É inaceitável a posição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) de aprovar com urgência os pedidos de liberação comercial de variedades de milho transgênico não avaliado no Brasil. O ato pode ser consumado em reunião na próxima quinta (1º).
Seu zelo para com o interesse de importadores de milho afeta o compromisso necessário com a saúde da população e do ambiente, contrariando sua necessária fidelidade ao princípio da precaução.
Refiro-me aos itens 1.5, 1.15, 1.24 e 1.25 da pauta da CTNBio, que pode ser acessada aqui. A urgência das organizações importadoras não pode ser usada como argumento para descaso às normas de segurança vigentes no país, que exigem análise cuidadosa e não rapidez de decisões.
Quando a urgência corresponde à pressa e atende a interesses econômicos de poucos, capazes de trazer riscos para a saúde e o ambiente de muitos, ela deve ser recusada. As avaliações de risco não podem ser açodadas e muito menos submetidas aos interesses do comércio.
O Brasil, país que exporta milho e, portanto, não faz estoque dos alimentos aqui produzidos após avaliação e aprovação em análises de risco oficiais, não deve suprir as lacunas geradas pela dispensa de seus grãos comprando outros, de qualidade discutível.
Salienta-se que, mesmo sem esta pressa inaceitável, nossas avaliações de risco já se mostram simplificadas, incompletas, contrariando preceitos de ministérios relevantes e em muitos casos descumprindo as normas da própria CTNBio.
Em síntese, não podemos dispensar de todo as análises de risco exigidas por lei e aprovar, sob regime de urgência, autorizações de uso que objetivam, essencialmente, permitir o consumo interno de produtos que não foram completamente estudados em nossas condições.
Se a aprovação de venda pelos países exportadores merece nossa confiança, qual a razão de onerosas estruturas nacionais, próprias, para avaliação de risco? A razão é óbvia: os estudos realizados pelos interessados em nos vender suas mercadorias não merecem, a priori, nossa total confiança.
As condições de ambiente, os microorganismos, as redes tróficas, as espécies ameaçadas de extinção, o clima e as relações ecológicas dominantes em nossos biomas impõem circunstâncias e singularidades que não podem ser captadas em análises desenvolvidas em outras realidades.
Os estudos realizados na América do Norte, no Canadá e na Austrália podem ser interessantes, mas pouco informativos para os brasileiros. De que nos vale saber que um inseto existente apenas no norte da Europa não é afetado pelo milho transgênico cultivado no Canadá, se não temos estudos do impacto daquele milho sobre insetos benéficos dominantes no Brasil? Para que nos serve uma avaliação de risco que, explicitamente, revela seu objetivo de aprovar, antes mesmo de analisar, quando a preocupação é a saúde e não o comércio?
Precisamos de uma verdadeira agência de análise de riscos, com estruturas próprias e ações independentes, que atribua primazia aos interesses da saúde e do ambiente, que dê atenção especial aos analistas dos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, que gere informações capazes de atestar inocuidade dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) distribuídos no Brasil em perspectiva plurigeracional. A pressa, neste caso específico, serve a outros interesses e deve ser denunciada.
Já são muitas as críticas que permitem dúvidas quanto à qualidade dos serviços prestados pela CTNBio, bem como sobre os interesses beneficiados pelos resultados e pelas implicações de suas decisões. Mas agora estamos diante do limite da racionalidade que sustenta sua criação e existência.
Neste movimento pela aprovação rápida de importações, a CTNBio corre risco de desmoralização completa, coroando de forma abjeta uma trajetória de criticas que compromete sua triste história.
(*) Leonardo Melgarejo é presidente da Associação Gaúcha de proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), coordenador do Grupo de Trabalho sobre agrotóxicos e transgênicos da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA). Ex-representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio
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