Nesta terça-feira (12), camponeses dos movimentos de pequenos agricultores do Espiríto Santo promoveram em Colatina (ES) atos pela anistia das dívidas com o Governo Federal pela concessão de créditos através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). A cidade fica no noroeste do estado, a 131 quilômetros da capital Vitória.
A ação faz parte da jornada de luta "Campo e Cidade: Por Nenhum Direito a Menos", que se iniciou com o acampamento no edifício da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) na segunda-feira (11).
Somente no Espírito Santo, são mais de R$ 8 bilhões aplicados na carteira de crédito agrícola. Dos empréstimos, a previsão é que R$ 1,7 bilhão vençam ainda este ano.
Os camponeses estimam que a intensa seca que o estado sofre há três anos comprometerá cerca de 70% de toda a produção estimada para 2016 e representará perdas significativas na produção agrícola de 2017. Por causa do grande período de estiagem, o governador Paulo Hartung (PMDB) decretou situação de emergência em todo o estado em maio.
Um estudo da Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh) indica que 14 municípios estão em situação de abastecimento extremamente crítico: Ecoporanga, Alto Rio Novo, Barra de São Francisco, São Mateus, Sooretama, Aracruz, São Roque do Canaã, Santa Teresa, Itarana, Serra, Mantenópolis, Itaquaçu, Governador Lindenberg e Pancas. É a pior seca dos últimos 40 anos, afirma o órgão.
Angústia e doença
O dirigente Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Valmir José, afirma que, por causa da seca, as dívidas dos pequenos agricultores "chegaram a um ponto insuportável".
Segundo ele, a crise hidríca tem trazido outros problemas às famílias, como a falta de alimento e a maior vulnerabilidade a doenças. "Já existem casos de depressão e suicídio nas famílias de pequenos agricultores", denunciou o dirigente.
Um dos motivos de tal angústia é que eles não têm como garantir o pagamento das dívidas. "Chegamos ao caos total da agricultura. Grande parcela das famílias já não dispõe de água para irrigação. As medidas apresentadas pelo governo e pelos bancos não resolvem os problemas causados pela seca de forma alguma”, adicionou José.
A coordenadora estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MST), Joselma Maria Pereira, reforça que a prorrogação dos pagamentos dos projetos agrícolas em até dois anos, oferecida pelas intituições financeira com o acréscimo de 10% do valor, ainda é insuficiente.
"Estes juros são injustos. Mesmo se tivéssemos nossas lavouras intactas para produção, não teríamos condições de pagar. (...) Não porque não queremos, mas porque a produção caiu e vamos perder as plantações por falta de água. Muitas famílias estão em estado de emergência", pontuou a dirigente.
Congresso
Também nesta terça, cinco dos 13 deputados da bancada capixaba se reuniram com representantes do MPA e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) para tentar diálogo na intermediação com o Governo Federal na renegociação.
O objetivo é que os municípos capixabas possam integrar a Medida Provisória (MP) 733/16, que estabelece normas para a repactuação e liquidação das dívidas de produtores rurais. A proposta inicial inclui apenas as cidades localizadas na área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).
"Precisamos que o Governo Federal fique autorizado a fazer esta repactuação porque os produtores capixabas não conseguirão pagar essas dívidas. Eles contraíram os créditos rurais, só que a seca comprometeu sua produção e, o pior, comprometeu a lavoura. Sem resolver isso, nada mais é possível fazer", disse o deputado Helder Salomão (PT-ES), presente na reunião.
O petista afirmou ainda que o líder do governo, o deputado André Moura (PSC), comprometeu-se a dar um tratamento diferenciado aos municipios capixabas na tramitação da MP.
Pautas
As 15 organizações que integram o acampamento afirmam que a ocupação não tem prazo para término. "É permanente, até que nossas demandas sejam atendidas", afirmou o dirigente do MPA.
Integram a jornada os movimentos ligados à Via Campesina, como MST, MPA, Comissão Pastoral da Terra (CPT), além de outras entidades como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Federação dos Trabalhadores da Agricultura do estado e a Igreja Católica Luterana.
Além da repactuação da dívida, os movimentos camponeses capixabas exigem também a destinação de Crédito Emergencial Subsidiado, de até R$ 5 mil, às famílias dos agricultores, e a implementação de um programa de recomposição florestal para devolver a dinâmica ao solo e assim funcionar como uma ferramenta de equilíbrio natural do clima.
Durante a jornada, houve atos unitários em defesa do rio Doce, com a ocupação de uma de suas margens e dos trilhos ferroviários da Vale. As ações visam chamar atenção para o impacto ambiental trazido pela mineradora.
A cidade de Colatina também foi atingida pelo rompimento da barragem da Samarco que aconteceu em Mariana (MG), em novembro do ano passado. "Até hoje, a Vale e a Samarco não foram punidas, e as famílias afetadas não foram atendidas como deveriam", disse Joselma.
Outro lado
Em nota, a Conab afirmou que a pauta de reivindicações não diz respeito à atuação da companhia. "Questões de crédito para a agricultura familiar sempre foram de competência do Ministério do Desenvolvimento Agrário, cujas secretarias foram incorporadas pela Casa Civil", disse o órgão através de sua assessoria de imprensa. A assessoria da Casa Civil, por sua vez, não se manifestou até o fechamento da reportagem.
A Conab afirmou ainda que a Superintendência Regional da Conab no Espírito Santo deve comunicar a ocupação à Superintendência da Polícia Federal no estado e "logo tomará as medidas judiciais cabíveis para a reintegração de posse da unidade".
A dirigente do MST ressalta que a ocupacão é pacífica. "Em nenhum momento proibimos os servidores da Conab de trabalhar ou os caminhões de entrarem no edifício. Se vier a reintegração, vamos avaliar", disse Joselma.
Segundo ela, a escolha do local da ocupacão se deveu ao forte apelo simbólico do local, importante marco para distribuição de produtos oriundos agricultura familiar e que, segundo os movimentos, passa por um processo de sucateamento.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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