Educação

“Essa reforma é uma imposição”, diz estudante sobre reformulação do ensino médio

Governo Temer propõe jornada integral e direcionamento da educação de segundo grau

Brasília (DF) |
Estudantes secundaristas das ETECs de São Paulo, em maio deste ano
Estudantes secundaristas das ETECs de São Paulo, em maio deste ano - O Mal Educado/Reprodução

A proposta de reforma do ensino médio defendida pelo governo de Michel Temer vem suscitando controvérsias e provocando reações por parte de movimentos organizados e membros da comunidade escolar.

Fundamentada no Projeto de Lei (PL) 6840/2013, a medida resulta do relatório produzido pela Comissão Especial para Formulação do Ensino Médio (CEENSI) da Câmara Federal. A ideia é alterar a Lei nº 9.394/1996 para instituir, entre outras coisas, a jornada em tempo integral e modificar a organização dos currículos escolares, de modo a enfatizar a formação dos alunos por áreas do conhecimento.

Segundo propõe o PL, os estudantes teriam uma grade curricular comum no início do ensino médio e, depois, escolheriam as disciplinam que querem aprofundar, conforme os interesses profissionais no vestibular.

A divisão ocorreria a partir da ênfase nas seguintes opções de formação: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação profissional, trazendo à tona o ensino técnico.

Para defender a proposta, o governo argumenta que o ensino médio é o que está em pior situação quando comparado às séries iniciais e finais da educação fundamental. A meta dessa fase do ensino para 2015 era de 4,3 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), mas ficou em 3,7. Na visão do governo, a reforma faria o índice subir.

O ministro da Educação, Mendonça Filho, tem afirmado nas últimas semanas que o governo vem colocando a reforma no rol de prioridades da gestão. Ele sinalizou ainda que a estagnação do PL na Câmara não seria empecilho à implantação das mudanças, que poderiam entrar em vigor através da edição de uma medida provisória (MP), o que poderia ocorrer ainda esta semana.

Tramitando desde 2013, o PL não deve ter prioridade na atual agenda congestionada do Congresso, mas conta com a pressão do MEC para uma rápida efetivação.  

Polêmica

As manifestações do ministro e a proposta em si têm causado uma ressonância negativa em diversos segmentos ligados à educação, que se queixam da pressa na implementação das medidas e da falta de debate com a sociedade.

“O MEC [Ministério da Educação] não teve a capacidade de avaliar o que vinha sendo feito e aprimorar as políticas. Em vez disso, vem desconstruindo tudo quando decide colocar, sem ouvir a comunidade educacional, propostas que apenas interessam ao mundo empresarial, sem se importar com as questões pedagógicas. Quem quiser reformar o ensino médio deveria começar ouvindo os estudantes que ocupam as escolas”, disse o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara.

Entre outras coisas, professores, alunos e movimentos ligados à área educacional têm demonstrado preocupação com o ensino voltado para a formação técnica porque isso poderia significar uma formação mais voltada para interesses privados do que para a uma preparação qualitativa do aluno.

“Se a preocupação é no sentido de dizer que o ensino médio não forma nem pra universidade nem pro mercado de trabalho, nós não podemos fazer uma análise do ensino médio apenas por indicadores externos de avaliação, como vem sendo colocado pela mídia e pelo governo. O Ideb só não explica. A gente precisa entender a escola por dentro. É preciso ouvir os estudantes pra saber quais as expectativas desses jovens, o que eles pensam sobre a escola e sobre o currículo. Tenho muita preocupação com reformas feitas em gabinetes, principalmente se o que estiver por trás forem interesses mercadológicos”, considera Edileuza Fernandes da Silva, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).

Em sintonia com o que vem sendo proposto por diversos grupos, ela defende que as mudanças no ensino médio sejam debatidas com a sociedade através de mecanismos de participação dentro da escola, nas redes virtuais e no parlamento.

O Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio, composto por dez entidades do campo educacional, também se manifestou recentemente contra a iniciativa do governo e criticou os pontos do PL, incluindo a proposta de direcionamento do ensino.

“A organização com ênfase de escolha para uma ou outra área contraria tanto a Constituição Federal quanto a LDB [Lei de Diretrizes e Bases], que asseguram o desenvolvimento pleno do educando e a formação comum como direito. (...) A proposta conduz à privação do acesso ao conhecimento, bem como às formas de produção da ciência e suas implicações éticas, políticas e estéticas, acesso este considerado relevante neste momento histórico em que as fusões de campos disciplinares rompem velhas hierarquias e fragmentações”, diz o movimento em nota.

A escola 

A proposta de reforma do ensino médio vem repercutindo também entre estudantes que estão nessa fase do ensino. Entre outras coisas, o estudante Francisco Franco, que integra a direção colegiada de um grêmio estudantil em Brasília, demonstra preocupação com as consequências que podem resultar da referida reforma. Na opinião dele, a política educacional pode assumir rumos que ferem a lógica do ensino.  

“A gente está vendo aí o governo cortar verbas das universidades federais e de programas que ajudam os estudantes de periferia a entrarem na universidade, como o Prouni. Aí, se você dificulta o acesso à universidade e coloca no ensino médio o ensino técnico, que é pra dizer que o aluno vai sair de lá com uma profissão, você está praticamente escolhendo quem vai continuar estudando na universidade. (...) Nós vamos ter muita mão de obra barata, com muita gente tendo diploma de ensino técnico, e isso só serve pra beneficiar as empresas. (...) A gente tem críticas ao ensino atual, mas colocar o ensino técnico como solução é estimular o conhecimento massificado, que não serve nem pra formar uma opinião crítica do aluno sobre o mundo do conhecimento”, avalia o estudante.  

Franco também se queixa da possibilidade de as mudanças serem implantas através de uma medida provisória. “Isso demonstra a total falta de diálogo. É o governo provando que essa reforma é uma imposição, e não é assim que vamos solucionar os problemas do método atual de ensino”, considera.

O pedagogo Alexandre Varela, que tem dois filhos em idade escolar, também se diz preocupado com a proposta. Entre outras coisas, ele se queixa da volta da institucionalização do ensino profissionalizante.

“Sou de uma geração que teve ensino profissionalizante e tenho muitos amigos que tiveram que fazer o terceiro ano pela segunda vez porque não conseguiam entrar na universidade. Eles estavam preparados pra uma determinada demanda de mercado, mas não pra isso”, conta.

Ele também critica a falta de diálogo do governo com os diversos segmentos do universo estudantil. “O que mais me assusta é que a comunidade escolar está à margem dessa discussão. Nós, pais dos alunos, não estamos sendo chamados para esse debate, e eles ainda querem definir isso por uma MP. Me parece ruim definir a qualidade da educação por um decreto, porque, quando você debate um PL e faz várias audiências públicas em diversos pontos do país, é outra coisa. Para quê essa pressa do governo?”, questiona Varela, que tem um filho no segundo ano do ensino médio e uma filha no 6º ano do ensino fundamental.   

O governo

O Brasil de Fato procurou o Ministério da Educação (MEC) para tratar da proposta de reforma do ensino médio e das críticas feitas pelos segmentos da educação ouvidos nesta reportagem, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

A assessoria de imprensa do MEC também não confirmou se a medida provisória referente à reforma poderia ser editada ainda esta semana, como tem sido noticiado por alguns veículos da grande mídia. 

Edição: Camila Rodrigues da Silva

Edição: ---