“É chegado o momento em que tudo em mim se calou,
as forças que eram tão grande, com a dor se esgotou.
Dentro do peito, um aperto que a solidão dominou.
Eu fiquei como fera pela mão de um domador.
Cicatrizes ficaram marcadas e cada vez mais doía,
mas eu pedia a Deus que eu descansasse em paz...
Ainda caído no solo, com lama meu corpo cobria.
Da minha memória, o dia 5 eu não esquecia.”
(Poesia de Wélidas Monteiro)
Quem passou pelo Festival Nacional de Arte e Cultura da Reforma Agrária – realizado em Belo Horizonte, durante os dias 20 a 24 de julho – pôde conferir as obras de Wélidas Monteiro, o Preto, artista plástico e poeta de Bento Rodrigues, distrito que foi completamente destruído pelo rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da mineradora Samarco, em novembro do ano passado. Também militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), ele expressa em tinta, verso e luta as marcas fincadas pelo crime em Mariana, na região central de Minas Gerais.
Com lona, brinquedos, roupas e simplicidade o artista reconstruiu a trajetória de devastação, desde Bento Rodrigues até o litoral do Espírito Santo. Em pouco mais de 3 metros de instalação, é possível sentir a dor e angústia ainda vivenciada pelas famílias atingidas. Na arte de Preto, o Rio Doce se tinge de vermelho e se mistura com os restos das casas e da lama.
No fim da jornada, um livro ilustrado reconta a tragédia de uma forma diferente. Contado de trás pra frente, o livro começa pela página 15. Na folha seguinte, intitulada “Luta!”, o artista ilustrou um homem de punho erguido portando um escudo. “A nossa bandeira é a nossa arma. O escudo é a nossa defesa, é a hora em que unimos todos e partimos para luta”, comenta Wélidas.
Além da instalação, uma exposição de telas pintadas pelo artista retratou o que já não existe mais na região. Com aquarela, Wélidas recriou em “Um olhar de saudade”, nome dado a um dos quadros, pessoas e lugares apagados pela lama. Em outras pinturas, relembra a igreja e o cemitério de Nossa Senhora das Mercedes, ambos devastados.
“Muitos entes queridos meus, inclusive o meu pai, estão enterrados aqui”, diz o artista, apontando para um dos quadros. “A igreja não foi destruída, mas está isolada e ninguém pode ter acesso. A gente tem saudade dos nossos que estão lá, eles ficaram sozinhos. O Bento foi destruído, mas não vai sair de dentro de mim nunca”, desabafa.
Além de parentes, memórias e afetos, o artista, que é autodidata, perdeu boa parte de suas obras na lama. Durante o festival, ele compôs uma poesia em homenagem à resistência e ao companheirismo:
Renascimento do Movimento
É chegado o momento em que tudo em mim se calou,
as forças que eram tão grande, com a dor se esgotou.
Dentro do peito, um aperto que a solidão dominou.
Eu fiquei como fera pela mão de um domador.
Cicatrizes ficaram marcadas e cada vez mais doía,
mas eu pedia a Deus que eu descansasse em paz.
Foi de repente que eu vi uma semente brotar,
homens vestidos de branco, com bandeiras se aproximando.
Pra mim foi um susto mui grande e deles eu quis me esconder.
Coisa que eu não sabia é que eles iam me socorrer.
Ainda caído no solo, com lama meu corpo cobria.
Da minha memória, o dia 5 eu não esquecia.
Na imensa escuridão, suas mãos me acudiam.
E com um abraço tão tenro, uma luz dele surgiu.
Com voz meiga e carinhosa me disse; estamos aqui!
Essa causa também é nossa, por isso socorri.
Toma! Vista essa camisa, empunha essa bandeira.
A jornada vai ser longa, mas venceremos qualquer barreira.
Quando olhei em seus olhos, foi uma confiança tamanha.
Então, passei a acreditar ter força pra outra campanha.
Meus medos se apagaram, me vesti com essa armadura.
Conheci outros movimentos, de gente verdadeira e pura.
Homens que brotaram da terra, mulheres prontas pra guerra.
Gente simples e humilde, que não aceita corrupção, injustiça e político ladrão.
Pessoas que não se cala, juventude que não se abala!
Coisa que não conhecia, passei a enxergar.
Que fruta podre e suja era a mídia, que quer nos calar.
Hoje me sinto tão forte e com coragem preu seguir,
me sinto muito honrado em poder estar aqui.
Agradeço a Deus primeiro e depois a esse povo guerreiro.
Isso não é despedida é um simples agradecer,
Pois nas muitas voltas da vida quero encontrar com vocês.
Que me deram oportunidade, mesmo sem que conhecer.
Agora vou me retirando, já sentindo saudades!
Mas sei que em breve nos encontramos aqui ou em outra cidade.
(Poesia de Wélidas Monteiro)
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