O presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se irritou durante uma entrevista à rádio colombiana W, na última terça-feira (17) ao ser questionado sobre corrupção e o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, atualmente afastada do cargo. Ele chegou a acusar a entrevista de estar “partidarizada” e disse que o entrevistador, o jornalista Julio Sánchez Cristo, tinha uma posição “ideológica”.
A emissora faz parte do grupo Caracol, uma das maiores do país e tem uma linha editorial mais ligada a posições da direita. A Caracol, por exemplo, chama o governo de Nicolás Maduro de “regime” e, em suas redes de televisão, trata a Venezuela com tom bastante crítico.
Questionado pelo jornalista sobre a acusação de ele teria recebido dinheiro, de acordo com a chamada “Lista de Furnas”, Maia se irritou, afirmou que a lista “foi uma acusação do PT em 2005” e questionou de onde a informação havia saído. “Esse assunto não existe na pauta brasileira há dez anos, essa lista falsa de Furnas. Há dez anos esse assunto não existe”, afirmou.
A “Lista de Furnas” é um suposto esquema de corrupção revelado em 2000 que envolve a Furnas Centrais Elétricas e beneficiaria vários políticos – a maioria do PSDB e do então PFL (hoje DEM, partido de Maia). A CPI dos Correios, em 2006, com base em dois laudos, considerou que a listagem, que citava 150 pessoas, era falsa. No entanto, no mesmo ano, um laudo diferente comprovou a autenticidade da lista.
Em seguida, Sánchez Cristo questiona se o presidente interino Michel Temer é “o homem” que “leve adiante e recupere a confiança dos brasileiros”, já que ele, de acordo com o jornalista, está “com suspeita e está recebendo acusações de corrupção”. Maia novamente se exalta e chega a insinuar que a entrevista estivesse “patrocinada” – porém interrompe a palavra e diz a conversa está “estranha”.
“O presidente Michel Temer não tem nenhuma acusação, não tem uma investigação contra ele. Citações podem ocorrer, é bom que existam. Todos têm direito de falar, mas ninguém tem nenhum encaminhamento contra o Michel. Eu não tô entendendo, se uma rádio estrangeira está nesse encaminhamento. Eu, de fato, tô perplexo”, afirmou Maia.
O presidente interino foi citado em investigações das operações Lava Jato e Castelo de Areia, da Polícia Federal, e como beneficiário de um suposto esquema de corrupção no porto de Santos (SP). O nome de Temer aparece também como responsável por acertar a entrega de propina em 2012 para a campanha do então candidato à Prefeitura de São Paulo Gabriel Chalita (na época, no PMDB, hoje no PDT). A acusação foi feita pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, em um acordo de delação premiada.
Deputados
A temperatura da entrevista subiu quando o jornalista questionou Maia se a Câmara dos Deputados, “onde há mais de 300 parlamentares e a maioria deles é investigada por corrupção” (a Câmara tem 513 deputados), tinha “legitimidade” para julgar Dilma – que, continua, “até onde sabemos, não cometeu um delito de corrupção, mas sim de má gestão de governo”.
“Eu, de fato... perplexo. Quais são os 300 deputados que estão investigados e por quais crimes? Quais são os objetos... tem centenas de deputados estão em inquéritos de... de... de... questões eleitorais, tem nada a ver com corrupção. Eu não... e a sua pergunta, sobre a presidente, é o que eu digo: você está... a sua posição é ideológica também”, afirmou, compreendendo erroneamente que o jornalista havia afirmado que 300 deputados eram investigados por corrupção.
Sánchez Cristo tenta interromper o deputado, que, irritado, insiste e ameaça acabar com a entrevista. “Eu estou respondendo sua pergunta. (...) Eu vou terminar! Deixa eu falar! O senhor vai deixar eu responder! (...) Então a gente vai acabar a entrevista! Então o senhor vai deixar eu falar tudo e depois o senhor vai falar o que quiser!”, disse Maia.
O presidente da Câmara, então, começa a falar sobre o processo de impeachment de Dilma. “A presidente Dilma cometeu crime de responsabilidade. A legislação brasileira, queira a presidente Dilma ou não, trata de forma muito clara o equilíbrio fiscal”, afirma. O jornalista, por sua vez, diz que Maia “não respondeu à pergunta” sobre os deputados, e completa: “aqui ninguém ideologizou a entrevista, nem perguntou, nem colocou em dúvida a legislação brasileira”.
Rodrigo Maia, em seguida, afirma que a Câmara “tem legitimidade”. “A Câmara não tem 300 deputados respondendo por corrupção. A Câmara de Deputados têm legitimidade porque, se não tivesse a legitimidade, a Suprema Corte brasileira, que tem todas as condições, já tinha tirado o mandato de alguns, como suspendeu o mandato do ex-presidente da Câmara dos Deputados. A Câmara dos Deputados apenas autoriza a abertura do processo de impedimento de forma legítima. A partir daí, quem está julgando é o Senado.”
Atualmente, segundo um levantamento da Transparência Brasil feito para o jornal Los Angeles Times, 303 deputados são investigados por algum tipo de crime; ao menos 150 deles são acusados de corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e outros.
Leia trecho da entrevista:
Jornalista: Como vai a acusação de que o senhor supostamente tenha recebido comissões pela prestação de serviços à empresa elétrica do Estado, Furnas?
Maia: Eu? Isso não existe. Isso não existe. Aonde tá isso? Isso foi uma acusação do PT em 2005, eu não sei por que esse assunto tá entrando na entrevista.
Jornalista: Mas a acusação existe ou não existe, deputado?
Maia: Não, não existe. Onde tá isso? Cadê a investigação? Cadê o inquérito? [o tradutor tenta passar as frases de Maia para o espanhol] Isso é uma acusação feita pelo PT, que inventou. Isso é uma coisa de 2005, inventada pelo PT, uma coisa que não entendi por que entrou nessa entrevista. De onde vocês tiraram isso? Porque esse assunto não existe na pauta brasileira há dez anos, essa lista falsa de Furnas. Há dez anos esse assunto não existe.
Jornalista: Mas pode ser Michel Temer o homem que leve adiante e recupere a confiança dos brasileiros, quando o mesmo presidente atual estava com suspeita e está recebendo acusações de corrupção? Pode alguém com esses sinais recuperar uma confiança perdida e que de alguma maneira se refletiu na abertura dos Jogos Olímpicos com a estrondosa vaia contra o presidente Temer?
Maia: Olha, eu acho que essa entrevista ela tá patro..., ela tá muito estranha pro meu ponto de vista. O presidente Michel Temer não tem nenhuma acusação, não tem uma investigação contra ele. Citações podem ocorrer, é bom que existam. Todos têm direito de falar, mas ninguém tem nenhum encaminhamento contra o Michel. Eu não tô entendendo, se uma rádio estrangeira está nesse encaminhamento. Eu, de fato, tô perplexo.
Fazendo uma entrevista para discutir a conjuntura política brasileira, econômica, das investigações, nenhum problema, mas esse encaminhamento pessoal que vocês estão dando às duas últimas perguntas, eu não tô entendendo. Essa entrevista tá partidarizada de uma rádio do exterior. Eu tô querendo compreender o que tá acontecendo nessa entrevista.
Jornalista: Mas não há nenhuma demonstração de testemunhas de todas essas investigações contra o presidente, isso não é certo?
Maia: Não, eu posso passar para você a lista do que tem contra o ex-go... contra o governo anterior. Tudo o que eles fizeram, a destruição da Petrobras. Se você quiser aqui, a gente pode ficar três horas só citando isso. Eu não tô entendendo. Vocês são uma rádio do exterior. Não cabe a uma rádio do exterior que... é... especificar desse jeito. Vamos discutir o Brasil, vamos discutir o que vocês querem de informação do país. O presidente Michel Temer não tem nenhuma investigação contra ele. Não tô entendendo.
Jornalista: Senhor Maia, mudando um pouco de tema, como brasileiro, como vê os Jogos Olímpicos, como lhe parece esse evento?
Maia: Muito bem, acho que o Brasil está indo muito bem nos Jogos Olímpicos, acho que o Brasil tá dando uma demonstração de superação, com toda a crise que o Brasil vive, econômica, moral, ética. Sem dúvida nenhuma, há um momento de dificuldade do país, mas acho que os Jogos Olímpicos têm demonstrado que os brasileiros, apesar de toda a crise, tem dado uma demonstração de superação e têm feito Jogos Olímpicos que têm representado muito bem não só o Brasil, mas toda a América do Sul.
Jornalista: Senhor Maia, o senhor desculpe que, mesmo que sejamos uma rádio estrangeira, que lhe perguntemos sobre assuntos locais. Para isso lhe chamamos. Senhor Maia, em uma Câmara dos Deputados, como a que o senhor preside, onde há mais de 300 parlamentares e a maiora deles é investigada por corrupção. Minha pergunta é a seguinte: com que legitimidade pode essa Câmara dos Deputados, infestada de corrupção, julgar uma presidenta que, até onde sabemos, não cometeu um delito de corrupção, mas sim de má gestão de governo?
Maia: Eu, de fato... perplexo. Quais são os 300 deputados que estão investigados e por quais crimes? Quais são os objetos... tem centenas de deputados estão em inquéritos de... de... de... questões eleitorais, tem nada a ver com corrupção. Eu não... e a sua pergunta, sobre a presidente, é o que eu digo: você está... a sua posição é ideológica também.
Jornalista: Não, senhor Maia...
Maia: A lei brasileira...
Jornalista: Não, senhor Maia...
Maia: Não, não, você perguntou e eu...
Jornalista: Não, não, desculpe-me, senhor Maia, eu faço uma pergunta e você me responde se quiser.
Maia: Eu vou responder!
Jornalista: [incompreensível]
Maia: Então deixa eu falar!
Jornalista: Não, deixe-me falar primeiro e faço a pergunta se estiver tudo bem para você.
Maia: Eu estou respondendo sua pergunta. [incompreensível] Eu vou terminar! Deixa eu falar! O senhor vai deixar eu responder! [incompreensível] Então a gente vai acabar a entrevista! Então o senhor vai deixar eu falar tudo e depois o senhor vai falar o que quiser!
Jornalista: Não, senhor Maia, o que estamos fazendo aqui...
Maia: Não, não, não. Tá bom, eu vou responder. Você tá errado. A presidente Dilma cometeu crime de responsabilidade. A legislação brasileira, queira a presidente Dilma ou não, ela trata de forma muito clara o equilíbrio fiscal. Quando você desrespeita a lei de forma objetiva e prevista, é crime de responsabilidade o desrespeito à liberação do orçamento sem autorização do Congresso Nacional. Isso é crime de responsabilidade. E mais: banco público não pode emprestar dinheiro para seu controlador, para o Estado brasileiro. Como um banco privado não pode emprestar dinheiro para seus controladores. A legislação é muito objetiva. E o governo dela cometeu esses dois crimes. Você pode achar que a legislação brasileira pode estar errada, mas é a legislação do Brasil que diz isso, que aprovar orçamento, liberação do orçamento sem autorização do Congresso é crime. E emprestar dinheiro de banco público para fechar as contas dos gastos do governo é crime. Se você é contra que essa lei exista, essa é outra questão. Por isso que eu digo que é uma questão ideológica, pra quem não acredita... Esses dois pontos estão claros na lei brasileira. É por isso que eu digo, sem nenhum demérito, que quem não acredita nisso está ideologizando o debate. Por isso que eu digo que você está ideologizando o debate.
(o locutor tenta interromper Maia)
Maia: Deixa eu terminar! Vocês gostam de criticar, vocês não gostam de ouvir. Não é só aí. É todo mundo. Então, na hora que a legislação é desrespeitada, se a legislação tá errada, que se mude a legislação. O que não pode é porque o governo achava que não devia respeitar a legislação, descumpriu a legislação. É crime de responsabilidade e ponto final.
Jornalista: Senhor Maia, a minha pergunta, o senhor não respondeu. Porque aqui ninguém ideologizou a entrevista, nem perguntou, nem colocou em dúvida a legislação brasileira. E, se foi cometido um crime, é preciso julgá-lo. E creio que você não respondeu, e, por isso, pergunto de novo: você acredita que a Câmara dos Deputados que você preside, flagrada em casos de corrupção, está legitimada para julgar a presidenta que, supostamente, cometeu esse delito - não coloco em dúvida o delito, coloco em dúvida a legitimidade da Câmara e pergunto a você na qualidade de presidente e de quem representa os brasileiros.
Maia: A Câmara não tem 300 deputados respondendo por corrupção. A Câmara de Deputados têm legitimidade porque, se não tivesse a legitimidade, a Suprema Corte brasileira, que tem todas as condições, já tinha tirado o mandato de alguns, como suspendeu o mandato do ex-presidente da Câmara dos Deputados. A Câmara dos Deputados apenas autoriza a abertura do processo de impedimento de forma legítima. A partir daí, quem está julgando é o Senado. É assim a regra do impedimento no Brasil e não vejo, e não conheço 300 processos de deputados que estejam respondendo por corrupção. Não vejo isso, isso não existe na Suprema Corte brasileira.
Jornalista: Deputado, não tiveram que renunciar vários ministros do presidente por estarem envolvidos também em investigações? E por isso também lhe falo no tema da confiança da cidadania frente ao novo governo, quando vários de seus ministros tiveram que renunciar também por denúncias?
Maia: Eu acho que se o ministro... é bom que um governo que escolha um ministro, se apareça um problema com algum ministro, que esse problema não seja conhecido anteriormente, que o governo faça a mudança de forma rápida, para mostrar que não há por parte do governo nenhum tipo de comprometimento com essas questões. Então eu acho que, quando o governo nomeia um ministro e as informações não estão claras, são informações que não existiam na sociedade, no momento em que elas aparecem, se elas forem graves, ou se existirem indícios de dúvidas, o que o presidente Michel fez em poucos casos exatamente o afastamento, o que eu acho correto.
Jornalista: Presidente, uma última pergunta, muito simples, muito concreta. Quando saberemos o futuro da senhora Rousseff?
Maia: De quem, da presidente?
Jornalista: Sim, quando saberemos o futuro político dela, o que vai acontecer?
Maia: Começa no dia 25 no Senado, 25 de agosto, e deve terminar no dia 29 de agosto o julgamento. São três ou quatro dias de julgamento.
Jornalista: Presidente, obrigado por seu tempo e desculpe-me por algumas perguntas que o tenham incomodado. Faz parte do nosso ofício e desejamos o melhor para o futuro do Brasil, presidente Maia.
Maia: Um abraço.
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