Antes mesmo do desfecho do processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff (PT), o governo interino já vem modificando políticas de programas sociais. Áreas como saúde, educação e habitação sofreram cortes, o que levou à redução de investimentos em programas federais. Além disso, Michel Temer (PMDB) demonstrou intenção de fazer reformas profundas nas áreas trabalhista e previdenciária.
A gestão provisória trabalha para aprovar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que estabelece teto para gastos públicos para as próximas duas décadas.
O projeto permite que 25% das receitas da União, estados e municípios sejam desvinculadas, ou seja, deixem de ser obrigatoriamente investidas em determinadas áreas. Isso significa que o governo conseguirá diminuir gradualmente investimento, congelando os gastos. A PEC foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal no dia 9 de agosto.
Crítica
Para os críticos da ideia, a saúde seria uma das áreas mais afetadas. O senador Paulo Paim (PT-RS) afirma que há um risco “de desmonte expressivo da já precária situação da saúde pública brasileira”.
“Essa é a PEC dos 20 anos de lucros para os banqueiros, do arrocho fiscal, da destruição dos serviços públicos de saúde e educação. Um retrocesso democrático”, disse o líder o PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP), durante a sessão da CCJ.
Caso a proposta seja aprovada, o Sistema Único de Saúde (SUS) pode deixar de receber R$ 80 bilhões em duas décadas. A estimativa foi apresentada, em carta, pela Associação Nacional do Ministério Público de Contas, pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Contas, pela Associação Brasileira de Economia da Saúde, pela Associação Nacional do Ministério Público em Defesa da Saúde e pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva.
Paralelamente a essas medidas, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse que é necessário reduzir o tamanho do SUS. No dia 4 de agosto, o governo instituiu um grupo de trabalho para criar um modelo baseado em “planos de saúde” populares. Barros teve financiamento de seguradoras na última campanha eleitoral.
Programas
Na área educacional, a política econômica de Temer já surte efeitos. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – principal agência de fomento à pesquisa e ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia – cortou 20% das bolsas de iniciação científica no país, passando de 33.741 para 26.169.
Quatro ações sofreram com o impacto: Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, Programa de Iniciação Científica para o Ensino Médio, Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação e Programa Institucional de Iniciação Científica nas Ações Afirmativas.
“Cortar bolsas de iniciação científica é cortar o futuro. Nenhum governo tem o direito de fazer isso”, criticou Helena Nader, presidenta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Ainda no campo educacional, o Ministério da Educação anunciou que estudantes de graduação não poderão mais ser beneficiados pelo Ciência sem Fronteiras.
Agricultura
O ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, ordenou que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) devolvesse R$ 170 milhões à pasta. O montante seria aplicado no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), responsável pela aquisição e estocagem de gêneros alimentícios.
No ano passado, 121 mil toneladas de alimento foram adquiridas. Cerca de 40 mil agricultores eram contemplados pelo programa. A medida se soma à própria extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), ocorrida assim que Temer assumiu interinamente.
No campo, movimentos camponeses reivindicam, entre outras coisas, a retomada de programas voltados para a habitação rural. De forma geral, a habitação também enfrenta retrocessos, especialmente a moradia popular.
Enquanto o Ministério das Cidades anunciava suspensão de novos contratos do “Minha Casa, Minha Vida”, voltando atrás após críticas e mobilizações de movimentos de moradia, o teto do financiamento da Caixa Econômica Federal para a aquisição de imóveis de alto valor dobrou de R$ 1,5 milhão para R$ 3 milhões.
“Reformas”
Além dos cortes e modificações em programas, o governo interino discute alterações profundas nas questões trabalhistas e previdenciárias.
Temer apontou a ideia de estabelecer uma idade mínima para aposentadoria – 65 ou 70 anos –, equiparando trabalhadores rurais e urbanos. Na questão trabalhista, a gestão provisória defende a ideia de fazer prevalecer o negociado entre empregados e patrões sobre aquilo que diz a lei. Nesse pacote, até mesmo questões como o 13º salário e as férias anuais estariam em risco.
Resposta
Consultadas pela reportagem, nenhuma das autoridades mencionadas respondeu. Em ocasiões anteriores, entretanto, já haviam se manifestado publicamente sobre essas questões.
O CNPq afirmou que, “considerando o contexto orçamentário atual e a indicação para 2017 de redução do orçamento para o próximo ano, foi necessária a adequação da concessão de bolsas da agência ao novo cenário”.
A Caixa disse que ampliou a capacidade de investimento, pois “conseguiu recursos, por exemplo, com a emissão de títulos”. Afirmou também que a ampliação do financiamento de imóveis de alto valor atende pedido do “próprio governo”.
O Ministério do Desenvolvimento Social disse que ainda estuda onde aplicará as verbas que antes seriam aplicadas pela Conab no Programa de Aquisição de Alimentos.
Em relação ao Ciência sem Fronteiras, o Ministério da Educação afirmou que o valor antes voltado para estudantes de graduação será destinado a estudantes de baixa renda do Ensino Médio.
O teto de gastos, com desinvestimento em saúde e educação, é defendido pelo governo como medida necessária para se reencontrar o equilíbrio fiscal.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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