Foi lançado oficialmente nesta quinta-feira (28) o partido Frente Favela Brasil, com uma festa no Morro da Providência, a primeira favela do país. O coordenador da Frente no Distrito Federal, Anderson Quack, disse que o partido nasce da necessidade de dar visibilidade e oportunidade às favelas e à população negra do país.
"Hoje temos 52% da população negra no país. Temos 15 milhões de favelados, somos do tamanho da Bolívia, dentro das favelas o nosso PIB (Produto Interno Bruto) equivale à economia do Paraguai e não temos a devida atenção dos Poderes Públicos de nenhuma esfera, nem na instância municipal, estadual, nem na federal e nem nas instâncias do Poder Legislativo, Judiciário nem Executivo."
O lançamento desta quinta-feira é o primeiro passo para a formalização da legenda. Agora, será necessário apresentar a documentação ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), colher as assinaturas de apoio e formar os diretórios regionais. A Frente já tem representação nas 27 unidades da federação. Segundo Quack, o partido não é nem de esquerda nem direita. "Vamos para a frente. Nem esquerdista, nem direitista, favelista", definiu.
Cufa
Um dos principais incentivadores da iniciativa é o fundador da organização não governamental Central Única das Favelas (Cufa), Celso Athayde. A entidade não faz parte oficialmente do núcleo político da Frente, mas apoia o projeto.
"A gente sempre quis apoiar algum partido que não apenas desse um espaço para o negro. Você tem por exemplo o Tucanafro, que é uma caixinha para os negros dentro do PSDB. Os negros estão em todos os partidos ali numa sala, mas eles não têm expressão, não fazem parte das cabeças. Quer dizer, na medida em que você é mais da metade da população, o espaço que existe para o negro na política é muito pequeno, e ele é responsável por isso, uma vez que ele não se organiza", ponderou.
Segundo Athayde, fundar um partido que represente os negros e as favelas vai além da ideia de disputar espaços e espaços de poder apenas pelo poder. "É o poder pela possibilidade de você transformar a vida das pessoas. Então, a gente não quer apenas uma caixinha, a gente acha importante a existência de um partido de negro, e que não tenha só negros, mas que também tenha favelados. Um partido com recorte e um viés étnico e racial, porque não tem só negros na favela, mas pessoas de todo tipo de etnia. A gente acha que se a gente se organiza, a gente não fica apenas votando nas pessoas que não tem compromisso conosco e vem apenas em época de campanha."
Um dos princípios do novo partido é o voluntariado, que vai atingir inclusive quem alcançar cargos eletivos. "Os parlamentares desse partido devolverão 50% do seu salário para a fundação do partido, que devolve para a sociedade a partir de um edital anual. A gente entende que o exercício parlamentar não é para ser feito por pessoas que querem fazer carreira na política, mas por pessoas que tenham comprometimento com a coletividade real", disse Athayde.
O presidente da Cufa Global, Preto Zezé, ressalta que o movimento significa organização e empoderamento dos pretos e dos favelados, em um momento histórico de tomada de protagonismo nos processos políticos, antes delegadas a outras pessoas que falavam por essa parte da população.
"É um caminho que estamos construindo que é novo, apesar das demandas serem antigas, em que nós estamos apostando na potência e na criatividade, não somente num discurso trágico de problemas, mas na potência que esse novo Brasil tem. Não haverá um outro Brasil se ele não for apresentado para as favelas, não haverá um Brasil desenvolvido se não dividirmos as oportunidades e poder. Do contrário, vamos compartilhar as tragédias que essa desigualdade produz."
Representação
Ativista do movimento negro e feminista, Eliana Maria Custódio disse que a Frente é uma oportunidade para as mulheres também serem incluídas na política de forma eficaz, já que hoje ocupam menos de 20% dos cargos apesar de serem 51% da população.
"Uma oportunidade de reverter esse quadro é a próxima eleição, mas até a Frente Favela Brasil ter condições de colocar uma mulher, de preferência uma mulher negra para disputar as eleições, a gente vai trabalhar para formar e fortalecer as mulheres dessa proposta. Quando as mulheres vão para dentro dos partidos políticos, para as cotas, elas não têm o mesmo respaldo financeiro, de investimento, de material que os homens, ou seja, elas estão indo para cumprir cotas. E para cumprir cotas não nos interessa. A gente quer ter o mesmo direito e o mesmo investimento financeiro que qualquer outro candidato do sexo masculino", criticou.
O comunicador popular Enderson Araújo, membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), não pode comparecer ao lançamento ontem no Rio de Janeiro, mas contribuiu com a plataforma de juventude do partido. Segundo ele, a construção coletiva torna o projeto mais autêntico e inclusivo.
"Foi um processo totalmente colaborativo, construído por negros e negras de várias partes do Brasil e construído através da rede, principalmente, com poucas reuniões presenciais. A gente está vivendo um novo modelo, criando um novo modelo de se se fazer política, de se construir política, de apresentar política, porque as pessoas estão descrentes da atual política, não conseguem ter uma esperança no futuro com essa política que está posta."
O ator Lázaro Ramos participou da festa no Morro da Providência e disse que observa e incentiva o movimento, apesar de não fazer parte formalmente do partido. "Acho que a gente precisa de novas ideias para a política brasileira, acho que é uma semente que está sendo plantada agora, que provavelmente só vai acontecer mesmo daqui a dois anos, porque é o tempo natural de se fundar um partido. Mas acho uma coisa muito importante quando tem um partido como esse, que pega uma parcela tão importante da sociedade, que não tem a sua voz devidamente escutada e resolve entrar no Congresso, entrar no Senado, para falar em nome dessa população", elogiou.
A coleta de assinaturas de apoio para a criação do partido Frente Favela Brasil está prevista para começar em 20 novembro, Dia da Consciência Negra. Segundo Athayde, são necessárias 510 mil assinaturas, mas o movimento espera reunir 4 milhões.
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