Aton Fon Filho, tinha 16 anos quando em 1964 se filiou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).. No final de 1969, foi preso e torturado por sua atuação na Ação Libertadora Nacional (ALN). Passou quase dez anos preso. Foi libertado em 1979, formou-se em Direito e atua junto aos movimentos populares, tais como o MST, é especialista em conflitos agrários e direitos de populações tradicionais. Mesmo libertado ainda durante o período militar, Aton Fon Filho só foi legalmente anistiado em outubro de 2013, pela Caravana da Anistia. Ele conversou com a reportagem do BdF PE em passagem por Pernambuco. Confira!
O MST tem sido o principal alvo da criminalização no Brasil porque isso acontece?
Nos últimos 30 anos ele de fato tem sido. Acho que isso acontece porque no período de domínio neoliberal o MST foi o movimento social que se manteve organizado, se manteve na ofensiva e que, de certa forma, manteve hasteada a bandeira da rebeldia do povo. Então era um esforço necessário esse de fazer baixar essa bandeira, esse de fazer cessar essa rebeldia. O Movimento dos Sem Terra ele é alvo da repressão por ser também alvo do carinho do povo. Os inimigos do povo ao atacarem o MST querem atacar os símbolos maiores que a gente tem na luta popular.
O encarceramento de militantes no último período é também um indicador do aumento da criminalização. A partir disso você poderia comentar o caso dos militantes do MST de Pernambuco que estão encarcerados.
Nos preocupa muito porque inauguram-se outras formas de pressão e de criminalização dos movimentos sociais. Várias das formas mais brutais, ilegais que foram instituídas para quem vai lutar contra as manifestações do povo elas foram inauguradas sempre contra o MST. Aqui, em São Joaquim do Monte, também aconteceu uma situação de uma brutalidade absoluta em que vários companheiros estão presos desde fevereiro de 2009 quando pistoleiros a serviço do latifúndio foram e realizaram atentados contra os trabalhadores Sem Terra e os trabalhadores Sem Terra que reagiram aquele atentado que estava sendo praticado contra eles e que foram felizes. Eu quero deixar bem claro que eles foram felizes no exercício da legítima defesa. Eu também quero deixar bem claro que eu sempre prefiro fazer a defesa de companheiros que conseguem exercer a legítima defesa, preservando suas vidas, mesmo quando essa legítima defesa acaba levando ao ferimento ou mesmo a morte dos pistoleiros assalariados pelo latifúndio, do que perante o mesmo tribunal do júri fazer a assistência da acusação contra os pistoleiros assalariados pelo latifúndio quando eles conseguem matar pessoas importantes para a luta operária, para a luta camponesa, para a luta do povo. É preferível que nós choremos a injustiça que está sendo praticada contra companheiros como Aluciano, como Antônio Honorato, aqui em São Joaquim do Monte, que souberam preservar vidas do que chorar a ausência deles.
O que nós podemos falar do papel do judiciário nesse processo de criminalização dos movimentos populares?
O judiciário existe para exercer a repressão na sociedade, é o último degrau do exercício da repressão na sociedade. A repressão contra movimentos na sociedade começa pelos criminosos assalariados pelo latifúndio, passa pelos criminosos que são fardados e que são amparados pelo estado, passa pelo ministério público que é o órgão voltado para pedir ao poder judiciário que criminalize os combatentes sociais e alcança por fim esse degrau. Nós podemos sim ver concretamente que o mesmo poder judiciário que absolve os pistoleiros e os contratantes de pistoleiros na Paraíba e em Pernambuco, são os mesmos que vem com a maior sede, com a maior fome, para castigar os trabalhadores que reagem as agressões feitas por esse mesmo latifúndio.
Como se dá o processo de criminalização e perseguição dos defensores de direitos humanos?
É preciso primeiro ter uma noção mais clara do que são os direitos humanos. Há um pacto internacional de defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais. Então lutar pela terra, por exemplo, é lutar pelo atendimento a um dos direitos humanos. Lutar pelo direito ao trabalho é lutar por um direito humano. Lutar pelo direito à alimentação é lutar por um direito humano. Então na verdade todos esses militantes sociais, todos esses trabalhadores que lutam por melhores salários, que lutam por melhor transporte, que lutam por moradia, que lutam pelo acesso à saúde, pelo acesso à educação, todos esses militantes sociais têm que ser vistos também como defensores dos direitos humanos. Eles estão lutando não apenas para eles próprios terem acesso a esses direitos mas para que toda a coletividade possa ter acesso a esses direitos.
Numa conjuntura de golpe e com avanço da organização popular e mais enfrentamentos, deve ter como resposta à criminalização?
Eu acredito que sim. Na verdade, abre-se uma nova jornada na vida brasileira. Uma jornada em que novamente as correntes neoliberais vão se lançar ensandecidas contra os direitos dos trabalhadores, contra o patrimônio público brasileiro, contra a própria ideia de nacionalidade. Contra isso eu sei que vão se levantar também as forças do povo. Por isso mesmo, é de se prever que os criminosos que rasgaram a Constituição com o golpe vão desencadear a mais desavergonhada repressão, como também demonstraram isso já nos últimos dias. Do plano político nós vamos ter que encarar a necessidade de cerrar fileiras em torno da luta por uma Assembleia Nacional Constituinte que refaça tudo isso que está sendo destruído agora. Mas vamos ter que ser capazes também de juntar forças, juntar coragem, juntas inteligência, juntar disposição, juntar cultura, juntar beleza, juntar tudo isso para enfrentar essa repressão. A repressão nós vamos enfrentar com energia, com as nossas forças, mas vamos enfrentar também com toda a doçura que nós formos capazes de produzir para mostrar que nós não nos confundimos com esses canalhas.
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