A Lei 13.334/2016, sancionada no último dia 14, deixou em estado de alerta diversas entidades que atuam pelas causas sociais. De iniciativa do Executivo federal e encaminhada ao Congresso através da Medida Provisória (MP) 727, a nova legislação cria o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que trata, entre outras coisas, de parcerias público-privadas (PPPs) em empreendimentos de infraestrutura.
Aprovada em meio a um clima de atropelos e congestionamento da agenda parlamentar, a medida foi bastante criticada pela oposição sob o argumento de que abriria margem para uma onda de privatizações, enfraquecendo a atuação estatal – discussão que tradicionalmente circunda os debates sobre as PPPs em diversas partes do mundo.
Mas, além da reflexão sobre a questão mais central do debate político, um detalhe estampado no Artigo 17 da nova lei – que passou quase despercebido pela opinião pública – vem preocupando diversas entidades pelo país: a aceleração do licenciamento ambiental para a execução das obras.
Segundo determina a nova legislação, todos os projetos que forem selecionados para integrar o PPI serão considerados de prioridade nacional e deverão contar com rápida viabilização por parte dos diversos atores estatais envolvidos.
"Isso levanta um sinal amarelo porque, em virtude da pressão política, que nós sabemos que existe, esses projetos podem ser aprovados, estruturados e implementados sem que a legislação socioambiental seja devidamente respeitada. (...) É um risco grande, porque o regime atual de licenciamento já é falho. Prova disso são os grandes problemas que a gente vê pelo Brasil em diversas obras de infraestrutura ou em situações mais trágicas ainda, como a que ocorreu com o rompimento da barragem em Mariana", alerta o advogado Caio Borges, do Conectas Direitos Humanos, que, em conjunto com outras entidades, chegou a lançar uma nota pública de oposição à MP 727.
Ele destaca ainda a dificuldade operacional do poder público para absorver a demanda que surge das obras dentro das obrigações já existentes.
"O licenciamento hoje não só não é capaz de prevenir certos problemas como também falha muito no acompanhamento depois que uma obra recebe a licença. Há um problema de capacidade dos órgãos ambientais. (...) Os próprios estudos às vezes já não contemplam nem toda a dimensão da obra", completa o advogado, reforçando a preocupação com o que pode resultar da nova lei.
Insegurança jurídica
A determinação de aceleração das licenças prevista na Lei 13.334/2016 inclui União, estados, municípios e Distrito Federal e abrange todos os tipos de autorizações, direitos de uso ou exploração, incorporando, entre, outras coisas, questões de natureza ambiental, indígena e minerária.
O dispositivo também chamou a atenção do Instituto Socioambiental, que, entre outras coisas, monitora políticas públicas. Para a coordenadora de Política & Direito, Adriana Ramos, a facilitação do processo burocrático das licenças não encerra o problema do impacto ambiental.
“Muitas vezes o licenciamento mais rápido e mais mal feito pode, inclusive, agravar esses problemas e gerar até a tal da insegurança jurídica, que é um dos argumentos muito utilizados pelos investidores relacionados a esses empreendimentos. Essa medida abre uma flexibilização genérica que pode ter efeitos muito negativos do ponto de vista ambiental”, destaca.
Ela também alerta para o risco de comprometimento dos direitos de diversas comunidades que podem ser afetadas pelas obras, como indígenas e quilombolas. "Ao permitir uma aceleração das licenças, não se dão tempo nem os mecanismos adequados para avaliar os impactos sociais", completou, em referência à fragilidade da política ambiental.
Transparência e controle social
Outra discussão que atravessa os ditames da Lei 13.334/2016 diz respeito à transparência em determinados procedimentos. Um dos artigos da legislação determina que a Secretaria do PPI, que foi instituída pela mesma lei, poderá exigir sigilo das informações que forem fornecidas ao Congresso Nacional sobre as obras executadas através do PPI.
"Com isso, o que eles fazem é instalar regimes próprios [de acesso], que deveriam ter sido mais bem compatibilizados de acordo com a Lei de Acesso à Informação (LAI). Essa legislação veio muito frágil em termos de participação social", aponta Caio Borges.
Ele também destaca a falta de participação social no Conselho do PPI (CPPI), instituído pela nova lei para gerir as parcerias público-privadas federais e escolher os projetos a serem contemplados pelo Programa.
O colegiado é formado pelo presidente da República, pelo secretário-executivo do PPI e alguns ministros de Estado, além dos presidentes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Caixa Econômica Federal (CEF).
"O Conselho não prevê a participação de entidades não governamentais, seja da sociedade civil, seja do ramo empresarial. Como consequência, há o risco de colocarem no programa projetos que não são prioritários nem mesmo pras pessoas que poderiam ser beneficiadas. (...) Além disso, ao não envolver o maior número possível de pessoas que poderiam ter interesse no empreendimento, o projeto vai contar com manifestações de oposição depois", projeta o advogado, em referência ao custo político da medida.
Ele defende que a MP 727 deveria ter sido submetida a um intenso debate público antes da aprovação pelo Congresso, de forma a garantir a manutenção do interesse público e dos direitos coletivos. "Foi um modelo aprovado sem grandes discussões", lamentou.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
Edição: ---