A discussão em torno do Projeto de Lei nº 4567/16, que propõe a abertura da exploração do pré-sal para as multinacionais, tem gerado muita polêmica na Câmara Federal. Nesta terça-feira (9), o plenário da Casa colocou o tema em pauta numa Comissão Geral, sessão destinada a discutir projetos de grande relevância que ocorre nos moldes de uma audiência pública.
O ponto alto da tensão foi a prisão dos petroleiros Cláudio Nunes e Gustavo Marsaioli, detidos pela PM na calçada do prédio da Câmara ao tentarem entrar para participar da Comissão.
Eles foram encaminhados para o Departamento de Polícia Legislativa, onde permaneceram por mais de quatro horas. Os dois trabalhadores foram liberados após pagamento de fiança equivalente a 1/3 do salário mínimo, cerca de R$ 293, e em seguida foram levados ao Instituto Médico Legal (IML) para fazer exame de corpo delito.
O incidente deu a tônica dos debates durante todo o dia, envolvendo parlamentares contrários e a favor do PL, além de representantes de diversas entidades populares. Sindicatos e movimentos presentes reclamaram de arbitrariedades cometidas pelas forças de segurança que atuam no Congresso.
“Já havia sido repassada com antecedência uma listagem com o nome dos petroleiros que iriam entrar para acompanhar a sessão, mas, quando chegamos na porta, deu algum problema. Não sabemos o que houve, e a polícia simplesmente prendeu duas pessoas que estavam no grupo”, conta Fábio Melo, da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP).
Leonardo Urpia, diretor jurídico da Federação Única dos Petroleiros (FUP), qualificou as prisões como “uma arbitrariedade”. “Não havia qualquer necessidade de prisão porque eles não significavam nenhum perigo à ordem ou a segurança das pessoas. Assim como a gente, eles estavam apenas tentando participar da Comissão Geral sobre o pré-sal, que é pra ser aberta a qualquer cidadão. Isso que ocorreu foi um ato de constrangimento e de ilegalidade e é um espectro do que tem ocorrido no país. Um total desrespeito ao cidadão, às leis, às garantias individuais e à liberdade de expressão”, criticou o dirigente.
Durante a realização da comissão, alguns parlamentares ajudaram a mediar a negociação dos petroleiros com a Câmara Federal para liberação dos presos, entre eles os deputados João Daniel (PT-SE), Valmir Assunção (PT-BA), Moema Gramacho (PT-BA), Carlos Zarattini (PT-SP), Afonso Florence (PT-BA) e Luiz Sérgio (PT-RJ).
A Comissão Geral atraiu cerca de 70 petroleiros de todas as partes do país, que viajaram a Brasília para acompanhar o trâmite do PL 4567/16 e manifestar posicionamento contrário à proposta.
Além deles, militantes de outros movimentos compareceram ao Congresso nesta terça-feira (9), entre eles o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Frente Brasil Popular e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
DEPOL justifica prisões
O Brasil de Fato entrou em contato com o Departamento de Polícia Legislativa (Depol) para saber o motivo das prisões, mas foi informado de que somente a assessoria de imprensa da Câmara Federal falaria sobre o assunto.
Em nota, a assessoria respondeu que "a Depol trata de forma igualitária e cortês todos os públicos que participam de atividades na instituição – sejam servidores, visitantes ou manifestantes"e que visitantes e agentes do Depol colaboram "para que eventuais manifestações transcorram sempre de forma organizada, respeitosa e pacífica".
O texto também dizia que, na manhã desta terça (9), "foi autorizada a entrada de aproximadamente cento e quarenta convidados ao interior do Plenário Ulysses Guimarães, já que as galerias estavam fechadas", e que o "Senado Federal está com um controle de acesso mais rigoroso nesta terça-feira em função da votação do relatório sobre o pedido de impedimento da presidenta Dilma Rousseff".
"Como o acesso às galerias das duas Casas é o mesmo, a Câmara manteve suas galerias fechadas ao público", concluiu.
Entenda o PL nº 4567/16
Originário do Senado e de autoria de José Serra (PSDB-SP), o PL 4567/16 propõe uma alteração na Lei 12.351/10, que concede à Petrobras o monopólio na execução das ações de exploração, avaliação e produção de petróleo. A ideia é desobrigar a estatal de participar da extração de petróleo na camada pré-sal, permitindo que outras empresas assumam essa atividade.
O PL foi aprovado no dia 7 de julho na Comissão Especial da Petrobras e Exploração do Pré-Sal da Câmara Federal por 22 votos a 5. Atualmente, tramita no plenário, onde pode entrar em votação nos próximos dias.
A proposta vem sendo apontada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como uma das prioridades da gestão, mas enfrenta forte resistência de diversos deputados, incluindo expoentes do PT, do PSOL e do PCdoB.
Comissão Geral
Vários parlamentares se manifestaram contrários ao PL durante a sessão da Comissão Geral nesta terça-feira (9), entre eles a líder da minoria na Casa, Jandira Feghalli (PCdoB-RJ).
“Esse PL não foi apresentado pelo Serra à tona, e também não é à toa que esse senador está à frente do Ministério das Relações Exteriores. Trata-se de uma tentativa de entregar as riquezas do país para as multinacionais, por isso precisamos continuar lutando fortemente contra essa proposta. A quem servirá essa nossa riqueza a médio prazo? Teremos a Petrobras a serviço do Brasil ou a serviço dos interesses externos?”, questionou Jandira.
“Estão querendo acabar com a maior potencialidade que este país tem em termos de crescimento, de desenvolvimento, de futuro e de investimentos em educação e saúde, que é o pré-sal”, disse em plenário o deputado Henrique Fontana (PT-RS).
Na tarde desta terça-feira (9), ele protocolou na Câmara um projeto de decreto legislativo que propõe a realização de um plebiscito para decidir sobre o PL.
“As pessoas precisam entender que o nosso projeto de nação está em jogo com este projeto de lei. É preciso que a sociedade decida”, defendeu o parlamentar.
Tumultuada, a sessão foi marcada por muita manifestação dos petroleiros, que por várias vezes entoaram palavras de ordem no plenário, incluindo “Fora,Temer” e “Defender a Petrobras é defender o Brasil”.
Movimentos consideram PL "entreguista"
Para os movimentos organizados, o PL 4567/16 consiste numa medida “entreguista”. “Eles querem entregar os recursos brasileiros para os grupos privados porque a direita brasileira tem acordos com as multinacionais não só para entregar o pré-sal, mas toda a cadeia industrial brasileira”, criticou Leonardo Urpia, da FUP.
A Federação projeta que, caso a proposta seja aprovada, um dos possíveis efeitos será o desemprego em massa na cadeia do petróleo. “A extração do petróleo é algo que mexe com todos os ramos da indústria, incluindo naval, civil, metal-mecânica, metalúrgica, etc. Com a entrada das multinacionais, elas vão passar a comprar os insumos e a usar mão de obra do estrangeiro. É evidente que isso não é bom para o país”, afirma o diretor jurídico da FUP.
Segundo dados oficiais, para cada bilhão investido pela Petrobras, são gerados entre 20 e 22 mil empregos diretos e indiretos no Brasil, resultando ainda numa adição de R$ 1,8 bilhão ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Ronaldo Pagotto, da Frente Brasil Popular, esteve presente na sessão e classificou o PL como um “ato simbólico contra o país”. “Ele representa o que as nossas elites pensam e está em sintonia com a lógica em que a ação foi construída, sempre no sentido de dar uma abertura irrestrita para as empresas internacionais. (…) A classe dominante brasileira é iletrada, irresponsável, inconsequente, antidemocrática e antinacional, por isso assume essa posição subalterna na economia mundial. Esse PL é entreguismo em estado puro”, criticou.
Além dos parlamentares e dos movimentos populares, outras figuras públicas compareceram à Comissão Geral e demarcaram posicionamento contrário ao PL, entre eles o ex-presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, e o pesquisador Ildo Sauer, do Instituto de Energia e Ambiente da USP.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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