Cerca de mil famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam na madrugada desta quinta-feira (8) a fazenda Saco de Bom Jesus, em Formosa, interior de Goiás. A ação faz parte do contexto de mobilizações da Jornada de Lutas Unitária dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas.
Poucas horas após a ocupação, a tropa de choque da PM de Goiás realizou despejo, mesmo não havendo nenhuma ordem judicial. Segundo o MST, os policiais afirmaram que "não precisavam de pedido de reintegração".
De acordo com o MST, a fazenda, que tem extensão de 1.909 hectares, é considerada improdutiva e seria ligada à senadora Ana Amélia (PP-RS), que não teria declarado parte do patrimônio ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE). A área foi adquirida pela senadora e pelo marido, Octávio Cardoso, na década de 1980. Em 2011, ano em que a parlamentar incluiu a propriedade em seu inventário, ela teria omitido parte do patrimônio, cerca de 36% das terras em Goiás, o que corresponde a 680 hectares. Essa quantidade não constaria na parte que foi somada ao patrimônio de Ana Amélia após o falecimento de Cardoso, no mesmo ano.
Conforme a Escritura Pública de Inventário e Partilha, a propriedade tem 600 cabeças de gado e, de acordo com o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural do espólio, a área soma 1.562 hectares, sendo classificada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) como grande propriedade. No entanto, ainda de acordo com o MST, os dados do inventário mostram 1.909 hectares.
Função social
O MST argumenta que, pelos ditames legais, a lotação de gado da propriedade não atende aos índices de produtividade de Goiás. Entre outras coisas, o Movimento cita o artigo 184 da Constituição Federal, que trata da função social da terra.
“O nosso objetivo é denunciar a grilagem e a sonegação de terras que a família da Ana Amélia vem fazendo, porque é uma área claramente improdutiva e que nem foi declarada à Justiça Eleitoral. Agora a propriedade está em nome de laranjas e é utilizada para fazer especulação. Inclusive, em 1999, um decreto do Governo do Estado declarou a área como improdutiva”, argumenta Marco Antonio Baratto, da direção nacional do MST.
Ainda de acordo com o Movimento, o estado tem mais de 5 mil famílias sem-terra acampadas à espera de lotes para produzir, e a área da fazenda daria para assentar mais de 200 famílias, já que o módulo rural em Goiás varia de 16 a 24 hectares.
Ele se queixou também da atuação da polícia logo após a montagem da ocupação. “Mal a gente chegou, duas horas depois apareceu a tropa de choque. Já fizemos ocupação em áreas, digamos, menos ‘famosas’, e geralmente apareciam um ou dois carros de polícia só. A atuação rápida deles, ainda mais sendo a tropa de choque, nos mostra que essas terras, de fato, pertencem a gente muito poderosa”, afirmou o dirigente.
Baratto informou ainda que o MST vai acionar a Ouvidoria Agrária Nacional, ligada ao Incra. “O Incra precisa fazer a vistoria e desapropriar essa terra. É o que esperamos da instituição”, disse Alexandre Conceição, também da direção nacional do movimento.
Outro lado
O Brasil de Fato procurou a assessoria de imprensa da senadora Ana Amélia (PP-RS), que respondeu à reportagem em nota. A parlamentar afirma que a fazenda foi vendida em 2014 e que o processo de transferência para o novo proprietário está em fase de conclusão.
“Essa propriedade rural fazia parte de um espólio no qual eu e as filhas do meu marido, Octávio Cardoso, falecido em 2011, éramos herdeiras. A venda ocorreu em agosto de 2014, conforme registo no Cartório 2º Tabelionato de Notas, em Itumbiara (GO), e foi declarada no imposto de renda de todos os herdeiros na declaração seguinte, como determina a lei”, diz a senadora.
Ela também qualificou as denúncias como “caluniosas” e afirmou que a Procuradoria-Geral da República já teria determinado o arquivamento do processo por "improcedência da denúncia".
Incra
A reportagem também contatou o Incra para tratar do assunto. A instituição informou que reconhece que a vistoria da área em questão foi pleiteada pelo MST para verificar o cumprimento da função social e informou que, em setembro do ano passado, foi instaurado um procedimento administrativo.
Segundo a assessoria de imprensa, o objetivo é analisar a cadeia nominal de registro do imóvel rural, a fim de subsidiar possível procedimento de fiscalização.
“O Incra esclarece que, em virtude da ocupação, com base no parágrafo 6 do art. 2º da Lei 8.629/1993, está impedido de vistoriar e avaliar o referido imóvel rural pelo período de dois anos após a sua desocupação. O Instituto destaca também que, sem proceder com a fiscalização, não pode verificar o cumprimento da função social da área reivindicada e que, dessa forma, não é possível afirmar se a área é produtiva ou improdutiva”, diz a nota.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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