O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Goiás está se articulando para levar o caso das prisões políticas no estado a organismos internacionais. O estado, que atualmente tem três presos políticos, sendo dois do MST, vem se destacando pelo aumento da repressão aos movimentos populares.
“É uma das estratégias que temos agora. Estamos nos movimentando pra levar o caso para a Organização das Nações Unidas, para a Organização dos Estados Americanos (OEA) e, se for preciso, até mesmo para o Vaticano”, informou Gilvan Rodrigues, da coordenação nacional do MST.
De acordo com o advogado do MST Allan Hahnemann Ferreira, o movimento está aguardando o resultado do pedido de revogação de prisão preventiva do agricultor Luiz Batista Borges e do geógrafo Valdir Misnerovicz.
A solicitação foi feita no último dia 13 junto à Vara da Comarca de Santa Helena de Goiás, interior do estado. Entre outras coisas, o MST alega que não há motivos para as prisões porque os dois militantes são réus primários, têm bons antecedentes e residência fixa.
Dois dias depois do ajuizamento do pedido, a 1ª Promotoria de Justiça da comarca manifestou posicionamento contrário ao relaxamento de prisão. No parecer, o promotor Sérgio Luís Delfim, que responde temporariamente pelo caso, alega, entre outras coisas, a necessidade de “proteção à ordem pública”.
O Brasil de Fato procurou o promotor para conversar em detalhes sobre o posicionamento da instituição, mas não conseguiu contato com a respectiva promotoria nem com a assessoria de imprensa do Ministério Público Estadual de Goiás.
Histórico do caso
As prisões, determinadas no dia 14 de abril por um colegiado de juízes da comarca, baseiam-se numa tentativa de enquadrar o MST como organização criminosa, com base na Lei nº 12.850/2013.
Luiz foi preso no mesmo dia do mandado, no município de Rio Verde (GO), ao comparecer para depor, e Valdir, no dia 31 de abril, em Veranópolis (RS). Outros dois militantes do MST contra os quais também foram expedidos mandados de prisão estão exilados pelo movimento. Os mandados se relacionam à ocupação de uma parte da usina Santa Helena, em recuperação judicial, onde há mais de 1.500 famílias ligadas ao MST.
O movimento se queixa da demora na liberação dos presos. “A Justiça de Goiás fica protelando inclusive a publicação dos votos dos desembargadores em relação ao caso, porque isso atrasa a atuação dos nossos advogados junto ao Superior Tribunal de Justiça [STJ]. Eles fazem isso porque sabem que as prisões são políticas e sem sustentação de provas, o que faz com que provavelmente eles possam perder a causa a terceira instância. Adiar a publicação é uma forma de garantir o prolongamento das prisões”, critica Gilvan.
O agricultor Lázaro Pereira da Luz, que não pertence ao MST e foi o terceiro militante da causa agrária a ser preso, no dia 15 de junho, aguarda o julgamento do pedido de habeas corpus, que pode entrar na pauta da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Goiás nesta semana.
Perseguição política
Para as entidades e os pesquisadores que acompanham o caso, as prisões resultam de articulações patrocinadas por expoentes do agronegócio.
“Essa é uma situação preocupante e recorrente no Brasil. Em Goiás, neste momento em particular, essas ações do Governo do Estado têm como objetivo a contenção das ações do MST, que deixou de ocupar áreas na periferia do agronegócio para ocupar zonas mais centrais e estratégicas, chegando a fazendas importantes. Essas áreas, consideradas produtivas pelo agronegócio, são, na verdade, latifúndios com uma nova faceta. As ações do MST desagradaram as elites, que passaram a pressionar o governo e pedir uma repressão mais violenta”, analisa o professor Manoel Calaça, do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás (UFGO).
Ele é um dos pesquisadores que integram o Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno, criado no mês passado para articular grupos, entidades e militantes interessados em somar forças contra a ofensiva conservadora que toma conta do estado.
Calaça conta que recebeu com indignação a notícia das prisões. “No caso do Valdir, por exemplo, que é uma pessoa que conheço bem, ele faz um trabalho muito importante de luta pela reforma agrária, e isso é reconhecido pelos órgãos públicos, pela Igreja, etc. É uma pessoa que só quer o bem de todos, mas esse bem que ele prega incomoda a burguesia nacional e internacional, aí surge a tentativa de conter o movimento.É um processo de cercamento do campesinato pelo capital aqui em Goiás. Faz parte da consolidação do modelo neoliberal”, relaciona o professor.
De acordo com Gilvan Rodrigues, da coordenação do MST, o contexto atual dificultou a relação do movimento com o poder público estadual. “O diálogo, que nunca foi fácil, ficou ainda mais difícil agora. Acho que a Secretaria de Segurança Pública deve uma resposta à sociedade sobre essas prisões arbitrárias e sem fundamento”, afirmou.
O Brasil de Fato procurou a assessoria de imprensa da Secretaria para tratar das críticas, mas as ligações não foram atendidas.
Estatísticas da violência
A violência no campo tem registrado um aumento no Brasil. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o ano de 2015 teve, ao todo, 50 casos de assassinatos, o maior número desde 2004.
Embora em Goiás não tenha ocorrido nenhuma morte, a situação do Centro-Oeste é considerada delicada. A região teve um aumento de 29% no número de conflitos de terra no comparativo entre 2014 e 2015.
Além disso, o número de pessoas envolvidas saltou de 77.982 para 147.015. Um crescimento de 89% no período. O estado de Goiás, por exemplo, quase dobrou o número de conflitos registrados, que passou de 21 para 39, 86% a mais.
“As oligarquias aqui no estado sempre foram muito fortes e as fragilidades do cenário político do ano passado pioraram a situação, o que ajuda a explicar os números”, afirma Paulo César Moreira, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Segundo ele, a CPT acompanha com preocupação o atual cenário de escalada da violência no campo e teme que o caso das prisões no estado gere situações semelhantes pelo Brasil.
“Goiás tem sido um forte centro de repressão, tendo como foco os sem-terra, e está sendo um laboratório para o país porque tem algumas táticas usadas aqui que estão sendo copiadas em outros lugares, como no Pará, por exemplo. Isso é um risco sério”, disse.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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