A reforma do ensino médio inaugurou mais uma polêmica entre parlamentares no tatame do Congresso Nacional. Encaminhada pelo governo na última sexta-feira (23) através de uma medida provisória (MP), a proposta altera trechos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para adotar, entre outras coisas, o turno integral e o ensino profissionalizante.
Além disso, a medida promove um enxugamento das disciplinas obrigatórias, que atualmente são 13, aplicando uma metodologia de ensino por módulos temáticos escolhidos a critério do aluno e segundo os interesses profissionais.
Para promover a reforma e justificar a urgência da implementação das novas medidas, o governo argumenta que a postura está relacionada ao resultado do ensino médio no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que ficou em 3,5 no ano passado em relação às redes estaduais. A meta estipulada era de 4,0. No caso das particulares, o resultado ficou em 5,3, também abaixo do horizonte previsto para o setor, que era de 6,3.
No entanto, a reforma anunciada pelo governo teve ressonância negativa entre diversos segmentos da educação, que se queixam de vários pontos do projeto e também da falta de diálogo com a sociedade na edição da proposta, pelo fato de ela ter sido encaminhada via MP. E, como era de se esperar, a polêmica se instaurou também no Congresso, onde a medida foi batizada de MP 746.
Críticas
A medida suscitou diversas reações entre membros da oposição, que têm reproduzido as críticas feitas pelos movimentos de defesa da educação.
“É mais um absurdo do governo golpista. Um tema dessa complexidade não pode ser discutido de forma afoita, sem amplo debate com a sociedade. E as mudanças propostas são um desastre para a educação. Imagina deixar de lado disciplinas de Filosofia, Sociologia, Educação Física e Artes... É um retrocesso profundo que precisamos impedir”, disse a líder da minoria na Câmara, Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
A iniciativa do governo também chamou a atenção do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ). “Tem vários aspectos dessa MP (a maioria) que são muito ruins para a educação, e tem outros que merecem ser discutidos, mas o problema principal é que não se faz uma reforma da educação com uma medida provisória. Essa decisão é um símbolo do desprezo pela democracia desse governo golpista e autoritário. Uma reforma da educação se faz ouvindo os educadores, os estudantes, os pais, os especialistas, os centros de pesquisa, os sindicatos, os grêmios estudantis, a sociedade civil. É inadmissível que isso seja feito numa canetada, na calada da noite e de forma tão improvisada. O mais grave é terem divulgado que corrigiriam a MP logo depois de sua divulgação, mas no ato da publicação mantiveram a retirada da obrigatoriedade de disciplinas”, criticou o parlamentar.
O psolista também teceu críticas ao uso frequente de medidas provisórias por presidentes da República na história recente do país. “O uso de MPs foi um erro de todos os governos (FHC, Lula, Dilma, etc.) e essa crítica vale para todos. Mas o mais grave, neste caso atual, é que o governo ilegítimo de Michel Temer quer usar uma MP para uma reforma profunda da educação, que exigiria um debate social muito mais amplo que outras decisões”, finalizou Jean Wyllys.
Trâmite
A comissão mista que vai analisar a MP 746/2016 aguarda instalação no Congresso e a primeira reunião do colegiado deve ocorrer após as eleições municipais. Os líderes das bancadas vão indicar os membros da comissão, que deverá ter 12 vagas para deputados e 12 para senadores, cada um deles com um suplente.
Paralelamente ao trâmite da proposta, o Senado abriu uma consulta pública para saber a opinião da sociedade sobre a matéria. Até o fechamento desta edição, a MP recebeu 30.333 votos contrários e apenas 1.036 favoráveis. A consulta está disponível no link https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=126992
Apontado como possível relator da proposta no Congresso, o senador Cristovam Buarque (PPS) acredita que toda proposta merece emendas, estudos e debates. "Acho positivo que finalmente um governo se apresse em fazer mudanças no ensino médio", afirmou.
Cristovam, no entanto, não confirmou o interesse na função. “Isso não depende de mim. Primeiro, depende se a relatoria vai ficar com a Câmara ou com o Senado, porque existe um revezamento. Não estou acompanhamento bem esse detalhe”, disse, tergiversando.
O senador Paulo Bauer (PSDB-SC), líder interino do partido na Casa, também defendeu o envio da MP. “A decisão do governo é absolutamente oportuna e necessária. O fato de fazer isso por MP se justifica, já que é necessário correr contra o tempo, e a MP permitirá que essas mudanças já produzam resultado no início do ano letivo de 2017. Claro que o Congresso fará debates e alguns aprimoramentos, mas, na essência, o que o MEC propõe é coerente com o que temos de decisões para serem tomadas neste momento”, considerou o tucano, que foi secretário de Educação de Santa Catarina por duas vezes.
O que é e como tramita uma MP
Medidas provisórias (MPs) são dispositivos com força de lei, de iniciativa do presidente da República, podendo ser editadas em casos considerados urgentes e relevantes. O prazo de vigência é de 60 dias, com possível prorrogação por mais dois meses. Os efeitos de uma MP são imediatos, mas ela depende de aprovação do Congresso Nacional para que seja definitivamente convertida em lei.
Depois de 45 dias de publicação pelo Executivo, as MPs trancam a pauta da casa legislativa em que estiverem tramitando, ou seja, ganham prioridade diante das outras matérias a serem apreciadas. O primeiro passo é a formação de uma comissão mista, composta por deputados e senadores, para aprovar um parecer sobre a medida.
Em seguida, ela é encaminhada para o plenário da Câmara e depois para o plenário do Senado. Se a aprovação do parecer na comissão demorar mais de 45 dias, a medida chega ao plenário trancando a pauta. Caso seja aprovada, a MP é enviada à Presidência da República para sanção e o chefe do Executivo pode vetar o texto parcial ou integralmente, caso discorde de possíveis modificações feitas pelo Legislativo.
Se a proposta for recusada pelo parlamento ou se ela perder sua eficácia, os parlamentares têm que editar um decreto para disciplinar os efeitos resultantes do seu período de vigência.
Edição: José Eduardo Bernardes
Edição: ---