“Como é que eu vou dizer para a minha avó, que tem 87 anos e está acamada desde o desaparecimento, que não há um prazo definido para o enterro da sua filha?” O desabafo é de Divanilce de Souza Andrade, 29 anos, filha da defensora das populações atingidas pelas barragens das hidrelétricas do rio Madeira, a pescadora Nilce de Souza Magalhães, mais conhecida como Nicinha. Ela desapareceu no dia 7 de janeiro deste ano, no distrito de Nova Mutum-Paraná, a 167 quilômetros de Porto Velho, em Rondônia. Há mais de 20 dias a família reconheceu um corpo no Instituto Médico Legal (IML) como sendo o da ativista assassinada e aguarda a liberação para fazer o sepultamento. A Superintendência de Polícia Técnico-Científica (Politec) diz que não tem recursos para fazer o teste de DNA. A Secretaria de Estado de Segurança, Defesa e Cidadania (Sesdec) não apresentou uma solução para o reconhecimento oficial da morte da ativista.
No dia 24 de junho, Divanilce Andrade, que é estudante de direito, reconheceu no IML de Porto Velho um corpo, em avançado estado de decomposição, que foi encontrado por operários no lago da barragem da usina hidrelétrica de Jirau. O corpo tinha marca de um tiro e estava com mãos e pés amarrados em pedras, indícios de uma execução. “Reconheci o relógio, a parte inferior do biquíni dela e uma bermuda masculina que ela costumava usar. Tive um sentimento quando vi o corpo. É uma sensação que a medicina não explica”, disse a filha da ativista, que integrava o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Na ação penal que tramita no Tribunal do Júri, resultado da investigação da morte de Nicinha pela Polícia Civil de Rondônia, consta uma confissão do pescador Edione Pessoa da Silva. Ele disse que a motivação para o crime seria uma acusação por furto contra si feita por Nicinha. O pescador, que é um dos três réus do processo criminal, foi denunciado por homicídio qualificado, furto e ocultação de cadáver. Edione foi preso em 15 de janeiro, mas fugiu do Presídio de Médio Porte (Pandinha) no dia 11 de abril, segundo a Gerência Penitenciária da Secretaria de Justiça. Agora é considerado foragido pela Justiça.
O Movimento dos Atingidos por Barragens, do qual Nicinha era a maior liderança em Rondônia, não descarta que morte da ativista esteja relacionada à sua militância contra as barragens do rio Madeira feitas a partir da construção das usinas de Jirau e Sano Antônio.
Segundo a Polícia Civil, é necessária a realização dos exames da arcada dentária pelo IML, ou de DNA pela Polícia Técnica e Científica (Politécnica), para confirmar se é mesmo da ativista do MAB o corpo encontrado no lago de Jirau. A polícia diz que precisa dos exames para materializar a autoria dos crimes contra Edione Pessoa da Silva, 26 anos, e os outros dois réus por acusação de ocultação de cadáver. Os outros dois denunciados são Oziel Pessoa Figueiredo, 20 anos, que está solto, e Leonardo Batista da Silva, 39 anos, que cumpre prisão no Pandinha.
Divanilce Andrade disse à reportagem que não se conforma com a demora em fazer a última homenagem a sua mãe, pois desde o dia 1º de julho aguarda uma posição da Secretaria de Segurança sobre o exame de DNA. Ela contou que a família não tem o prontuário odontológico de Nicinha para a realização do exame da arcada dentária. E planeja ingressar com uma ação na Justiça exigindo a realização do exame de DNA pelo governo de Rondônia devido ao descaso como a família está sendo tratada.
“Há seis meses vou à Delegacia de Homicídios uma vez por semana e eles não sabem o que fazer. É um absurdo. Eles querem um raio-X do crânio da minha mãe, mas não existe. O raio-X e ressonância que a família tem é do pescoço para baixo. Não temos exames da cabeça. Eu não sei o que fazer”, diz a filha de Nicinha.
A família também cobra do estado a prisão de Edione Pessoa da Silva. A ação penal na qual ele é réu está na fase da audiência de instrução pelo Tribunal do Júri, fase esta que antecede o julgamento. “Queremos a motivação verdadeira do crime. Queremos a verdade. Queremos que ele seja preso. Não queremos que seja julgado à revelia. Queremos que ele pague. É um direito da família”, afirmou Divanilce Andrade.
Sete respostas e nenhuma solução
Entre os dias 3 a 11 de julho, a reportagem da Amazônia Real buscou obter uma resposta do governo de Rondônia, por meio da Secretaria de Segurança, sobre a confirmação, pelo teste de DNA, do corpo encontrado no lago de Jirau como sendo da ativista Nilce de Souza Magalhães.
A primeira resposta veio em nota oficial em que a pasta diz que “somente após o exame antropológico forense será colhido material para a realização do exame de DNA na qual será encaminhado para o estado do Amazonas em conformidade com o Termo de Cooperação. Entretanto, se fornecidos pela família registros radiológicos ou odontológicos da vítima poderá ser feita a confirmação [pela arcada dentária] sem que haja necessidade da realização do exame de DNA.”
A segunda resposta saiu da Polícia Civil. A assessoria de imprensa disse que o IML não tem como fazer o reconhecimento do corpo de Nicinha pelo exame da arcada dentária porque a família não apresentou o prontuário odontológico. A polícia orientou a reportagem a procurar a Polícia Técnico-Científica (Politec).
Na terceira resposta sobre o reconhecimento oficial do corpo de Nicinha, o perito criminal Girlei Veloso, chefe da Superintendência de Polícia Técnico-Científica (Politec), disse que o laboratório do Instituto de DNA Criminal está em fase de estruturação, em Porto Velho. Por este motivo, exames de DNA, como no caso de Nicinha, são encaminhados ao Instituto de Criminalística do Amazonas.
“Temos um acordo de cooperação com Manaus, mas só que lá não tem insumos para o exame de DNA, está suspenso até para fazer os [exames] deles. A opção é buscar outro estado que faça. Tem Brasília, Mato Grosso, Goiás, Rio Grande do Sul. Qualquer estado que tenha convênio. Mas só quem pode fazer isso é a secretaria [de Segurança]”, revelou Veloso.
A quarta resposta do caso Nicinha saiu da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas. Procurada pela reportagem, o órgão confirmou que não possui reagentes para realizar os exames de DNA nem de Rondônia e nem do Amazonas. “Houve um atraso na compra de reagentes que são usados para exames de DNA”, diz a secretaria, explicando que o processo de licitação para a compra do produto deve ser concluído em 45 dias.
A Amazônia Real voltou a procurar a Secretaria de Segurança de Rondônia para saber se o exame de DNA no corpo da ativista seria realizado em outro estado. Na quinta resposta sobre o reconhecimento oficial do corpo de Nicinha, o secretário-adjunto, tenente-coronel Luís Gustavo Rosa Coelho, disse que “Rondônia não precisa dos reagentes de Manaus para realizar o exame de DNA”.
“Deixa eu explicar como funciona o nosso convênio com o Amazonas: quando mandamos fazer o exame de DNA no Amazonas, nós mandamos um perito nosso e o material completo. Nós compramos o material. Nós usamos apenas os equipamentos do Amazonas. O exame [de DNA de Nicinha] só será realizado se não for comprovada a identificação por outros mecanismos, como arcada dentária, e o reconhecimentos por sinais”, disse o secretário, explicando:
“O exame de DNA não é um exame barato, é caro. A última vez que o pessoal aqui comprou um kit para fazer um exame emergencial custou oito mil e poucos reais. Deve estar bem mais caro, é um material importado. O pessoal da Politec deve ter esse valor. Mas não é pelo valor que vamos deixar de fazer, pelo contrário. Se for necessário que seja feito para confirmar a identificação [de Nicinha] com precisão vai ser mandado fazer em Manaus”, afirmou Rosa Coelho, sem responder se vai enviar o material do corpo reconhecido pela família de Nicinha para outro laboratório sem ser o do Amazonas.
Na sexta resposta sobre o reconhecimento do corpo de Nicinha, o chefe da Superintendência de Polícia Técnico-Científica (Politec), Girlei Veloso, disse em nova entrevista que é o Instituto de DNA Criminal de Porto Velho que não tem insumos para enviar a equipe para Manaus.
“Quando a gente tem uma parte do material, sim [despacha a equipe para Manaus], mas agora nesse momento a gente não tem esses insumos. Está saindo muito caro para a gente comprar o kit do DNA”, disse Veloso.
Ao ser questionado sobre o valor de um kit de DNA, o perito criminal Girlei Veloso passou o telefone para o diretor do Instituto de DNA Criminal (IDNAC), Flávio Ricardo Leal, sem apresentá-lo à reportagem.
Na sétima resposta do governo de Rondônia sobre o caso de Nicinha, o perito Flávio Leal disse que “se for comprar um kit de DNA para enviar uma equipe para Manaus é o mesmo processo que a gente compra para fazer aqui”.
“Estamos esperando o orçamento para comprar. A última vez que a gente comprou em um laboratório particular para fazer o exame de DNA em ossada, o custo foi de sete mil reais. Uma das prioridades é a estruturação do Instituto de DNA Criminal de Porto Velho para não precisarmos mais de laboratórios de outros estados”, disse Leal, sem dar uma solução para o caso de Nicinha.
Nicinha foi atingida pela barragem
Nascida em Xapuri, no Acre, terra do líder seringueiro Chico Mendes, assassinado em 1988, a ativista Nilce de Souza Magalhães é filha do casal de seringueiros Nicanor Magalhães e Maria de Lourdes de Souza Magalhães. Quando Nicinha tinha dois anos de idade, a família mudou-se para o distrito de Abunã, a 200 quilômetros ao norte de Porto Velho.
A partir de 2008, a população da região de Abunã começou a sofrer impactos socioambiental devido as construções das barragens das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio, no rio Madeira.
Em 2014, os lagos das usinas transbordaram durante a grande enchente do rio Madeira. Cerca de 230 famílias foram afetadas pela inundação, perdendo casas e a produção agropecuária. Ruas de quatro bairros e poços artesianos foram danificadas, segundo a prefeitura de Porto Velho.
Mãe de três filhas e avó de sete netos do primeiro casamento, Nicinha ficou desabrigada. Ela passou a liderar um grupo de pescadores do Abunã que perdeu o poder aquisitivo com o sumiço dos peixes comerciais devido às barragens, especialmente de Jirau.
Em entrevista ao site de jornalismo independente Terra Sem Males, no dia 19 de julho de 2015, a pescadora Nilce de Souza Magalhães disse que viveu em Abunã por 46 anos. Ela contou que, depois de desabrigada pela enchente, passou a receber auxílio-aluguel de R$ 500, mas não era suficiente para o sustento de sua família. Como também não conseguia mais pescar devido ao sumiço dos peixes dos rios, começou a acumular dívidas.
Há cerca de um ano, Nicinha e o marido, Valdeney Severiano, o Nei, de 30 anos, decidiram morar num acampamento com o grupo de 35 pescadores. A casa do casal era um barraco de lona, sem água potável e energia elétrica. O acampamento fica em uma ilha formada pelo lago da hidrelétrica de Jirau e o rio Mutum, na localidade de Velha-Mutum, no distrito de Nova Mutum-Paraná, no km 871 da BR 364, no sentido Porto Velho/Rio Branco (AC).
“Aqui não é o lugar ideal para morar [no acampamento], mas é o único lugar que temos para sobreviver. Longe dos pais, dos filhos e netos. Mas infelizmente foi o que a usina forçou para nós no Alto Madeira. Não vamos sair daqui enquanto a usina não arrumar um lugar para os pescadores. A usina acabou com nossas casas, nos matou afogados e agora quer nos matar de fome”, afirmou Nicinha.
Ativista fez denúncias no MPF
Como militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Nilce de Souza Magalhães denunciou ao Ministério Público Federal (MPF) o consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), que construiu a usina de Jirau, pelo sumiço de peixes de valor comercial no rio Madeira e seus afluentes, que antes eram abundantes na região onde foi construída, além de Jirau, a hidrelétrica de Santo Antônio.
Outra denúncia do grupo de pescadores liderado por Nicinha tramita em sigilo no Núcleo de Ações Criminais do MPF. O procurador Raphael Beviláqua, titular da Procuradoria do Direito dos Cidadãos em Rondônia, disse à reportagem que a denúncia “trata de uma suposta adulteração dos formulários de dados de acompanhamento e monitoramento de atividades pesqueiras para que a licença [de Jirau] se mantivesse regular”. “Nada disso seria possível sem a atuação ativa da Nicinha. Sempre procurando dados, sempre cobrando de todo o mundo”, afirmou Bevilaqua.
Conforme a investigação do MPF, a família do pescador Edione Pessoa da Silva, acusado de matar Nicinha, era uma das cinco que constavam de um cadastro do consórcio ESBR oferecido pela empresa, com anuência do Ibama. O grupo liderado por Nicinha reivindicava o pagamento da compensação pelo sumiço dos peixes, por isso a família de Silva era monitorada pelo consórcio.
A oferta do subsídio da Energia Sustentável não foi aceita pelos pescadores por influência de Nicinha. “A empresa ofereceu o benefício considerado pífio para os pescadores, ela se manteve firme, dizendo que aquilo não era suficiente e a luta dela continuou. Sem a liderança da Nicinha, a comunidade, que estava bem organizada, bem ativa, se desarticulou”, disse o procurador.
Segundo Beviláqua, Nicinha era uma liderança que incomodava e poderia provocar uma mudança. “Agora, estabelecer uma relação direta entre isso e um homicídio, seria muito leviano fazer uma afirmação desta”, ponderou ele.
Já Divanilce Andrade afirma que o consórcio “odiava à mãe, de todas as formas e como a família do Edione era monitorada pela usina, surgiram boatos de que eles instigavam esta família com relação a minha mãe. ‘Olha, se vocês não tirarem ela fora vai acontecer isso. Esta mulher atrapalha a vida de vocês’, diziam”, contou a estudante.
A reportagem procurou a empresa Energia Sustentável do Brasil (ESBR), concessionária da usina hidrelétrica de Jirau, para falar sobre as denúncias da ativista Nilce de Souza Magalhães ao MPF. A empresa diz que cumpriu todo o processo de licenciamento e remanejamento da população conforme legislação vigente e exigências dos órgãos ambientais e reguladores do setor elétrico. “Atualmente, a ESBR continua atendendo a todas as determinações dos órgãos, que inclusive monitoram, periodicamente, as ações praticadas pela empresa”, diz o consórcio, que não fez declaração sobre a morte da pescadora.
Segundo inquérito foi aberto
A Polícia Civil de Rondônia diz que abriu dois inquéritos para apurar a morte de Nicinha. No primeiro, são acusados o pescador Edione Pessoa da Silva, por crimes de homicídio qualificado, roubo e ocultação de cadáver, Oziel Pessoa Figueiredo e Leonardo Batista da Silva, ambos por crime de ocultação de cadáver. Eles foram denunciados pelo Ministério Público Estadual e a Justiça abriu uma ação penal contra eles, que passaram a ser réus do processo que tramita no Tribunal do Júri.
Para o delegado Francisco Borges, a motivação para o crime declarada pela confissão de Edione Silva “foi esclarecida”. “O motivo [do crime] é fútil, uma discussão entre Nicinha e o infrator [Edione]”, diz.
Segundo o delegado, não há evidências da participação de pessoas ligadas ao consórcio Energia Sustentável no crime. “Do que foi apurado, não foram constatados fatos que apontem para o envolvimento do consórcio. As circunstâncias, as oitivas de testemunhas e dos familiares, a forma como ocorreu o crime, o local da execução, as circunstâncias e motivos ensejadores levam a acreditar que houve uma desavença entre o infrator [Edione] e a vítima [Nicinha]”, disse o policial.
O delegado Borges afirmou que o segundo inquérito foi aberto para apurar a suposta participação de outras pessoas no crime de ocultação de cadáver. “É para exaurir todas as linhas apresentadas para o crime. Se houver novas informações, que tenham novos envolvidos, as investigações poderão ser reabertas”, afirma ele, explicando que haverá novas diligências no local onde Nicinha morava com o marido, o acampamento em Velha-Mutum.
Para Divanilce Andrade, o fato de o corpo de sua mãe ter permanecido ocultado por cinco meses, em um local que já havia sido vistoriado por mergulhadores do Corpo de Bombeiros, a 400 metros do acampamento onde era morava e foi assassinada, levanta suspeita sobre a participação de outras pessoas na ocultação.
“Fica caracterizado outro entendimento na ocultação do cadáver. Ele [Edione], um ribeirinho, analfabeto, conseguiu ocultar um cadáver durante cinco meses e a polícia não achou? Talvez eu esteja subestimando a inteligência dele, mas pelo que eu conheço, acho difícil”, questiona a estudante, que é assistente da acusação no processo que tramita no Tribunal do Júri.
Em uma nota divulgada em seu site, o MAB afirma que “houve negligência no inquérito policial sobre a morte de Nicinha. A cena do crime teria sido corrompida e não teria sido fotografado”.
No dia 7 de janeiro deste ano, segundo as investigações da Polícia Civil de Rondônia, a ativista Nilce de Souza Magalhães, de 50 anos, foi vista vez por uma vizinha antes de desaparecer. Em depoimento, conforma a polícia, Nicinha estava cozinhando e lavando roupas na última vez que foi vista pela testemunha, que não teve o nome revelado por causa das investigações.
Segundo Divanilce Andrade, o pescador Edione Pessoa da Silva é filho de Esmerindo Gerônimo da Silva, patriarca da família formada por pescadores liderados pela militante na ilha de Velha-Mutum. “Ela ajudava a todos os pescadores, mas não era da família”, diz.
“Minha mãe vivia em uma colônia de pescadores em que era a única estranha. Eles eram pai, mãe, filhos, filhas, genros, noras. Se hoje eles têm algum benefício, foi graças a minha mãe. Uma semana antes dela morrer, eu ajudei a separar as cestas básicas que iam para lá [a ilha]”, revelou a estudante.
No dia do crime, segundo Divanilce, Nicinha havia pedido que Edione fizesse uma limpeza em um terreno do acampamento. Ela confirmou que Oziel Figueiredo e Leonardo da Silva participaram do trabalho, mas não os conhecia. “No final do dia, ainda sem saber o que havia acontecido com Nicinha, o Nei [marido da ativista] pagou pelo trabalho feito pelos três”, disse a estudante.
Divanilce afirmou que, durante os depoimentos, Edione Silva apresentou uma motivação passional para o assassinato de Nicinha. “Quando [Edione] começou o relacionamento com a nova companheira, ela era casada. Ele alegava que a minha mãe iria dizer para o marido dela sobre a traição. Mas é mentira. Ele [o marido] já sabia da traição e tentou se enforcar no Natal.”
Segundo a filha, o pescador chegou a declarar “absurdos” contra a ativista. “Ele disse que minha mãe era encrenqueira. Chegou a dizer no inquérito policial que havia matado a militante imitando a cena de um filme”, disse Divanilce Andrade.
A filha de Nicinha não descarta que Edione tenha tido a ajuda de outras pessoas no assassinato. “Eu acredito que, no dia, familiares tenham brigado com ela. Que tenham tentado assassinar a minha mãe, não conseguiram e ele finalizou. Essa é minha versão”, afirma.
A confissão de Edione
O pescador Edione Silva foi preso no dia 15 de janeiro deste ano, mas fugiu em 11 de abril no presídio Pandinha. Antes da fuga, ele teve negado pela Justiça de Rondônia dois pedidos de habeas-corpus. A Amazônia Real teve acesso a uma decisão do dia 25 de janeiro da juíza Rejane de Sousa Gonçalves Fraccaro, da 1ª Vara do Tribunal do Júri.
No pedido de liberdade, o advogado do pescador, Francisco Ferreira da Silva, justifica “que não há motivação idônea para a manutenção da prisão preventiva” de Edione, uma vez que ele “é réu confesso e que está disposto a colaborar com a instrução criminal”.
Na confissão, Edione Silva declara à Justiça como matou Nicinha. Conforme a confissão, ela o contratou para capinar um terreno no acampamento no dia do crime, em 7 de janeiro de 2016.
“(…) Eu disse para Nilce que iria caçar um porco e assim recebi dois cartuchos dela. Saí de barco da casa de Nilce e voltei após alguns minutos de ter atirado no porco. Pelo fato de Nicinha me acusar de um roubo, que eu não fiz, efetuei um disparo de arma calibre “20” contra ela. Atingi, salvo engano, na região abdominal. Nicinha caiu morta instantaneamente. Após efetuar o disparo contra Nicinha, carreguei o corpo até a beira do rio Mutum. Amarrei pedras em seu pescoço e perna. Coloquei o corpo no barco e joguei na região mediana entre uma margem e outra (..).”
Ao negar a liberdade para Edione Silva, a juíza afirma que a confissão do pescador “retrata a periculosidade social do paciente, considerando, sobretudo, o modus-operandi do delito, no qual o acusado, após eliminar a vítima, ainda jogou seu corpo no rio Mutum, com a clara evidência em ocultar o crime de homicídio, demonstrando ousadia e total desprezo pela vida alheia”. A reportagem procurou o advogado de defesa do pescador, Francisco Ferreira da Silva, mas ele não foi localizado para falar .
Em nota enviada à Amazônia Real, a Gerência de Inteligência da Secretaria de Segurança de Rondônia afirmou que o pescador Edione Pessoa Silva é considerado foragido e disse que disponibilizou os telefones da Polícia Civil (197) e da Polícia Militar (190) para obter informações sobre o paradeiro do acusado. “O mesmo pode ser preso em diligências específicas que dependem de informações ou em blitz, abordagens etc. A Gerência de Inteligência está atuando com a Polícia Civil para a localização do mesmo”, diz a nota.
Segundo Divanilce de Souza Andrade, o governo de Rondônia nunca procurou sua família para explicar a fuga de Edione Silva do presídio Pandinha. “Ele não tem condições de ir muito longe. Ele não vai se exilar na Bolívia [na fronteira com Rondônia] porque boliviano detesta brasileiro. Acredito que mais cedo ou mais tarde ele caia [na prisão]”, diz a filha de Nicinha contando que sua mãe tinha uma missão.
“Eu durmo e acordo acreditando que Deus tinha um propósito maior para ela. Que através do assassinato dela outras pessoas serão beneficiadas, de alguma forma. Existem frutos que não são para a gente colher. Os frutos serão para outras pessoas colherem. A missão dela era essa. O pessoal do Mutum, que sofre, que tenha as causas alcançadas”, afirmou Divanilce de Souza Andrade. (Colaborou Kátia Brasil)
Veja mais depoimentos de Nicinha no documentário ‘Santo Antônio e Jirau – Uma Guerra na Amazônia’, produzido pelo MAB.
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