Coluna

Fiquemos velhos como eles

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Vi aqueles dois norte-americanos fazerem o que autoridades não fizeram

Danny Glover, aquele ator famoso da série de filmes "Máquina Mortífera" e de mais de 60 filmes, esteve em Minas Gerais. Com James Early, irmão de caminhada como se definiram,  conheceram um pouco do que foi o crime da Samarco/Vale/BHP.
Foram 35 horas de intensa agenda, mais de 500 quilômetros por estradas mineiras, incluindo trechos de terra. Difícil explicar como dois homens, mundialmente conhecidos, sendo um deles ator consagrado em Hollywood, toparam esta agenda.
Na manhã do segundo dia de visitas, durante o café da manhã, perguntei ao James Early como se explicava serem pessoas tão simpáticas e simples e ele me respondeu: porque somos velhos! Contou-me como o Danny andava por São Francisco e as pessoas não o assediavam porque ele era dali, nunca cortou as raízes, e como começaram esta jornada que os fazia aceitar compromissos como aquele. Era o tempo e a vivência, na opinião dele, os responsáveis por hoje serem como são. 
Foi em Paracatu de Baixo que vi em Danny Glover o sorriso mais descontraído. Ele conversava com o Divino, morador que se recusou em sair da cidade e vivia sozinho na sua casa. Divino nos ensinava como fazia "metros" de lenha e os dois riram numa cumplicidade que as câmeras não fotografaram. Danny e James escutaram cada história contada: do Marino, presidente da Associação dos Pequenos Produtores de leite, da Maria do Carmo, com a sua horta destruída pela lama, do seu Antônio, que se queixou da solidão imposta pela lama, que continuava destruindo famílias que estavam separadas como a dele e  que, por ali, a empresa 'preocupava com o rio e esquecia da gente'. Conheceu ainda o Elias, também morador de Paracatu e conversou com o Antônio, morador de Bento Rodrigues que nos acompanhava. Generosamente, aqueles moradores reviviam suas dores e tragédias para que suas vozes fossem levadas para outros cantos do mundo.
Percorremos o que eram as ruas da comunidade. James quis saber da cultura negra na região, dos costumes, da religiosidade e escutou atentamente a aula de história que a  Aída, ex-vereadora de Mariana, contou ali mesmo na rua cheia de lama enquanto passavam alguns caminhões da empresa. Não tínhamos banheiro nem pontos de apoio, não existia mais a comunidade. Acho que o abraço mais cúmplice do Danny Glover quem recebeu foi a Letícia, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB),  que atua na organização dos atingidos na região. Vi nos nossos convidados expressões de grande admiração por aquela mulher e toda a corajosa luta que o Movimento faz na região.
Depois, foram quase duas horas de estrada de terra. Fizemos o trajeto da lama de Paracatu de Baixo a Barra Longa e eles puderam testemunhar a devastação ainda presente, apesar dos esforços de maquiagem da paisagem que a empresa está fazendo.
Em Barra Longa, almoçamos num restaurante de sobrado, junto com trabalhadores. E depois, os dois chamaram as cozinheiras para tirarem fotos com eles. Na Câmara Municipal da cidade, ouviram os moradores. Sentaram, sem cerimônias, e ouviram as queixas dos problemas de saúde que antes não aconteciam na cidade, do plano de emergência ineficaz da empresa para o caso de novo rompimento de barragem, das tentativas de suicídio que já ocorreram, dos moradores que estão passando necessidades.  
E Danny Glover falou. Falou que não conseguiu dormir depois de ver o que era Bento Rodrigues, de quão justo era qualquer movimento de reivindicações de direitos daquelas pessoas. Com a voz tranquila que só os velhos têm, disse que o coração dele estava com aquela comunidade na luta pela reconstrução de suas vidas.
Vi aqueles dois norte-americanos fazerem o que muitos deputados e autoridades mineiras não fizeram. Estas chegavam sempre correndo, de helicóptero, conversavam com outras autoridades, tiravam fotos e iam embora. Danny Glover e James Early conversaram com mais pessoas e sujaram mais os pés de lama que aqueles que tinham a obrigação de cuidar do povo. Escutaram as histórias que as pessoas não tiveram até hoje a oportunidade de contar aos daqui.
A generosidade com que nos trataram, o engajamento e a promessa de levarem a denúncia deste crime onde nossas vozes não alcançam me fizeram lembrar de que outro mundo é possível e existem homens e mulheres que já estão na construção deste mundo. Juntemos-nos a eles! E fiquemos velhos como eles.
*Beatriz Cerqueira é Coordenadora-geral do Sind-UTE/MG e presidenta da CUT/MG

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