A promoção da democracia e da igualdade racial e de gênero está no cerne das discussões do Festival Latinidades 2016, cuja programação se estende até domingo (31), em Brasília (DF). Em debate dessa terça-feira (26), no Museu Nacional, palestrantes destacaram a necessidade de trabalhar a comunicação como uma área estratégica na promoção dos direitos humanos da população negra no Brasil.
O tema da comunicação é a esfera temática em torno da qual orbitam as discussões desta edição do evento, que conta com a participação de militantes do movimento negro de diversas partes do país.
A apresentadora Luciana Barreto, da TV Brasil, ressaltou a importância da presença de jornalistas negros nas redações, garantindo a resistência diante da violação de direitos. Ela, que atua como âncora do Repórter Brasil Tarde, destacou, entre outras coisas, a necessidade de se respeitar a identidade negra na produção audiovisual jornalística.
“No início, não foi fácil e eu tinha que falar contratualmente que não queria mexer no meu cabelo. Um dia desses recebi uma mensagem de uma estudante de Jornalismo que disse que um professor da faculdade tinha dito que jamais uma black power poderia ser âncora porque o cabelo chama muita atenção e o jornalista tem que ser discreto. É impressionante como na universidade ainda se reproduz o racismo. Quando eu digo que uma black power não pode ser âncora, eu digo que uma negra não pode ser âncora, a não ser que ela viole sua própria identidade. Os meios de comunicação tradicionais fazem isso a todo momento e massacram a nossa identidade negra”, disse.
Em entrevista ao Brasil de Fato, ela falou sobre a necessidade de estabelecer o conflito nas redações diante da invisibilização das pautas que dizem respeito aos direitos da população negra.
“Não podemos nos calar. Tenho feito isso sempre no trabalho e costumo dizer que meu editor-chefe ‘empreteceu’ com o tempo. Ele é um cara da zona sul do Rio e branco, com toda a experiência de quem cresceu nesse contexto, mas, de tanto eu fazer resistência e propor novos olhares, ele foi cedendo. É interessante a gente tentar fazer o outro refletir sobre esse assunto, até porque, no processo de embate, ele vai ter que ler pra poder embasar a defesa dele e contra-argumentar. Aí acaba que ele não consegue fugir da pauta dos direitos humanos porque, se não for uma pessoa que realmente abomina essa questão, ele vai acabar cedendo. No geral, o que a gente mais tem nas redações é o desconhecimento, são jornalistas com uma visão limitada de mundo. Então, estabelecer o conflito é fundamental porque obriga o outro a ler e se informar, aí a pauta cresce. Isso é fundamental no processo de democratização dos meios”, reflete a apresentadora.
Direito
Para o Mestre TC, um dos debatedores do evento, a comunicação tem um papel que remonta à ancestralidade e é fundamental no processo de empoderamento da população negra. “Precisamos pensá-la como um direito e hoje cada vez mais também como algo que tem a mesma importância que a educação e as demais áreas”, disse.
Fundador da Casa de Cultura Tainã e da Rede Mocambos, que atuam com softwares livres direcionados a comunidades quilombolas, indígenas e periféricas, ele desenvolve um trabalho que possibilita o armazenamento digital, a formação de acervos e a distribuição em rede. As ações vêm sendo desenvolvidas há 15 anos.
“Todo lugar onde o nosso povo está é nosso lugar também; é lugar de estarmos discutindo os nossos direitos. A comunicação empodera qualquer um, por isso precisamos nos apropriar disso e fazer com que ela seja nossa também. Ela tem ferramentas que podem ser usadas pra potencializar nossas lutas”, afirmou, destacando a necessidade de dar capilaridade a esse tipo de ação.
Agenda de luta
A jornalista Juliana Cézar Nunes, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), ressaltou que há uma agenda estratégica afrocentrada a ser executada no país na área da comunicação, com pautas multifacetadas.
“São muitos os desafios no sentido de garantir políticas públicas de comunicação que garantam uma visibilidade da população negra na mídia tradicional com dignidade. Uma delas é que os meios de comunicação que violem direitos passem por um processo de revisão da concessão. Essa é uma demanda antiga do movimento de mulheres negras”, disse.
Ela, que é secretária-executiva do Conselho Curador da EBC e ex-coordenadora da Agência Brasil e da Radioagência Nacional, coloca também a comunicação pública na lista das prioridades da referida agenda. “A gente quer a garantia dessa comunicação porque entende que ela é um espaço democrático e estratégico e que tem mecanismos de controle social, de acompanhamento e de participação. É um sistema que pode sempre ser melhorado, claro, mas precisa acima de tudo ser garantido”, defendeu, mencionando que o setor corre riscos no atual contexto político nacional.
Outro ponto ressaltado pela jornalista é a necessidade de incentivo à mídia negra. “Precisamos de uma política pública que incentive esse segmento, que permita a comunicação em comunidades negras, quilombolas, etc. O governo brasileiro já financia a mídia privada com volumes bem consideráveis e os veículos de mídia negra, produzidos por pessoas negras e dentro de um universo de experiências negras, precisam também receber esse aporte de recursos, que, na verdade, são nossos, da sociedade brasileira. É uma luta muito ampla que temos pela frente, e o Festival Latinidades contribui pra gente acumular forças no sentido de enfrentar essa agenda”, finalizou.
Edição: Simone Freire
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