Nesta terça-feira (5), Akins Kintê, nome artístico de Fabio Monteiro, poeta ativo nos Saraus periféricos de São Paulo (SP), realiza o pré-lançamento de seu terceiro livro, Muzimba - Na Humildade Sem Maldade, no Sarau da Cooperifa.
Nascido e criado em Brasilândia, Zona Norte de São Paulo, Kintê já participou de projetos como o primeiro CD da Banda Alafia e o primeiro DVD do rapper Criolo. Ele também trabalhou como cineasta, tendo produzido três filmes, sendo o mais famoso deles o Várzea, que conta a história do futebol na periferia.
Com um dos poemas presentes no livro, "Duro não é o cabelo", Kintê venceu o 1º Festival de Poesia de São Paulo, realizado no Centro Cultural São Paulo em 2014. Desde então, o poema é um dos hinos do movimento negro da cidade.
Segundo Kintê, o genocídio da população negra é um dos temas principais do livro, além de política, amor e erotismo. "A gente sabe que esta perseguição à juventude negra não começou ontem. A vontade deles é que não existisse nenhum de nós, e todos os dias são criados planos para perseguir e assassinar o jovem negro", afirmou, em entrevista para o Brasil de Fato.
Muzimba - Na Humildade Sem Maldade também vem acompanhado de um CD, que traz os poemas musicados pelo produtor Tico Pro.
O lançamento oficial será no dia 12 de julho, às 19h, na Galeria Olido, região central de São Paulo, através do musical Pelamô, com participações de Ale Ferraz, TicoPRo, MC Preto WIN, Fernanda Coimbra e James Bantu.
A agenda de lançamento conta ainda com eventos nos meses de julho e agosto, em diversos saraus periféricos da cidade. "Marcar esses lugares para mim é importante, porque eu acredito que tem vida nesses bairros e também acredito nessa gente negra", destaca o autor.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato - Quais são os temas tratados neste livro?
Akins Kintê - Os temas tratados no livro são principalmente a questão racial e social, mas eu gosto de trabalhar com erotismo também. Tem um pedaço que é sobre amor, tem um pedaço bonito que se chama Um Sarau para Sueide, que é a moça que eu gosto.
Traz a ideia de samba também, mas sobretudo, eu sempre estou bastante focado na questão racial e social e no lance da periferia. Marcar esses lugares para mim é importante, porque eu acredito que tem vida nesses bairros. Também acredito nessa gente negra. Para mim, é importante ter isso nos meus escritos e músicas.
O que representa lançar um livro para um poeta de sarau da periferia?
Para qualquer pessoa publicar um livro já é muito emocionante, porque a gente acredita nisso como um nascimento mesmo, uma gestação dura. É um livro que eu também tentei passar em alguns editais, como o ProAC [Programa de Ação Cultural, da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo], e não consegui.
Desde o começo do processo, quando eu comecei a pensar em fazer esse livro, há dois anos, eu já sabia que teria que ser de forma independente. Eu acredito muito nesse nosso circuito de sarau de periferia, de movimento cultural independente.
Eu publiquei um livro em 2007 junto com a Elizandra Souza, e nós tivemos uma circulação bacana de lá para cá. Já temos pelo menos 20 saraus marcados para lançar esse livro novo. Eu acredito que, mesmo que essa circulação que nós fazemos seja um trabalho árduo, ela traz grandes recompensas, como a leitura.
O livro tem que estar onde a gente quer que ele esteja: com as pessoas. Acredito que esse livro tem que servir de companheiro para as pessoas pretas como a gente.
Hoje de manhã, eu estava na Fundação Casa com os adolescentes e vi o quanto é importante que essa literatura esteja nesses lugares.
Na última semana, pelo menos três casos de jovens negros assassinados ou desaparecidos foram divulgados na grande mídia. Como os temas tratados no livro se opõem ao genocídio da população negra?
A gente sabe que essa perseguição à juventude negra não começou ontem. A vontade deles é que não existisse nenhum de nós, e todos os dias são criados planos para perseguir e assassinar o jovem negro.
Esses casos recentes não são fatos isolados. A gente está no lugar onde mais se mata jovens negros. Tem um pedaço do livro que chama 'Para os meus Malumbos', onde eu vou tratar dessa questão.
Tem um poema que chama 'juventude negra' também. Tem outro poema famoso nos movimentos culturais que chama "Duro não é o cabelo", que eu falo do cabelo crespo, mas toda hora estou questionando esse genocídio. Tem um poema que chama "Onde sua casa?", que eu pensei em publicar porque falo dos bairros de São Paulo e de Salvador nele.
Fiz esse poema antes daquela chacina cabulosa em Salvador [12 jovens foram assassinados no bairro de Cabula, na capital baiana, às vésperas do Carnaval de 2015]. Eu conheço alguns moradores de Salvador que não queriam mais morar nos bairros por causa dessa perseguição da polícia, mas a maioria queria ficar, porque os bairros têm histórias.
As pessoas queriam que acabasse essa violência, essa perseguição da polícia. Então, depois disso, eu comecei a pensar: "não, esse poema tem que estar no livro, porque a gente tem que gostar de onde estamos. Precisamos de melhores estruturas nas quebradas, mais bibliotecas". Então, os poemas estão dialogando toda hora, batendo de frente com o genocídio da população negra, contra a discriminação dos periféricos.
O que a cultura dos saraus da periferia tem representado na resistência pós-golpe?
Acho que os saraus são consequência dos movimentos hip hop, um movimento que pode ter divergências, mas é todo contra o golpe, contra essa violação que o Brasil vem causando nesses quase 500 anos em que ficou na mão dessa direita conservadora.
Eles têm todas as ferramentas nas mãos deles... A mídia, esses meios de informação que chegam mais fácil na quebrada. Mas a gente precisa ver também como os saraus e os movimentos periféricos de ocupações, principalmente da juventude, têm sido importantes, um contragolpe, uma unha encravada no pé do sistema.
É árduo ficar trampando com isso direto. Não é brincadeira, não é gostoso. É árduo mesmo, mas nós devemos continuar sempre. Eu dou minha contribuição na quebrada. Estou lá contribuindo com humildade, sem maldade.
Acho que os movimentos de periferia são muito fortes. Desde a virada do século 20 para o 21, a gente vê a importância do sarau nas periferias, de pensar a leitura, de pensar a escrita, de usar os bares não apenas para recitar poesia, mas também para discutir a questão racial e social.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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