Agulha, linha e retalhos de tecidos. Objetos utilizados para bordar sobre a juta (fibra têxtil vegetal) ganham forma e linguagem própria. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Centro Cultural Sesc Boulevard - Belém apresentam, até 31 de outubro, a exposição Arpilleras Amazônicas: Costurando a luta por direitos. A mostra tem um conjunto de peças costuradas a muitas mãos por mulheres atingidas por barragens na Amazônia.
As arpilleras (tradução de juta para o espanhol) foram construídas durante os encontros de formação política com as mulheres, realizados pelo MAB. A metodologia foi utilizada para que elas pudessem expressar seus sentimentos como dor, esperança e resistência diante dos impactos causados pelas grande obras na Amazônia.
Cleidiane Vieira, que faz parte da coordenação do MAB-Pará, explica que um dos resultados do trabalho com as arpilleras é o fortalecimento na organização das mulheres, assumindo o papel de protagonistas de fato e de direito.
"O trabalho das arpilleras tem possibilitado as mulheres se expressarem. Muitas não conseguiam, tinha dificuldade de falar, então através das arpilleras tem sido um trabalho interessante porque as próprias mulheres conseguem bordar as violações que sofrem - os sentimentos - as questões políticas, de como é a realidade da construção das barragens".
Confira a versão em áudio da reportagem (para baixar o arquivo, clique na seta ao lado de compartilhar):
Arpilleras
A técnica arpillera era utilizada pelas mulheres chilenas na época da ditadura de Augusto Pinochet nos anos 70. As mulheres utilizavam as roupas dos filhos desaparecidos como retalhos para bordar sobre a juta, uma forma de driblar a censura, e mais tarde tornando-se um instrumento de denúncia e resistência contra o governo repressor.
Os temas das Arpilleras Amazônicas abordam diversos abusos de direitos que são ocasionadas pelas grandes obras, como violência sexual contra mulheres, crianças e adolescentes, inchaço populacional, prostituição e ausência de políticas pública. Percorrer pelas peças é olhar através das lentes delas e tentar entender um pouco do modo de vida dessas mulheres ribeirinhas, indígenas, pescadoras e agricultoras e que hoje são atingidas pelas barragens localizadas nas bacias do Xingu (Pará), Tapajós (Pará), Araguaia-Tocantins (Pará/Maranhão), Madeira (Rondônia) e Tocantins (Tocantins).
Violações
Melissa Diana Munduruku, 19 anos, é da Aldeia Praia do Índio, localizado no município de Itaituba, oeste do Pará. As arpilleras que ela e outras mulheres bordaram retrata as consequências que a hidrelétrica de Belo Monte trouxe para a região como o surgimento de pontos de prostituição e os “filhos das barragens”, denominado por Melissa, crianças cujas mães se prostituem.
A Aldeia Praia do Índio é pequena. Melissa descreve que a aldeia é cortada por uma estrada que dá acesso a um quartel e uma empresa, além de um conjunto de casas habitacionais chamado Campo Belo. Tudo o que cerca a aldeia, segundo Melissa, afeta o modo de vida dos indígenas. “A gente já está acostumado com um modo de vida calmo, a gente vai lá no rio e já trás o que comer e quando vem esses grandes projetos a gente meio que tem que estudar mais, se preocupar mais, ainda mais as mulheres que se preocupam muito com os filhos”.
Ainda no município de Itaituba, outra comunidade também sofre com os impactos dos grandes projetos. Campo Verde fica distante 30 km da cidade e localiza-se no entroncamento da BR 163, a Santarém-Cuiabá-Transamazônica, chamado de corredor da soja, segundo informa Jaqueline Damasceno, 19 anos, militante do MAB-PA.
“Todas as carretas e fluxo de escoamento de soja e milho do Mato Grosso passam por dentro da comunidade em direção aos portos de Mirituba e Santarém. Hoje um fluxo de aproximadamente duas mil carretas passam por dentro das comunidades, e por causa disso há um aumento da prostituição, inchaço populacional, aumento de roubos, essas coisas que até então não existiam na comunidade”, afirmou Jaqueline.
Edição: José Eduardo Bernardes
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