Em 1990, durante o 5º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, o 28 de setembro foi definido como o Dia pela Descriminalização do Aborto. De lá para cá, as mortes e complicações por abortos clandestinos e a criminalização das mulheres que optam por interromper a gravidez continua como problema de saúde pública. Ainda há diferenças entre cada um dos países da região, mas a ausência de políticas e a punição das mulheres fazem parte da regra. Segundo os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), praticam-se anualmente mais de 4 milhões de abortos na América Latina, sendo 95% deles em condições inseguras.
O Uruguai, porém, é uma das poucas exceções. Em 2012, o parlamento aprovou a Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez e se tornou um dos poucos países da região que conta com uma norma que, ainda com dificuldades, garante o direto das mulheres a decidir sobre seu corpo, em centros de saúde pública.
Maru Casanova, cientista política, ativista feminista e integrante do Observatório Nacional de Saúde Sexual e Reprodutiva da organização Mujer y Salud en Uruguay falou com Brasil de Fato para realizar uma avaliação destes anos de vigência da lei.
Para Maru, "a lei significou um grande avanço em comparação com a região". "Estamos falando de mais de 20 mil mulheres que puderam fazer abortos por meio de serviços legais, mas essa é a base para ir além, ou seja, para que as mulheres possam efetivamente exercer seus direitos reprodutivos, e para que se mude a posição tutelar do Estado e dos médicos sobre seus corpos", afirmou.
Sob os fundamentos do direitos das mulheres a decidirem sobre seus corpos, sua sexualidade e reprodução, a liberdade de pensamento e as desigualdades de classe, o movimento feminista de Uruguai ganhou uma grande batalha, mas, como afirmou Maru, "esta lei é o mínimo".
"Temos que deixar em claro que a Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez não descriminalizar as praticas de interrupção da gravidez. O aborto ainda está presente no código penal da Uruguai, mas estabelece sua permissão dentro das 12 semanas de gestão, de forma gratuita em centros de saúde".
A luta pelo acesso ao serviços legais de aborto começa com a re-democratização e a ação do movimento feminista, explicou Maru. "Desde 1984, houveram numerosos projetos no parlamento, mas nenhum ia à frente. Não foi, até que a Frente Ampla teve maioria parlamentária, contudo se trata de uma conquista do movimento feminista que fizeram numerosas campanhas e ações juntos a movimentos sociais, estudantis e LGBTTs”, destacou a entrevistada.
Segundo a lei, uma mulher que precise/queira fazer um aborto vai até um centro de saúde, combina uma entrevista com uma equipe interdisciplinar composta por um(a) ginecologista, um(a) assistente social e um(a) psicólogo e, depois da entrevista, tem cinco dias para refletir sobre a decisão, comunicar os profissionais que deverão proceder a intervenção cirúrgica ou dar a receita do medicamento Misoprostol.
Seja pelos altos níveis de objeção de consciência dos profissionais, contemplados na norma, seja pela estigmatização social, pelas dificuldades das mulheres do interior de alcançar centros de saúde habilitados e pela falta de informação necessária, as mulheres no Uruguai continuam sendo vítimas de mortes por abortos clandestinos. Para Maru, junto às deficiências do sistema, o próprio texto da norma carrega limitações que impedem o acesso a práticas legais, seguras e gratuitas.
Segundo a entrevistada, a aprovação da lei, em 2012, exigiu a negociação parlamentar da Frente Ampla para conseguir os votos necessários. Estas negociações implicaram mudanças no texto original do projeto que levantam críticas e questionamento.
"O espirito da lei é desestimular o aborto no Uruguai”, criticou Maru. "A lei estabeleceu uma série de passos, burocracias, consultas e tempos que demoram que as práticas sejam efetivadas, o que desestimula a prática da interrupção ou, diretamente, fazem com que muitas mulheres práticas clandestinidades", agregou.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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