconhecimento dos internautas sobre a veracidade das informações e a postura de personagens que agem de má-fé nas redes. “Há o aspecto da ignorância, mas há também a burrice motivada. (…) É o ódio orquestrado e pensado politicamente para isso, aí os ignorantes muitas vezes agem motivados pelo que é produzido por essas quadrilhas formadas na internet. Há muitas delas escondidas em sites apócrifos, alguns hospedados até fora do país, o que dificulta inclusive a localização pela polícia”, disse o deputado.
Educação, mídia e ódio
No contexto da intolerância, Sakamoto sublinhou também a falta de educação para a mídia como um elemento que ajuda a explicar a ignorância, oportunizando ainda mais a proliferação da difamação e do ódio no mundo virtual.
“As pessoas não sabem ler, saem da escola sem aprender a diferenciar conteúdos, então, muitas vezes uma simples mensagem de Whatsapp ganha a mesma validade do que uma matéria bem apurada que mostra que determinada lenda urbana não existe. Por isso seria importante que houvesse uma formação voltada para a mídia, para que elas soubessem diferenciar o joio do trigo e tivessem a sabedoria de não compartilhar ou curtir algo que possa dar vazão a um conteúdo mentiroso”, disse, exemplificando situações que viveu.
Ele acredita que, para qualificar o debate na internet, é necessária a adoção de uma postura que começa fora do espaço virtual. “Se você está numa mesa de bar, por exemplo, e alguém solta uma piada homofóbica e ninguém ri, há duas opções: ou a pessoa que fez isso simplesmente fica com raiva ou ela se dá conta de que vai precisar mudar de comportamento para poder conviver em grupo e em sociedade. Eu me nego a acreditar que o ser humano é machista e homofóbico. O que falta é uma consciência sobre isso. No longo prazo, as pessoas podem mudar de opinião”, reflete.
Esperança
Ao apontar para o futuro, Sakamoto diz acreditar na construção de um espaço virtual mais saudável e tolerante a partir da disposição dos que hoje se propõem a caminhar nesse sentido. “Não adianta a gente ser otimista só no pensamento. Tem que ser otimista na ação também. (…) Eu sempre peço para as pessoas terem paciência porque acho que a mudança social é como uma família tentando atravessar uma avenida movimentada de mãos dadas: a avó vai atravessar lentamente, enquanto a criança e o adulto vão cada um em outro ritmo, e a sociedade só vai mudar quando a família inteira chegar do outro lado. A gente precisa ter essa consciência”, finalizou.
Edição: ---