Ermínia Maricato é uma arquiteta com longa trajetória de reflexão teórica e enfrentamento dos problemas urbanos. Atualmente, é professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), mas já foi coordenadora do programa de pós-graduação da mesma faculdade (1998-2002), secretária de habitação de São Paulo (1989-1992) e secretária-executiva do Ministério das Cidades (2003-2005).
Presente no 3° Acampamento Nacional do Levante Popular da Juventude – que aconteceu entre os dias 5 e 9 de setembro, em Belo Horizonte (MG) – ela conversou com o Brasil de Fato MG sobre acesso a moradia e reforma urbana, seu objeto de estudo e área de atuação há quatro décadas.
Brasil de Fato MG: Você tem dito, em diversas oportunidades, que as cidades brasileiras se tornaram inviáveis. O que isso quer dizer?
Ermínia Maricato: Inviável porque não se pode ter paz numa cidade onde existe tanta injustiça. Temos uma legislação avançada, como a lei da mobilidade urbana, que aponta que a prioridade é o pedestre e a bicicleta não motorizada, depois vem o transporte coletivo, depois o transporte de carga e depois o automóvel. No entanto, em cidades de porte médio é impressionante o que se gasta para o automóvel circular. É insano e irracional imaginar que vamos resolver os problemas das cidades colocando automóveis no centro da matriz da mobilidade, matando no trânsito 42 mil pessoas por ano. Esse é um dado de 2013 da USP. É muito impacto, até na saúde mental das pessoas, por conta de todo o tempo perdido no trânsito, que tem a ver com depressão, ansiedade e comportamento impulsivo.
Quando o Brasil começou a discutir reforma urbana?
O movimento da reforma urbana, como todas as grandes propostas para o país, nasce antes de 1964. Mas essa pauta não chegou a ser um projeto da população e não ficou tão importante como a reforma agrária. Na luta contra a ditadura foi retomado o movimento de reforma urbana. Participaram moradores da periferia, movimentos sociais, de luta por creches, além de professores, pensadores... isso enquanto os partidos estavam proibidos e os sindicatos caçados.
Já visualizando hoje, eu comparo ao Levante, esse novo movimento que consegue agregar e pautar não só a cidade, mas sim o campo, a moradia, o direito a educação...
O programa “Minha Casa Minha Vida” foi um avanço?
Eu sou muito crítica ao programa, não só eu, raros arquitetos com experiência acadêmica ou no setor público vão concordar com ele, porque os agentes de mercado [empreiteiras, por exemplo] foram muito fortes. A habitação não é apenas casa, as pessoas precisam da cidade. Precisamos colocar o pobre para ocupar a cidade e não o jogar em guetos. Isso é um erro, tirar o pobre para fora da cidade, como se a periferia fosse um depósito de gente.
Qual a importância do 3° Acampamento do Levante?
Muita gente da minha geração ficou muito triste com os últimos acontecimentos, com o golpe, com a perda de direitos conquistados a duras penas. Eu divulguei pela rede social o release do Levante e é muito interessante ver o impacto que isso gerou nas pessoas que conheço, que estavam desesperançadas. Eu costumo dizer que nós terminamos um ciclo com a votação do golpe, mas nós já tínhamos começado outro, com o Levante. Acompanhei os escrachos, que era uma super novidade, e desde então ficou claro para mim que na sociedade brasileira havia novos sujeitos, novos personagens na cena política. E o melhor de tudo é que são jovens, mas, além de jovens, são incrivelmente criativos, inventivos, dão muita lição à esquerda da minha geração.
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