Acampamento

Rebeldia para mudar um país

Levante Popular da Juventude entra em seu quinto ano como organização nacional e chama atenção por tamanho e diversidade

Belo Horizonte |
Movimento levou 7 mil jovens de todos os estados do Brasil a seu 3º Acampamento Nacional, em Belo Horizonte, realizado no início deste mês
Movimento levou 7 mil jovens de todos os estados do Brasil a seu 3º Acampamento Nacional, em Belo Horizonte, realizado no início deste mês - Fotos: Divulgação / Levante Popular da Juventude

Entrar no acampamento é como chegar num mundo diferente, construído por jovens. No largo corredor que rodeia o estádio do Mineirinho ocorriam diversas ações. Pessoas estendiam no chão as “bancas” para vender ou trocar livros, toucas, camisetas, discos e até abraços (sério!). E tão sério quanto isso era o poema do Coletivo Literatura Marginales recitado de graça logo em frente. “Trocando a conformação do sistema pelo pensamento revoltante”.
O lugar cheio de interação e cultura sintetiza a política que o movimento Levante Popular da Juventude afirma estar arquitetando. Organização e arte para transformar e construir a vida dos jovens com planos que os mantenham vivos e ativos. O resultado é a aproximação de uma juventude cada vez mais parecida com o povo brasileiro.
Cinco dias
 “Levante” levou 7 mil jovens de todos os estados do Brasil a seu 3º Acampamento Nacional, em Belo Horizonte, realizado de 5 a 9 de setembro no estádio do Mineirinho. O evento foi considerado um dos maiores encontros políticos de jovens dos últimos 10 anos do país e foi marcado por debates políticos e inúmeras atividades culturais.
Passaram por lá personalidades como o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, o ex-pantera negra Eddie Conway, a ativista norte-americana Dominique Stevenson e a atriz Letícia Sabatella. Além de lideranças de movimentos populares e sindicais e do criador do site Wikileaks, Julian Assange, que participou através de videoconferência.
Novos contornos
O crescimento e a diversidade do movimento foram destaque nesse acampamento, diz Thiago Ferreira, um dos coordenadores do Levante. Em 2011, no primeiro encontro nacional, compareceram mil pessoas. Hoje, cinco anos depois, são sete mil. No primeiro acampamento a proporção era de 80% de estudantes universitários para 20% de jovens de periferia. Hoje são 52% de universitários e 48% de jovens de periferia. Admirável também que 58% dos inscritos tenham se declarado LGBT. 
“Desde o primeiro acampamento discutimos como vamos ser cada vez mais parecidos com o povo brasileiro. O Brasil é composto em sua maioria por jovens de periferia, por negros, jovens trabalhadoras e trabalhadores”, relata Thiago. Segundo ele, o movimento também não faz uma negação das organizações sociais, mas “aprende com elas”. Essa seria uma das explicações para tamanho crescimento.

Um plano
Com a idade e a quantidade vieram também as responsabilidades, lembra a coordenadora Nátaly Santiago, do Rio Grande do Norte, “e pensamos: ‘temos que dar respostas mais firmes para a juventude brasileira’”. Veio nascendo então o Programa Popular para a Juventude Brasileira, desde janeiro deste ano. 
São 10 eixos temáticos, entre eles o combate ao genocídio da juventude negra, a luta contra o racismo, o machismo e a LGBTfobia, o direito à educação, saúde, terra e trabalho. O programa vem sendo construído coletivamente ao longo desse ano. “Na nossa ação prática enfrentamos dilemas que estão presentes na vida juventude e lutamos para resolvê-los. Daí vem o programa”, diz. 
A cultura é um dos pontos fortes. “A juventude que se interessa pelo Levante é muito criativa e já faz arte. Tem gente que trabalha como caixa de supermercado, mas quer ser artista, por exemplo. E nosso objetivo é estimular que se organizem para conseguir chegar lá”, explica Nátaly. O plano é que os jovens trabalhem juntos pra produzir sua própria renda e auxiliem um ao outro no seu desenvolvimento profissional, seguindo o lema “Nós por nós”, já adotado pelo movimento. 
Um objetivo: melhorar o país
O acampamento aproveitou a potência de indignação dos jovens, que vivem um contexto político digamos... difícil, no mínimo. O “Fora Temer” foi o grito que mais se ouviu, mas pareceu não bastar. “Se conseguirmos tirar o Temer, e depois disso, o que vamos fazer?”, questiona Nataly.
Para responder à demanda, o Levante sai do encontro disposto a participar fortemente dos protestos pela retirada do presidente não eleito Michel Temer e, ao mesmo tempo, defender a realização de uma assembleia Constituinte para fazer uma reforma política no Brasil. Mas, o país precisa de uma Constituição nova?
Nataly defende que a saúde, a educação, o trabalho e os direitos individuais estão ligados umbilicalmente à atuação dos políticos e que, portanto, são necessárias regras políticas mais justas para a eleição de políticos também mais justos. Além disso, o atual Congresso Nacional tenderia a criar e destruir leis que irão “devastar a Constituição Federal”. 
Uma estratégia: o povo no poder
A nossa rebeldia é...? “Povo no poder! Povo no poder! Povo no poder!”, respondem milhares de punhos cerrados e certeiros, em um grito que usa a mesma métrica da música Fogo no Pavio, de Gog. Assim se coroava, todos os dias, o lema do acampamento. Assim se lembrava, todas as horas, da estratégia a que se comprometem: resolver o problema em sua raiz.
Há uma lógica de que a radicalidade é a ação violenta, mas não é. A radicalidade é ir à raiz da questão. E hoje nosso principal problema é que a classe trabalhadora está fora do poder político”, afirma Thiago Pará. “Hoje, a atitude mais radical que podemos ter é colocar milhares de pessoas nas ruas para exigir mudanças políticas”.
A juventude que organizou os escrachos contra torturadores da Ditadura Militar, que jogou esterco na sede da Rede Globo em São Paulo, que jogou dólares no ex-deputado Eduardo Cunha, promete agora “não temer o governo Temer”.

Pedras (preciosas) do caminho
Além do esforço do próprio Levante, foram as contribuições de parceiros que ajudaram a garantir a realização do evento. “Tudo apontava para uma inviabilização, com o golpe e dificuldades financeiras”, declara Thiago Ferreira. 
Na cozinha, o Movimento dos Trabalhadores por Direitos (MTD) e o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) faziam as refeições. Dos banheiros, cadeiras, tendas e infraestrutura, o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) cuidava. Na comunicação o jornal Brasil de Fato e o Mídia NINJA integravam o time de cobertura. Fora uma longa lista de colaborações de sindicatos e outros movimentos.
Mas o acampamento não foi só o evento em si, explica Thiago, foi também um processo de oito meses de discussões, mobilização e formação política. “Tudo isso para que a gente chegasse com muito mais certezas do que dúvidas. Nós temos certeza de quem nós somos, temos certeza de que lado estamos e certeza da direção que a gente quer apontar”, completa.

O Mineirinho tremeu 
Nas noites do acampamento as festas eram precedidas de “místicas” – momentos culturais de reafirmação de valores importantes ao movimento. Na última noite uma voz ecoava no microfone e com as luzes apagadas os 7 mil jovens mantinham-se sentados no chão do ginásio, com umas lágrimas escondidas tanto pela despedida quanto pela situação política por que passa o país. 
“Esse governo vai bater, esse governo vai humilhar, esse governo vai estuprar. E nós lutaremos!”, gritou o rapaz ao microfone, se referindo ao tempo difícil por vir. Para em seguida completar com um sonoro “Pááátria Livre” e ver, mais uma vez, a multidão de jovens tremendo o Mineirinho: “VENCEREMOS!”.

 

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