Ruralistas

Impacto na luta dos povos indígenas e quilombolas será dramático, dizem especialistas

Representantes do Greenpeace, Cimi, MST e do Movimento Muda São Paulo, debateram relação de Temer com o agronegócio

São Paulo (SP) |
Debate lembrou que mais de 300 projetos que tratam de questões de interesse dos ruralistas tramitam no Congresso
Debate lembrou que mais de 300 projetos que tratam de questões de interesse dos ruralistas tramitam no Congresso - Gisele Brito/ Brasil de Fato

Na noite desta quarta-feira (6), representantes do Greenpeace, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), do MST e do Movimento Muda São Paulo, se reuniram em São Paulo para debater as relações da gestão Michel Temer com o agronegócio. Os impactos no meio ambiente, na luta pela terra, dos povos indígenas e quilombolas será “dramático”, segundo os debatedores.

A maioria da bancada ruralista na Câmara dos Deputados votou pelo afastamento da presidenta Dilma Rousseff, o que tornou possível a ascensão de Temer. Caso o Senado confirme o impedimento da presidenta, Temer deverá impor uma agenda completamente comprometida com aqueles que o levaram a cadeira de presidente, afirma Márcio Astrini, do Greenpeace.

“Esse governo não chegou à situação que chegou, essa interinidade, ao acaso. Ele chegou lá com ampla maioria de votação, exatamente com essa bancada do agronegócio e ruralista. Essa votação não se deu por crença no Temer. Ela se deu por um acordo de trocas. A parte do voto já foi dada, agora começa a cobrança. A conta desses votos já está colocada sobre a mesa. E a sinalização desse governo é muito clara de que vai pagar”, explica Astrini

Apesar dos retrocessos já evidentes da gestão provisória, como a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a transferência das atribuições de demarcações de terras indígenas e da reforma agrária para a Casa Civil, Astrini ressaltou que o próprio Temer já declarou que suas reformas só começarão de fato após a conclusão do processo de impeachment, o que deve ocorrer no final de agosto.

“Para fazer o que quer, o governo Temer não vai conseguir apertando os botões que tem lá dentro do gabinete dele ou no Ministério da Economia. Esse governo vai precisar mexer em leis, vai precisar mexer em uma série de estruturas desse país que vão precisar da aprovação desse Congresso. E para fazer vai precisar vender uma série de pautas para esse Congresso extremamente conservador que está aí”, comenta Astrini. 

Pauta ruralista

Segundo levantamento do Greenpeace, mais de 300 projetos que tratam de questões de interesse dos ruralistas tramitam no Congresso, a maioria deles com grandes retrocessos em relação à conquista de direitos para o cidadão comum.

Essas reformas estão centradas na desregulamentação do setor privado, permitindo ao capital fazer o que quiser para obter mais lucro, inclusive danificar mais intensamente a natureza, usar mais agrotóxicos, retirar terras de povos indígenas e criminalizar movimentos sociais. Para tudo isso, terá como principal aliado, a bancada do agronegócio e a estratégia é consolidar os problemas da economia como “mal maior” a ser combatido, o que justificaria qualquer ação.

Os participantes da mesa lembraram que nas gestões de Dilma e do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, as pautas ligadas ao campo e as comunidades tradicionais também sofriam ofensivas negativas, mas ressaltaram que esse cenário tende a se agravar ainda mais agora. “Parece que a crise econômica vivida no nosso país, dá um salvo conduto para que esse governo ilegítimo possa colocar em suspenso todos os direitos já conquistados pelo nosso povo. Tudo é permitido para que possamos salvar a economia do país”, afirma Alejandro Laurindo da Silva, do Cimi. 

“A pauta indígena sempre foi complicada, porque ela afronta interesses econômicos, principalmente dos ruralistas e do agronegócio. A situação já não estava muito boa no governo anterior. O número de terras demarcadas nunca foi tão baixo desde a redemocratização. Mas se a FUNAI sofria um sucateamento, com a ascensão desse governo sofre cortes duríssimos que inviabilizam sua ação. É realmente dramático”, pondera Laurindo.

Luta no campo

Os trabalhadores do campo também deverão enfrentar as mesmas dificuldades, na avaliação de Márcio Santos, da coordenação estadual do MST. “Apesar de cuidarem (Dilma e Lula) muito bem do agronegócio, me parece que não foi suficiente. Precisa de um governo um pouco mais ofensivo aos trabalhadores e ao território brasileiro”, pontua.

Ele conta que a avaliação é que está sendo feira uma implantação “turbo” do neoliberalismo, cujo alvo principal é a retirada de direitos dos trabalhadores, tanto do campo, quando da cidade, acompanhada da criminalização dos movimentos populares.

“Já em abril tivemos o episódio da prisão de dois companheiros do MST, no Paraná. Em Goiás, o judiciário, em conluio com o Governo do Estado, enquadrou o MST como organização criminosa e toda a coordenação política é perseguida politicamente. Temos dois presos e dois com prisão preventiva. O judiciário orienta pela dissolução do MST naquele estado. O Ministério Público aqui de São Paulo entrou com uma ação e um juiz acatou dizendo que o MST e demais movimentos são perigosos para a democracia e que a reforma agrária não pode ser mais privilégio desses movimentos”, descreve.

Observatório

O debate foi promovido pela campanha de financiamento coletivo para o portal de notícia ‘De Olho nos Ruralistas’, que pretende tratar dos impactos dos donos da terra na alimentação, no meio ambiente e nos conflitos pela terra. 

“Temos que fazer um contraponto jornalístico. O Millor Fernandes tinha uma frase famosa: ‘Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados’. No caso do modelo econômico hegemônico, o jornalismo está muito longe de ser oposição e no agronegócio, menos ainda”, justificou o jornalista Alceu Castilho, coordenador da iniciativa. 

A campanha pretende arrecadar pelo menos R$ 72 mil. Até o momento pouco mais de R$ 28 mil foram arrecadados. O prazo para fazer contribuições termina dia 20.

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