Dona da maior fortuna do país e uma das maiores do mundo (avaliada em mais de 37 bilhões de dólares, segundo a revista norte-americana Forbes), a família Marinho, proprietária das Organizações Globo, sugeriu ao governo interino de Michel Temer a privatização completa do ensino superior no Brasil, com a cobrança de mensalidades. A proposta foi apresentada em editorial do jornal O Globo, publicado no último fim de semana.
O principal argumento do jornal é de que os governos perderam a capacidade de financiamento das universidades públicas e que e a cobrança seria justa, pois a maioria dos que acessam o ensino superior gratuito são pessoas de alta renda. Aos mais pobres, seriam garantidas bolsas de estudo, de acordo com O Globo.
A privatização do ensino superior, ainda que parcial, já recebeu sinalização positiva do ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM). Ele afirmou, no mês passado, que apoiará a cobrança de mensalidades em cursos de extensão e de pós-graduação em universidades públicas caso as instituições optem por esse modelo.
A ideia de que privatizar o acesso ao ensino superior no Brasil seria a solução para o setor é amplamente rebatida por especialistas, entidades da sociedade civil e parlamentares. Em artigo publicado na revista Carta Capital, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) classificou de “grande mentira” a proposta do jornal O Globo. “A experiência internacional mostra que esse modelo [de privatização das universidades] é um fracasso e só produz mais desigualdade, mais injustiça social, mais exclusão”.
O deputado cita um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que revela a importância dos investimentos sociais para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a redução das desigualdades. “Cada R$ 1 gasto com educação pública gera R$ 1,85 para o PIB. A título de comparação, o gasto de R$ 1 com juros sobre a dívida pública, segundo o mesmo estudo, gerará apenas R$ 0,71 de crescimento do PIB. Ou seja, o dinheiro gasto com educação de qualidade, como é o caso das universidade federais, é um excelente investimento dos recursos públicos”, defende.
A proposta de privatização do ensino também colide com o Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pela presidenta em junho de 2014, e que prevê a necessidade de pelo menos mais 2 milhões de matrículas nas universidades públicas para os próximos 10 anos. A taxa de acesso ao ensino superior no Brasil ainda é vergonhosa. Apenas 17% da população com idade entre 18 e 24 anos está cursando graduação, deixando o Brasil atrás de países com economia muito menor que a sua, como Paraguai e Bolívia.
O PNE estipula a necessidade de expandir esse percentual para 33% até 2026, ainda assim um número aquém da maioria das nações desenvolvidas, mas que seria “revolucionário” para um país com tanta desigualdade de oportunidades. Representante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara concorda que existe uma grave injustiça entre ricos e pobres no acesso à universidade, mas rejeita a privatização do setor. “Mais acesso à universidade só será feito por meio de um forte investimento estatal. Não dá para confiar no setor privado, até porque, hoje, a maior parte das instituições privadas são controladas pelo mercado financeiro, com finalidade de lucro e baixa qualidade, salvo raras exceções”, afirma.
Endividamento
A tendência mundial tem sido a de estatizar o ensino superior e não de privatiza-lo. É o caso do Chile, que depois de rumorosos protestos de estudantes contra as altas mensalidades cobradas no país, onde o ensino está totalmente na mão de grupos privados, começou a rever esse modelo. A Alemanha, recentemente, aboliu a cobrança de matrículas em suas faculdades. “A privatização do ensino vai provocar ainda mais endividamento da população pobre, um custo que vai pesar sobre o Estado de qualquer forma. Além disso, sacrifica a juventude, compromete seu futuro em dívidas. É o tipo de solução de quem não sabe fazer conta”, critica Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Tributação progressiva
Para Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação e professor-titular de Ética e Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), a raiz do problema está na cobrança injusta dos impostos no Brasil, onde o pobre paga mais que o rico, em termos proporcionais. “Cobrar anuidade dos alunos com mais dinheiro parece justo, mas penso que seria bem melhor aumentar o imposto de renda das pessoas que ganham mais dinheiro. Assim, façam ou não (eles e seus filhos) a universidade, pagarão mais. E serão, então, estimulados a cursar o ensino superior, o que só lhes fará bem, pessoal e profissionalmente. Deve-se tributar a renda, é melhor do que cobrar pela educação (não se cobra aquilo que vc quer incentivar!)”, propõe o acadêmico.
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